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Breve histórico dos estudos sobre gramaticalização

2.1 Gramaticalização na teoria funcionalista

2.1.2 Breve histórico dos estudos sobre gramaticalização

Os estudos iniciais sobre gramaticalização remetem à China do século X. Estudos posteriores, no século XVII, foram realizados na França (Condillac, Rousseau) e na Inglaterra (Tooke). No século XIX, foram desenvolvidas pesquisas na Alemanha (Bopp, Schelegel, Humboldt, Gabelenz) e nos Estados Unidos (Whitny) (cf. NEVES, 1997, p.113). Em 1912, Meillet, um linguista indoeuropeísta francês e discípulo de Saussure, considerado a figura

central dos estudos sobre Gramaticalização, emprega o termo pela primeira vez para designar “a atribuição de um caráter gramatical a uma forma autônomo”13. Meillet (1912), em seu

artigo L’evolucion des formes grammaticales, descreve dois processos de mudança gramatical: a analogia e a gramaticalização. O autor entende por analogia o processo pelo qual novos paradigmas originam-se por meio de semelhança formal de paradigmas já estabelecidos e, por gramaticalização, a passagem de uma palavra autônoma para o papel de um elemento gramatical.

Segundo o autor:

Estes dois processos, a inovação analógica e a atribuição do caráter gramatical a uma palavra autônoma, são apenas alguns pelos quais as novas formas gramaticais são constituídas. Os detalhes podem ser complexos em algum caso individual, mas os princípios são sempre os mesmos. (MEILLET, 1912. p.131)14

Ele propõe a existência de três classes de palavras: as palavras principais, as palavras acessórias e as palavras gramaticais, alertando para o fato de que entre elas há uma transição gradual que resulta na gramaticalização. Esse autor utiliza os diferentes usos do verbo francês être para exemplificar a possibilidade de conceber a gramaticalização como um processo sincrônico e diacrônico: como palavra principal (verbo estar + adjunto de lugar: Je suis chez moi/eu estou em casa), como palavras acessórias (verbo de ligação ser + adjetivo: Je suis malade/eu estou doente), como palavras gramaticais (verbo auxiliar estar + verbo: Je suis parti/eu estou partindo). Essa exemplificação permite compreender a gramaticalização como processo diacrônico em que palavras acessórias e palavras gramaticais podem se desenvolver de palavras principais e como processo sincrônico em que palavras acessórias e palavras gramaticais podem conviver num mesmo recorte de tempo.

Sobre a transformação de palavras autônomas em elementos gramaticais, Meillet (1912) afirma que “a gramaticalização de certas palavras cria novas formas e introduz categorias que não têm expressão linguística.” Diante da concepção de Meillet (op. cit.), podemos verificar que gramaticalização é vista como um processo que afeta palavras autônomas, mas também pode ser um processo extensivo a frases.

O termo “gramaticalização” tem sido usado com vários sentidos por diversos estudiosos, que se dedicaram a descrever e analisar esse fenômeno: De acordo com Poggio

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“l’attribution du caractere grammatical à um mot jadis autonome” (MEILLET, 1912, p.131)

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Ces deux procédés, l’innovation analogique et l’attribution du caractere grammatical à um mot jadis autonome, sont lês seuls par lesquels se constituent dês formes grammaticales nouvelles. Les faits de dètail peuvent être compliques dans chaque cãs particulier; mais lês príncipes sont toujours lês mêmes. (MEILLET, 1912, p.131)

(2002), existem três grupos de conceitos de gramaticalização, que se distinguem pela época e perspectivas adotadas: (i) 1° grupo: léxico e gramática (até 1970); (ii) 2°grupo: discurso e a gramática (a partir do meado de 1970); (iii) 3°grupo: cognitivistas.

O primeiro grupo operou com o léxico e a gramática e predominou até 1970. Nesse período, alguns estudiosos, entre eles, J. Kurylowicz, G. Sankoff e J. Bybee conceberam o conceito de gramaticalização como sendo um processo através do qual uma unidade léxica ou uma estrutura léxica assume uma função gramatical. O item lexical vai de uma classe aberta, com unidades independentes, para uma classe fechada, composta por estruturas dependentes, como clíticos, partículas, verbos auxiliares, construções aglutinativas e flexões. Nesse caso, a gramaticalização é decorrente de alterações morfológicas. O segundo grupo, entre eles, T. Givón e J. Dubois operou com o discurso e a gramática e predominou a partir de 1970. E o terceiro grupo corresponde a mais nova linha de pesquisa, a cognição. Nas décadas de 80 e 90, a cognição tornou-se o centro das pesquisas de alguns linguistas, como E. Sweetser (1988), Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), S. Svorou (1993), entre outros. Nesse caso, a gramaticalização passa a ser estudada privilegiando-se as alterações semânticas.

Diante de tantas definições para o fenômeno da gramaticalização, nesta pesquisa, interessa-nos o sentido em que designa um processo gradual e contínuo que consiste na passagem de itens lexicais para itens gramaticais, ou de uma classe menos gramatical para uma mais gramatical e, uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais (HOPPER E TRAUGOTT, 1993, p.2). Para compreender a noção de gramaticalização, é preciso distinguir os termos “lexical” e “gramatical”. Entendemos por item lexical o que denota uma coisa, uma ação∕processo ou uma qualidade, consiste na classe dos nomes, dos verbos e dos adjetivos. Os itens gramaticais servem para indicar uma relação entre nomes ou entre partes do discurso, constituem as preposições, as conjunções e os verbos auxiliares e semiauxiliares.

Outros termos, também, têm sido utilizados para distinguir esse fenômeno. A gramaticalização pode ser entendida stricto sensu e lato sensu. Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003) estabelecem que:

[...] a gramaticalização stricto sensu ocupa-se da mudanca que atinge as formas que migram do léxico para a gramática; a gramaticalização lato sensu busca explicar as mudanças que se dão no interior da própria gramática, compreendendo aí os processos sintáticos e/ou discursivos de fixação da ordem vocabular. (FURTADO DA CUNHA, COSTA e CESARIO, 2003, p. 51)

Segundo a definição apresentada, há duas trajetórias de mudança, que podem ser assim caracterizadas: a Gramaticalização stricto sensu (trajetória de elementos linguísticos do léxico para a gramática) e a Gramaticalização lato sensu (trajetória de categorias menos gramaticais para categorias mais gramaticais, como o de categorias invariáveis para categorias variáveis). Essa definição apresenta uma relação com os dois primeiros grupos de conceitos de gramaticalização definidos por Poggio (2002). Notamos que enquanto a gramaticalização stricto sensu refere-se à ampliação dos limites de um morfema, ao avançar do léxico para a gramática, a gramaticalização latu sensu compreende os processos discursivos, que foram considerados como um parâmetro para o entendimento da estrutura linguística e para o desenvolvimento de estruturas sintáticas e categorias gramaticais.