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Ao pensarmos historicamente, o currículo de Ciências da Natureza relaciona-se com: a economia, a política mundial e nacional e a influência da comunidade científica internacional.

Um critério para acompanhar a história do ensino de Ciências no Brasil é observá-lo sob os dois ângulos já mencionados: o primeiro, de caráter interno, estrutural, vinculados à economia e política brasileiras; o segundo, de caráter externo, de ordem mundial, pautado principalmente pela comunidade científica internacional e pela formação de pesquisadores brasileiros em centros e instituições estrangeiros, associados, à destinação de recursos para a pesquisa e para o ensino, que também condiciona a evolução do ensino de Ciências. Historicamente, países com longa tradição científica como Inglaterra, França, Alemanha e Itália, definiram cada um com suas prioridades e inclinações, o que e como se deve ensinar Ciências, do nível elementar até o superior. Desde o século XVIII, esses países estabeleceram políticas nacionais tanto para a educação em geral como para o ensino de Ciê ncias em particular. (DELIZOICOV; ANGOTTI, 1992, p. 23-24).

No Brasil, segundo Marandino (2005), o ensino de Ciências foi influenciado pelas relações de poder que se estabeleceram entre as instituições de produção científica e pelo papel reservado à educação na socialização desse conhecimento e no conflito de interesses entre as antigas e recentes profissões, “frutos das novas relações de trabalho que se originaram nas sociedades contemporâneas, centradas na informação e no consumo.” (p. 162).

Institutos de pesquisa e museus de história natural tiveram grande parte de contribuição no ensino e produção de conhecimento para que as ciências naturais consolidassem-se no Brasil durante o século XIX. Entre 1889 e 1930, ou seja, na Primeira República, o ensino de Ciências foi concebido da seguinte maneira: havia poucas instituições escolares; as cidades eram frequentadas pela elite, que buscava nos professores estrangeiros um ensino de Ciências de caracteres formativos; aos

demais filhos da classe trabalhadora, destinava-se um ensino mais informativo, realizado por professores sem formação especializada, socializando de maneira desigual o conhecimento científico.

A disciplina de Ciências consolida-se no currículo escolar brasileiro em 1931, com a Reforma Francisco de Campos e, também, com as transformações da sociedade brasileira rumo à modernização, destinando-se, até 1950, mais à transmissão dos conhecimentos das diferentes ciências naturais. Complementando, Ghiraldelli Jr. (1991, p. 34) afirma que “o currículo organizava-se da seguinte maneira: o ensino secundário mantinha cinco anos na sua etapa fundamental e dois na sua etapa complementar”, sendo que os conhecimentos científicos integravam-se na disciplina de Ciências Físicas e Naturais nos dois primeiros anos da etapa fundamental (atuais 5ª série/6º ano e 6ª série/7º ano) e, nos outros dois anos, eram apresentados nas disciplinas de Física, Química e História Natural.

Tendo em conta as necessidades do progresso nacional, para o qual “[era] mister construir cientificamente o Brasil” (GHIRALDELLI JR., 1991, p. 34), a disciplina de Ciências teve seu foco voltado para a transmissão de conteúdos, através de aula expositiva, não dialógica, com a intencionalidade de fazer com que os estudantes memorizassem os assuntos, privilegiando a quantidade de conteúdos e deixando de lado a investigação científica. Esse modelo de conhecimento e de escola já era confirmado pela Reforma Capanema, na década de 1940, que objetivava a preparação de uma “elite condutora” e, para tal, a legislação era clara: “a escola deveria contribuir para a divisão de classes e, desde cedo, separar pelas diferenças de chances de aquisição cultural, dirigentes e dirigidos.” (GHIRALDELLI JR., 1991, p. 86).

Já o currículo no ensino secundário era organizado em ciclos de quatro e três anos: no primeiro, a disciplina de Ciências estava presente; nos dois últimos ciclos (atual 7ª série/8º ano), os conteúdos a serem estudados seriam ar, água e solo, noções de botânica, zoologia e corpo humano; já na atual 8ª série/9º ano, os conteúdos a serem estudados seriam noções de Física e Química e alguns conteúdos da proposta anterior a esse modelo curricular, de forma introdutória. Na verdade, era a entrada dos estudantes da chamada classe média nas universidades.

Fato importante a ser registrado é que, no Estado de São Paulo, essa forma de divisão dos conteúdos curriculares, chamada modelo clássico/tradicional, permaneceu

na rede oficial de ensino praticamente até a mudança curricular ocorrida em 2008 (que motivou o estudo ao qual se propõe este trabalho), visto que os PCNs pouco foram utilizados, estudados e difundidos na citada rede.

Nessa cadeia de expansão, surge o Instituto Brasileiro de Educação, Cultura e Ciências (IBECC), vinculado à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o qual, segundo Barra e Lorenz (1986, p. 1970), “tinha o objetivo de promover a melhoria da formação científica dos estudantes que ingressariam no ensino superior e, assim, contribuir de forma significativa para o desenvolvimento nacional e a melhora da qualidade de ensino.”

O IBECC trouxe algumas mudanças, como a discussão dos livros didáticos, que eram compostos por pensamentos pedagógicos europeus, o estabelecimento dos conteúdos de ensino e, ainda, a questão metodológica a ser desenvolvida durante as aulas. Segundo Barra e Lorenz (1986),

o IBECC proporcionou o desenvolvimento de pesquisas e treinamento de professores, bem como a implantação de projetos que influenciaram a divulgação científica na escola por meio de atividades como mostra de projetos em feiras; visitas a museus e a criação de Clubes de Ciências. Desenvolveu também o projeto „Iniciação Científica‟ e produziu kits destinados ao ensino de Física, Química e Biologia para os estudantes do curso primário e secundário. (p. 1971).

Assim, o ensino de Ciências passou por um processo de transformação no que tange à escola, tendo como justificativa, para Krasilchik (2000, p. 86), “a necessidade da ampliação do conhecimento científico a fim da superação da dependência tecnológica, ou seja, tornar o país autossuficiente com base numa „ciência autóctone‟.” Além disso, as transformações também alteraram as atividades executadas pelo IBECC, “já que em meados de 1950, o contexto mundial acompanhava uma tendência de que ciência e a tecnologia passam a ser reconhecidas como atividades essenciais no desenvolvimento econômico, cultural e social.” (KRASILCHIK, 2000, p. 20).

Alterações também ocorreram no ensino de Ciências após a Segunda Guerra Mundial e, de forma consequente, no currículo, o processo teve seu início com o desenvolvimento científico soviético e o lançamento espacial do Sputnik. Ocorrem também, nesse contexto, mudanças curriculares nas disciplinas de Ciências nos Estados Unidos e na Europa. Para Chassot (2004),

os Estados Unidos buscavam culpados em 1957 por sua desvantagem na corrida espacial. Um apareceu em evidência, a escola. Mais precisamente o ensino de Ciências ou, ainda mais, as deficiências do sistema educacional, estadunidense foram apontadas como responsáveis pelas desvantagens tecnológicas. (p. 24).

Com a mediação do IBECC, a metodologia de ensino por projetos formulados com o apoio das universidades e de acadêmicos, conjuntamente ao apoio dos Estados Unidos e da Inglaterra, chegou ao Brasil, os quais tinham no cerne de sua metodologia a concepção de uma ciência neutra, com a reprodução de modelos científicos através da experimentação. Essa metodologia também chegou à escola brasileira, uma vez que o país passava por um momento (década de 1960) em que era importante a formação de “estudantes mais aptos”, a fim de defender o progresso da ciência e tecnologia do país. Começou-se, então, a trabalhar a fase do ensino de Ciências por projetos, buscando o conhecimento a partir de materiais traduzidos do contexto americano, com foco nas aulas experimentais.

Em meio a esse contexto, promulgou-se, no Brasil, a Lei nº 4.024/61 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB), que, entre as várias mudanças trazidas, alterou o currículo de Ciências no sentido de implantar a disciplina de Iniciação à Ciência a partir da primeira série do então chamado curso ginasial, sendo que as disciplinas de Física, Química e Biologia tiveram acréscimos em suas cargas horárias, objetivando o preparo do indivíduo para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos, por meio da metodologia do exercício do método científico (BRASIL, 1961).

Com a promulgação da LDB, houve também maior liberdade para as escolas, uma vez que estas poderiam fazer a opção pelos projetos do IBECC, com a possibilidade de escolha dos conteúdos e utilização do livro didático. O Instituto ficou responsável, dessa forma, pelo intercâmbio dos livros e materiais didáticos vindos dos Estados Unidos e da Europa. Desvelou-se, portanto, um ensino de Ciências voltado à investigação científica, ou seja, não apenas à reprodução de experimentos para a comprovação do que já havia sido experimentado; o aluno passa a formular suas hipóteses e a ter uma participação mais significativa na descoberta de todo o processo científico, pois, para Krasilchik (2000, p. 86), “[...] o objetivo maior com o ensino de Ciências seria preparar o cidadão para pensar lógica e criticamente, para

que o mesmo tivesse condições de tomar decisões com base em informações e dados.”

Passados praticamente 10 anos, com a promulgação e consolidação da Lei nº 5.692/71 (BRASIL, 1971), o ensino de Ciências teve seu foco voltado para a formação de mão de obra técnico-científica qualificada, no antigo segundo grau, objetivando, fundamentalmente, o mercado de trabalho para o desenvolvimento do país. Essas orientações da lei, mais uma vez, acarretam a exclusão dos filhos dos trabalhadores das universidades, pois estes eram levados ao ensino técnico, garantindo, dessa maneira, as vagas das universidades para a elite.

O currículo passou a ter, teoricamente, as chamadas disciplinas científicas, que, por sua vez, na prática, tiveram certo comprometimento, devido às disciplinas instrucionais ou profissionalizantes; já o livro didático passou a ser ferramenta de importância fundamental para o que se chamava estudo dirigido. Segundo Krasilchik (1987),

[...] o modelo chamado de estudo dirigido, termo mal aplicado a exercícios em geral compostos por questões de múltipla escolha que dependiam apenas de leitura ou, mais raramente questões dissertativas que requeriam transcrição literal do texto. (p. 18).

Entretanto, com a crise energética, a questão ambiental veio à tona e se torna interesse do processo de ensino-aprendizagem em Ciências, no sentido de que os alunos discutissem a relação entre as Ciências e a sociedade. O ensino, assim, passou a ter por objetivo fornecer subsídios ao estudante/cidadão, informações relevantes para a vida diária,

à medida que se avolumaram os problemas sociais no mundo, outros valores e outras temáticas foram incorporadas aos currículos, sendo que mudanças substantivas tiveram repercussões nos programas vigentes. Entre 1960 e 1980, as crises ambientais, o aumento da poluição, a crise energética e a efervescência social manifestada em movimentos como a revolta estudantil e as lutas anti-segregação racial determinaram profundas transformações nas propostas das disciplinas científicas em todos os níveis de ensino. (KRASILCHIK, 1987, p. 89).

Nesse contexto, os estudantes passaram a desenvolver estudos de conteúdo científico voltados para a vida cotidiana, a fim de buscar soluções para os problemas de seu bairro ou cidade, por exemplo.

Também, nas décadas de 1950 a 1970, houve o ensino da Ciência Integrada, em cuja proposta eram somadas as críticas por parte dos que viam a escola tradicional como a mais eficiente e adequada, considerando que os conteúdos relacionados à sociedade seriam assim segmentados.

Em continuidade a essa proposta de ensino, estabeleceu-se a preocupação com a qualidade da escola para todos, de modo que os pensamentos e ações no ensino voltaram-se para a alfabetização científica, na qual os estudos de História e Filosofia das Ciências tinham como cerne fazer comparações entre as linhas de raciocínio desenvolvidas pelos cientistas e o conceito dos alunos, fortalecendo, dessa forma, o movimento “Ciências para Todos”.

Cotejando o ensino de Ciências e a realidade diária vivida pelos alunos,

a reforma brasileira reforça um movimento equivalente ao da „Ciências para Todos‟, sem, no entanto, incluir cuidados para que excessos nessa postura tornem o currículo pouco rigoroso, em nome da necessidade que se tornou um estribilho nas publicações e avaliações oficiais de desenvolver competências e habilidades. (KRASILCHIK, 1987, p. 90).

Logo, passa a ser motivo de preocupação daqueles que estudam e se interessam pelo ensino das Ciências no Brasil a perda dos objetivos centrais do “por que ensinar ciências”, que não compreende decorar estruturas e definições, mas agregar conhecimento científico, de maneira que os estudantes valorizem essa ciência como forma de realização para a sociedade, além da formação satisfatória do educando, no sentido de que ele possa relacionar o que aprende nos bancos escolares com os problemas vividos pela sociedade contemporânea, com a ciência e a tecnologia.

1.2 Da Carência para Carentes – A Formação do Professor de Ciências Físicas