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Breve Histórico do Ensino Religioso e da Chegada das Escolas Confessionais ao

CAPÍTULO 4 – EDUCAÇÃO CRISTÃ E/NO ENSINO FUNDAMENTAL

4.1 Breve Histórico do Ensino Religioso e da Chegada das Escolas Confessionais ao

As escolas confessionais estiveram presentes desde a colonização do Brasil na figura dos padres jesuítas. Estas escolas eram espaços de doutrinação da fé cristã, mais direcionada a condicionamento de valores cristãos e catequização do que produção de conhecimento propriamente dito. A partir do século XIX o estado toma o ensino e o torna laico, logo o ensino religioso se torna uma bandeira de luta. É importante conhecer como o ensino religioso surgiu, como a mulher, nosso objeto de estudo, é retratada por ele ao longo da história e como chegou ao Brasil.

Os estudos nos mostram que a Teologia da Idade Média foi permeada pela escolástica, a qual se refere, grosso modo, ao estudo da gramática, à utilização do método dialético e à autoridade dos livros antigos. A base para a escolástica foi a crença na autoridade dos antigos textos religiosos, sendo eles a Bíblia, os escritos de Platão, Aristóteles e outros textos árabes. Era por meio deles que os escolásticos compreendiam a fé: “Esta opção foi decisiva para o desenvolvimento, no século XIII, de uma teologia que apela para a razão e se torna uma ciência” (LE GOFF, 2003, p. 118).

Apesar dessa dita cientificidade, o discurso teológico sobre a sexualidade e papéis sociais não mudou. A título de exemplificação, Alberto Magno, reconhecido teólogo alemão do século XIII, ao descrever as mulheres, expunha toda sua depreciação, não demonstrando respeito algum por elas. Aliás, chegou a dizer que mulheres são menos qualificadas para o comportamento moral do que os homens. Neste mesmo tempo, a disputa entre a teologia agostiniana e os defensores da teologia aristotélica também não produziram mudanças significativas no posicionamento em relação às mulheres (cf. OLIVEIRA, 2009).

De acordo com Cambi (apud OLIVEIRA, 2009, p. 60), o amor cortês se torna o amor aceitável, vivido à distância, intocável. A Eva pecadora perde sua força na exaltação da mulher santa consagradas ao mundo religioso, e a esta se pode amar de forma pura, porque intocada: “A idealização da mulher torna-se um elemento de aprisionamento de sua sexualidade, devido à exaltação da beleza, candura e virgindade”.

Percebe-se que havia aí uma negação do corpo, do sexual, que tem no discurso de alguns teólogos e padres seu embasamento. Podemos citar entre eles, Tertuliano no século II, Agostinho no século IV, e Tomás de Aquino no século XII. Todos eles possuíam um posicionamento bem definido a respeito do corpo, isto é, colocavam-no sempre como inferior

a alma, e em seus escritos havia sempre prescrições precisas sobre como manter a sexualidade sobre controle.

Apesar de negarem o movimento gnóstico, combatido pelos primeiros apóstolos, percebe-se em seus discursos uma sua influência, pois os gnósticos acreditavam que toda a criação, incluindo o mundo era má. Sua visão de Deus era a do Deus punitivo do Antigo Testamento14, portanto tudo o que se relacionava com o corpo deveria ser abominado. Essa concepção dualista de corpo e alma também se faz presente em todo o pensamento cartesiano. Heinemann (1996, p. 60) declara que é dessa conjectura que advém a visão “anti-sexual e anticonjugal, propagada como elevada para a época, estabelecendo uma interpretação bíblica para a conformação do seu meio”.

A partir dos séculos XIV e XV a influência da escolástica diminui. Com o advento das grandes navegações, de acordo com Tomazi (1997), a visão de mundo começa a ampliar-se, pois o incremento do mercado internacional provocou mudanças sociais, ações político- organizacionais, jurídicas, morais, como o crescimento das cidades e a mudança dos feudos para longe dos grandes centros. Toda essa movimentação mercantil fomentou mudanças também no pensamento, produzindo uma concepção mais racional de mundo, sem, no entanto se afastar do sagrado.

O profundo descontentamento da sociedade com a religião se torna evidente por dois movimentos culturais que marcaram a Europa e o novo mundo: o humanismo e a Reforma Protestante. O primeiro proporcionou à humanidade a possibilidade de se libertar dos limites mentais aos quais viviam aprisionados até então. A Reforma Protestante, por sua vez, resultado do humanismo, quebrou a unidade do Cristianismo.

Este último movimento, iniciado por Martinho Lutero em 1517, afetou a hegemonia da igreja católica, além de, como dito anteriormente, romper a unidade do Cristianismo no Ocidente. Lutero encontrou apoio na nobreza feudal e nos principados, entre eles o da Saxônia. Seu profundo anseio pela salvação e completa insatisfação com os rumos que a Igreja estava tomando foram o que o impulsionaram. A Reforma afetou todos os aspectos culturais, a arte, o trabalho, a economia, a literatura, a música (LINDBERG 2001).

Em um mundo onde apenas os religiosos eram considerados sagrados e os trabalhadores braçais tidos como inferiores, a doutrina da justificação somente pela graça e fé trouxe uma nova esperança. Os reformadores minaram o dualismo entre o trabalho religioso e o secular,

14 Antigo Testamento compreende os livros que foram escritos antes do nascimento de Cristo. Novo Testamento

pois enfatizavam que tudo que uma pessoa fizesse que ajudasse ao seu próximo ou a construir uma sociedade melhor, Deus se agradaria (LINDBERG 2001).

Os reformadores acreditavam na propagação do ensino porque através da leitura bíblica as pessoas poderiam conhecer verdadeiramente a Deus e por meio desse conhecimento alcançariam a salvação, sem intermediação sacerdotal. Ao chegarem aos Estados Unidos, os reformadores se aliançaram aos ideais liberais, ao estilo de vida, a postura ética e também aos hábitos de trabalho da sociedade norte-americana. Concomitantemente aos ideais protestantes, nasce o ensino protestante, com o intuito de propagar a instrução das Escrituras (ALMEIDA, 2007).

Esse modelo de educação chegou ao Brasil em meados do Século XIX. Nessas escolas as meninas eram educadas para se tornarem “boas moças”, e o ensino pautado em rígidos padrões morais tinham como objetivo a formação disciplinadora. Com a chegada das escolas confessionais protestantes esse quadro não mudou, posto que o modelo feminino era o mesmo, ressaltando o cuidado familiar e os padrões de conduta feminina.

Sobre essa chegada ao Brasil, Marcondes e Seehaber (2004, p. 18) destacam:

Em meados do Séc. XIX, com a intensificação das imigrações, um fato novo surge na história brasileira, o protestantismo. Os primeiros imigrantes instalam-se inicialmente no estado do Rio Grande do Sul e Santa Catarina trazendo consigo os princípios defendidos por Martim Lutero. Criam escolas evangélicas para propiciar alfabetização geral, no intuito de que seus filhos pudessem exercer adequadamente a fé e tivessem acesso às Escrituras. De acordo com sua cultura, o analfabetismo era empecilho ao aprendizado de sua doutrina. Também neste período, missionários norte-americanos instalaram-se no Oeste paulista fundando escola para os filhos dos imigrantes protestantes. Outras denominações evangélicas (metodista, presbiteriana, batista), também chegaram ao Brasil nesse período, instalando-se em outros Estados com o intuito de desenvolver a evangelização, criando igrejas e escolas para atender as necessidades locais.

No século XX o Brasil passou de um país essencialmente católico para um país que tolera diferentes práticas religiosas. Esse crescente movimento religioso trouxe em sua aba uma gama de diferentes denominações evangélicas, e uma parcela da população, desapontada com o catolicismo, adere com simpatia aos cultos evangélicos, entre outros. É importante denotar que no Brasil o termo evangélico é sinônimo de protestante, e serve para todas as diferentes denominações.

Segundo Marcondes (2005, p. 7), o protestantismo chegou aqui por duas formas distintas: protestantismo de imigração e protestantismo de missão. É preciso que se compreenda bem essa diferença para que se entenda o processo de escolarização evangélica no país.

Como dito acima, os protestantes que aqui chegaram consideravam imprescindível que se alfabetizasse a população para que conhecessem sua doutrina, a Bíblia, e para que os próprios filhos tivessem acesso a uma educação dentro dos padrões cristãos. Aqueles que aportaram no Rio Grande do Sul e Santa Catarina em 1824 trouxeram o Luteranismo na bagagem, e aqui se instalaram definitivamente. Preocupavam-se muito em manter as tradições e a fé, as crianças eram alfabetizadas por meio da Bíblia em sua língua original.

Ainda segundo Marcondes (2005, p. 9) os anglicanos chegaram ao Brasil vindo da América do Norte e aportaram no interior do Estado de São Paulo e na capital da província, na época o Rio de Janeiro. Semelhante aos luteranos, os anglicanos também se preocupavam em manter suas tradições, e em passar sua fé aos filhos. Construíram capelas e os menores eram educados dentro da tradição religiosa.

Assim se consolidou o protestantismo imigrante por meio de pessoas que desembarcaram no Brasil para reconstruírem suas vidas, mas que não quiseram romper com sua fé e seus costumes. Portanto, construíram escolas denominacionais para atender aos próprios filhos e propagar sua doutrina na comunidade.

O protestantismo missionário se constitui em propagar o evangelho àqueles que não pertencem à sua denominação ou fé. Os primeiros missionários protestantes chegaram ao Brasil também em meados do Século XIX, vindos de diversas vertentes: luteranas, anglicanas, presbiterianas, metodistas, batistas, entre outras.

Um país que havia firmado aliança com o Catolicismo através da Coroa Portuguesa se vê agora obrigado a abrir suas fronteiras para os missionários protestantes por razões econômicas e diplomáticas. O Brasil começa, então, a ver surgir uma grande quantidade de igrejas evangélicas em todos os estados.