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CAPÍTULO 2 – FEMINISMO E TEOLOGIA

2.2 Mulher cristã e o sexo

Como apontamos anteriormente, diferentemente do que é apregoado pelo senso comum, a Bíblia não condena o sexo e nem tampouco o prazer. Ao contrário, há um livro que compõe o cânon bíblico intitulado Cantares de Salomão ou Cântico dos Cânticos, o qual trata exclusivamente da relação íntima de um casal. Na Teologia, atribui-se sua autoria a Salomão, embora não haja consenso entre os historiadores se o livro foi realmente escrito por ele ou sobre ele.

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Originalmente significava “nações”, adquiriu, posteriormente, o sentido mais restrito de “não israelistas”. (Dicionário Bíblico Vida Nova, 2000, p. 144).

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Afirmo isso baseado na observação de discursos recorrentes nas mídias (internet, TV, etc.) a respeito da queda do homem ter-se dado em virtude da prática sexual. Em nenhuma passagem das Escrituras há fundamento para tal assertiva.

Para os seguidores do Criacionismo, ao formar o homem e a mulher, Deus também criou o sexo, pois sua ordenança foi de “crescer e multiplicar” (GÊNESIS 1.28). A advertência da Bíblia é sobre o sexo fora do casamento, pois no texto bíblico o sexo é uma “benção” para o casal que se compromete um com o outro e tem a intenção da procriação. Salientamos, nesta pesquisa, que os escritores e principalmente os tradutores da Bíblia sofreram influência externa da cultura e do meio no qual estavam inseridos. A compreensão teológica foi marcada tão profundamente por essas questões que às vezes se torna difícil discernir entre o que é bíblico e o que não é.

Muitas vezes no Ocidente recorremos à “tradição judaico-cristã” para se falar da ética cristã, mas segundo Zilles (2009, p. 338), “poucas vezes se atende criticamente ao fato de que já no Cristianismo primitivo a maneira de avaliar moralmente os comportamentos sexuais e a reflexão sobre a sexualidade tem pouca base bíblica”. Há uma influência cultural muito grande no tocante à sexualidade.

A biologia de Aristóteles cuja influencia vai até o século XIX e a de vários filósofos é muito acentuada: “Até certo ponto, a moral cristã da sexualidade parece decorrer mais de uma matriz pagã e menos de raízes genuinamente cristãs até o Concílio Vaticano II.” (ZILLES, 2009, p. 338).

Aristóteles influenciou tanto filósofos quanto teólogos com sua concepção de que o varão carrega o sêmen e, portanto, o descarte desse sêmen de maneira inconsequente seria um grande pecado. O sêmen deveria ser depositado na sementeira, pois já carregava em si o potencial de gerações, então para ser um ato eximido de culpa, o ato sexual deveria ter por finalidade a procriação. Este pensamento também reforça biologicamente a inferioridade da mulher, pois a mesma, até então, é apenas a “sementeira”, não tendo participação efetiva no ato da concepção.

Outro pensamento que também deixou seu influxo foi o neoplatonismo, que acentua o dualismo entre corpo e alma, considerando o corpo como prisão da alma, inimigo do espírito, revelando assim uma visão negativa do corpo, consequentemente da sexualidade. Esse modelo aconselha uma vida mais voltada para a contemplação, mais pura, se abstendo do sexo (ZILLES, 2009, p. 338).

O estoicismo greco-romano teve sua participação e para Zilles (2009, p. 338) a interferência da mesma perdura até os dias de hoje.

As paixões e o prazer são fontes perturbadoras da alma porque contrárias à razão. Por isso propõe como ideal de vida a recusa do prazer, a ausência das paixões e a orientação da sexualidade para a procriação. As paixões devem ser dominadas, pois

a perfeição moral consiste na sua ausência (apathèa). E isto se consegue através da imperturbabilidade (ataraxia), ou seja, dominando os sentimentos pela razão. Já a influência dualista do gnosticismo, relatado também no subitem sobre Ensino Religioso, deu-se por meio do pensamento de que há um deus do bem e um deus do mal. A carne e seus desejos são alimentos para o deus do mal e devem ser rejeitados, portanto, a continência sexual denota controle e deve ser buscada. Na mesma linha de pensamento encontramos o maniqueísmo, que também se apoia no conceito de luz e trevas, a matéria sendo fruto do mal, das trevas e a alma devendo se libertar desse mal, pois é luz. Esta também apregoa a necessidade de abstinência sexual (ZILLES, 2009).

O neoplatonismo e o estoicismo foram pilares para a elaboração da ética cristã, principalmente ao se tratar da sexualidade. O gnosticismo e o maniqueísmo foram rejeitados de forma contundente e taxados de heresia no plano dogmático, mas sua ação não se apagou do plano moral. Percebemos sua sombra quando a igreja católica instaura o sexo como sendo apenas para a procriação e institui a castidade como regra para os sacerdotes (ZILLES, 2009).

A fé bíblica compreende o sexo como algo criado por Deus, como um dom, ou seja, um presente dado por ele, mas exclui a sexualidade do conceito de Deus: “E isso é importante, do ponto de vista da história das religiões, pois não impede a fé de Israel de usar as relações do amor, o noivado e o casamento como figura para a relação de Deus com seu povo” (ZILLES, 2009, p. 339). Vemos então que apesar de toda a influência pagã, a Bíblia contém uma mensagem cristã, que valoriza e enaltece o sexo entre casados.

Em relação ao livro de Cantares, este tem apresentado um grande desafio para os estudiosos das Escrituras durante séculos, tanto para judeus quanto para cristãos. Em relação aos primeiros, pelo fato destes apresentarem uma forte tendência em tratar esse livro apenas como representação do amor entre Deus e seu povo (Israel).

Já entre os cristãos, apesar de muitos adotaram uma abordagem como essa, concordando que há uma simbologia entre o amor que Cristo tem por sua igreja e o casamento, não descartam que a interpretação mais coerente e natural de Cantares é que o mesmo traz uma perspectiva importante do plano de Deus para o casamento entre um homem e uma mulher.

O sexo não é visto na Bíblia como algo sujo que deve ser tolerado ou permitido no casamento; ele é uma relação especial, íntima, protegida e abençoada por Deus, e o prazer da mulher é aconselhado e até, de certa forma, ordenado no Novo Testamento, como ocorre em I Coríntios 7.3-4 quando Paulo apresenta conselhos acerca da vida íntima do casal. Ele assim

escreve: “o marido conceda à esposa o que lhe é devido (o prazer), semelhantemente, a esposa, ao seu marido”.

Alguns teólogos afirmam que o homem que não oferece prazer sexual à sua mulher não teria sequer as suas orações ouvidas por Deus, pois ao tratar sobre o relacionamento íntimo do casal, Pedro faz a seguinte advertência: “Igualmente vós maridos, coabitai10

com elas com entendimento, dando honra à mulher como vaso mais fraco; [...] para que não sejam impedidas vossas orações” (I Pedro 3:7). Assim, a Bíblia deixa explícita, por meio da Carta de Pedro, a necessidade do homem considerar o prazer da mulher na relação sexual.

Encerraremos este tópico com uma citação do Pontifício Conselho para a Família que traduz o que o Cristianismo acredita ser a sexualidade nos padrões bíblicos:

Quando o amor se realiza no matrimônio, o dom de si mesmo exprime, por intermédio do corpo, a complementaridade e a totalidade do dom; o amor conjugal torna-se então, força que enriquece e faz crescer as pessoas, ao mesmo tempo, contribui para alimentar a civilização do amor; quando, pelo contrário, falta o sentido e o significado do dom na sexualidade, acontece uma civilização das coisas e não das pessoas; uma civilização onde as pessoas se usam como se usam as coisas. No contexto da civilização do desfrutamento, a mulher pode tornar-se para o homem um objeto, os filhos, um obstáculo para os pais. (CONCILIO DO VATICANO II, 1966)

Diante do exposto, no próximo tópico discorro sobre mulher e casamento na Bíblia.