• Nenhum resultado encontrado

Breve Histórico do Financiamento e Orçamento das Políticas, Programas e Serviços de DST, AIDS no Brasil

É importante compreender o processo de construção dos mecanismos de fi nanciamento para as DST/AIDS no contexto tanto da implantação da resposta brasileira, com suas características próprias, como também do surgimento e implementação do Sistema Único de Saúde que é, de certa forma, fruto das próprias transformações sociopolíticas vividas pelo país nas últimas décadas.

Parker (2003) dividiu a história e a resposta social brasileira frente à epidemia de AIDS em períodos que vão desde o período inicial de negação da gravidade e necessidade de uma resposta de abrangência nacional no início da década de 80, passando para uma fase de mobilização e de formação dos primeiros programas governamentais estaduais e de organizações comunitárias específi cas na atuação de luta contra a AIDS, chegando ao fi m da década de 1990 com uma maior aproximação entre governo federal e sociedade civil.

Isso propiciou a construção coletiva de uma proposta que forneceu os subsídios para o delineamento do que se chama atualmente de “modelo brasileiro”. Nesses vinte anos, amparado não só pelo crescente investimento de recursos públicos, obteve-se fi nanciamento de recursos internacionais em grande volume, contribuindo para a construção e capilarização das ações de prevenção, diagnóstico, assistência e tratamento do HIV/AIDS e outras DST em todas as regiões do país.

Parker também destaca que isso foi possibilitado por uma conjuntura específi ca. A epidemia surgiu no Brasil no momento de transição política, de redemocratização: o fi m da ditadura e o retorno do regime democrático. Os ativistas e demais pessoas que foram envolvidas no processo de elaboração

dos princípios básicos, éticos e programáticos para uma resposta nacional ao HIV/AIDS eram fundamentalmente ligados aos movimentos em prol de uma sociedade democrática e da reforma na saúde pública, que culminou com a criação do Sistema Único de Saúde – SUS, a partir da nova Consti- tuição Federal de 1988.

O SUS possui uma estrutura hierarquizada e interdependente nos níveis federal, estadual e municipal. O fi nanciamento desse sistema ocorre por meio de fontes públicas, oriundas de diversos tributos e impostos federais e de recursos aplicados pelos governos estaduais e municipais originários de impostos locais. As ações de saúde, em todos os níveis de complexidade, são realizadas por uma rede de serviços públicos e privados conveniada ao sistema. Segundo a legislação vigente, a rede privada é complementar a esse sistema e tem como principal base de fi nanciamento os gastos individuais ou por meio dos planos de saúde. Apesar de também utilizar a rede pública de saúde, cerca de 20% da população possui planos privados de saúde.

Nos últimos anos, verifi ca-se mudança gradual da participação dos governos estaduais e municipais no fi nanciamento da saúde, como se ob- serva na tabela a seguir.

Tabela 1 – Percentual de receita da saúde por esfera de governo – Brasil, 2002-2006

ANO UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS

2002 53,11 21,64 25,25 2003 50,69 22,80 25,24 2004 51,14 23,62 25,24 2005 50,64 24,48 24,98 2006 46,70 26,12 27,18 Fonte: SIOPS/MS

Em relação à AIDS, a maior parte dos gastos realizados no Brasil é de recursos públicos, tanto do governo federal como dos governos estaduais e municipais. A tabela a seguir mostra os valores do orçamento federal, de 1998 a 2009, destinado ao Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, responsável pela condução do programa brasileiro de DST e AIDS. Os valores anuais do orçamento atendem às necessidades de gastos previstas, conforme a Tabela 2.

Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais

O Programa Nacional de DST/AIDS existe desde a década de 1990, mas foi inserido formalmente na estrutura do Ministério da Saúde a partir do Decreto nº 6.860/09, atualizado pelo Decreto nº 7.1351/10, passando a ser denominado como Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, integrante da Secretaria de Vigilância em Saúde.

Tabela 2 – Orçamento do Departamento de DST,

AIDS e Hepatites Virais no Ministério da Saúde – 1998 a 2009. Exercício Orçamento(*) 1998 271,21 1999 593,41 2000 713,10 2001 654,50 2002 802,45 2003 689,00 2004 880,28 2005 941,54 2006 1.305,36 2007 1.362,39 2008 1.340,75 2009 1.430,16

Fonte: SIAFI. Não estão incluídos os gastos com internações hospitalares,

consultas ambulatoriais e exames laboratoriais pagos pelo SUS. Valores correntes em R$ milhões.

Tabela 3 – Gasto anual do Ministério da Saúde com AIDS

Ano Procedimentos laboratoriais Procedimentos ambulatoriais Internações hospitalares Aquisição de ARV Política de incentivo Outros gastos TOTAL 2000 35.614 2.760 17.914 472.559 0 55.038 583.885 2001 41.997 1.394 19.108 582.633 0 62.108 707.239 2002 46.774 1.951 21.676 489.866 0 173.483 733.750 2003 42.526 3.486 23.730 602.052 49.085 116.393 837.272 2004 41.984 4.596 24.428 522.516 98.409 101.871 793.803 2005 45.170 4.571 24.405 608.038 121.400 144.973 948.557 2006 46.549 5.103 23.845 769.216 123.994 124.870 1.093.577 2007 49.346 6.918 25.746 637.992 146.925 102.260 969.185

Fonte: SIH/SUS - Sistema de Informações Hospitalares do SUS; SIA/SUS - Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS; SIAFI -

Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal. Em R$ milhões, valores correntes

NOTA: O Incentivo iniciou em 2003 (Portaria nº 2.313/GM).

Os dados da Tabela 3 mostram que, para atender à crescente demanda de recursos para o controle das DST e AIDS, foi sendo ampliado o compro- metimento do orçamento federal, quer seja para o fortalecimento da gestão

do Programa Nacional, como também para fi nanciar os gastos laboratoriais, ambulatoriais, hospitalares, aquisição de medicamentos e outros insumos estratégicos e apoio às ações descentralizadas realizadas pelos governos estaduais, municipais e pelas OSC.

Desde a constituição de uma instância federal para a coordenação do programa brasileiro, existiu a preocupação de estabelecer mecanismos de fi nanciamento das ações em HIV/AIDS e outras DST. Num primeiro momen- to evidenciou-se a necessidade não só de estruturar o Programa Nacional, mas também de implantar e posteriormente ampliar a rede de serviços. Ao longo do tempo, a questão da sustentabilidade das ações e a qualifi cação da gestão adquirem importância, uma vez que o processo de descentralização das políticas de saúde (conforme o processo de implementação do SUS) e do programa brasileiro de DST/AIDS foi se consolidando.

Em virtude desse cenário, verifi cou-se ao longo do tempo o estabe- lecimento de estratégias de fi nanciamento, conjugando recursos públicos e recursos internacionais oriundos de acordos de empréstimos. O Banco Mundial (BIRD) tornou-se, desde 1994, um dos principais parceiros do Pro- grama Nacional. Por meio dos acordos de empréstimos realizados desde esse período, foi possível implementar projetos fundamentais para a estruturação do Programa, contribuindo para sua formação, ampliação e capilarização em todos os níveis de gestão e com as organizações da sociedade civil, assim como em todas as regiões do país. O quadro a seguir faz um resumo desses fi nanciamentos, demonstrando a gradual redução da participação desses recursos internacionais no orçamento global do Ministério da Saúde.

Tabela 4 – Quadro resumo dos projetos fi nanciados pelo BIRD.

Projeto BIRD Nacional % ORÇ. Resultados

AIDS I 94-98 160 (64%) 90 (36 %) 68,5 % Consolidação do Programa Nacional AIDS II 99-03 165 (65%) 90 (35 %) 16% Ampliação da cobertura e qualifi cação dos

serviços AIDS III 04 -07 100 (50%) 100 (50%) 9% Sustentabilidade e descentralização do Programa AIDS SUS 10 - 14 67 (33,5%) 133 (66,5%) 6% Estruturação da governança nos três níveis de governo

Como se pode observar, o Projeto AIDS I, resultante do primeiro acordo de empréstimo, representou um valor de investimento de US$ 250 milhões, totalmente gastos até 30 de junho de1998.

Em dezembro do mesmo ano seria assinado um segundo acordo de empréstimo, cuja alocação dos recursos deu-se no ano seguinte, o Projeto AIDS II, com aporte de recursos no valor de US$ 255 milhões, sendo US$ 165 milhões de empréstimo e US$ 90 milhões de contrapartida nacional, oriundos das três esferas de governo, cujos gastos estavam previstos até 2003, quando se inicia a negociação de um terceiro acordo de empréstimo.

O Projeto AIDS III é efetivado em 2003, sendo que seu fi nanciamento total de US$ 200 milhões é compartilhado de forma igual entre o banco e o governo federal. Por fi m, após um período de cerca de três anos sem fi nanciamento internacional, o Brasil assina novo acordo de empréstimo, denominado AIDS SUS, e que até o fi nal de 2014 gastará US$ 200 mi- lhões, cabendo ao banco o fi nanciamento de 33% do valor total do projeto. Observa-se também na Tabela 4 a redução gradual da participação desses recursos no total do orçamento federal, sendo que o último acordo representa globalmente cerca de 6% do orçamento anual do atual Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Principalmente a partir da metade da década de 1990, foi aumentado a participação dos estados e municípios no fi nan- ciamento das ações de DST e AIDS.

Durante o Projeto AIDS II quase 180 Órgãos Gestores do Programa (OGP) vinham recebendo recursos do Projeto e comprometendo percentuais de recursos próprios na execução das ações. Esses OGP são as secretarias estaduais e municipais de saúde, sendo que os recursos eram repassados mediante a formalização de convênios.

No fi nal da década, estava evidente que essa estratégia de fi nancia- mento era insufi ciente para fazer frente às novas tendências da epidemia, uma vez que envolviam quase que exclusivamente as capitais dos estados e municípios de grande porte, cobrindo cerca de 70% dos casos de AIDS no país, enquanto a epidemia se alastrava com maior velocidade nos municí- pios pequenos, especialmente naqueles com menos de 50.000 habitantes. No período de 1980 a 2001 havia cerca de 3.381 municípios que registraram pelo menos um caso de AIDS, de um total de 203.089 casos notifi cados, abrangendo 143.408.191 habitantes (Mapa 1).

Essa tendência se confi rmou ao longo da última década, uma vez que em 2010, com mais de 613 mil casos notifi cados, o país possuía mais de 4 mil municípios com pelo menos um caso de AIDS notifi cado.

Mapa 1 –

Distribuição dos casos acumulados de AIDS no território nacional - Brasil 1980 a 200

Essa situação demonstrou a necessidade de defi nir um novo conjunto de municípios que deveriam receber incentivos para fi nanciamento das ações em HIV/AIDS e outras DST, a partir de uma outra abordagem epidemiológica que levasse em conta não apenas o número de casos de AIDS notifi cados, mas também a velocidade de crescimento da epidemia, o conjunto de ser- viços de saúde e a capacidade gestora das respectivas Secretarias de Saúde. Para esse fi m, a partir de 2000 foram realizados estudos que procuram fornecer subsídios para identifi car as regiões do país que apresentavam rele- vância epidemiológica (velocidade de crescimento da epidemia), a capacidade instalada (tamanho da rede de serviços e o nível de gestão de acordo com a Norma Operacional de Assistência à Saúde – NOAS vigente) e participação nas ações em DST/AIDS (valor médio anual de fi nanciamento realizado pelo governo federal a esses locais).

Esse conjunto de estudos forneceu os critérios necessários para que fosse apresentada uma relação inicial de mais de 400 municípios prioritários para o controle da epidemia. Para atender esses municípios, foi elaborada uma proposta de fi nanciamento, considerando a atual organização do siste- ma, a partir do estabelecido na NOAS 2000/2001, os mecanismos regulares de transferência de recursos existentes e os recursos fi nanceiros disponíveis no Ministério da Saúde.

Essa proposta foi discutida e aprovada entre os três níveis de gestão em 2002 e esse fi nanciamento, denominado de Política de Incentivo às Ações no Âmbito do Programa Nacional de HIV/AIDS e Outras DST, foi instituído pela Portaria Ministerial nº 2.313, de 19 de dezembro de 2002. A Política de Incen- tivo repassa anualmente R$ 111,3 milhões para o fortalecimento das ações nos campos da prevenção, diagnóstico, assistência, gestão e parcerias com OSC.

Somados os recursos adicionais atuais, para aquisição de fórmula láctea infantil para crianças expostas ao HIV (R$ 6,2 milhões) e para fortalecimento das casas de apoio de adultos vivendo com HIV/AIDS (R$ 12 milhões), esse incentivo totaliza R$ 129,5 milhões e são repassados para as 27 secretarias estaduais, 498 secretarias municipais de saúde (incluindo as capitais) e deze- nas de projetos executados por OSC. A programação das metas e dos recursos é feita em instrumento específi co (PAM) que permite o acompanhamento da execução física e fi nanceira através de um sistema de monitoramento (SIS-INCENTIVO). De acordo com os dados atuais, considerando esses muni- cípios qualifi cados no Incentivo, a cobertura populacional é superior a 62%, enquanto que a cobertura do total de casos de AIDS notifi cados é superior a 89%. Isso demonstra que os recursos estão concentrados em menos de 9% dos municípios brasileiros, mas que esses concentram mais da metade da população e a maioria dos casos de AIDS no país.

Atualmente, com a redefi nição das diretrizes e normas para as ações e fi nanciamento da vigilância em saúde, estabelecidas pela Portaria Ministerial

2

1

2

3

4

AVA

nº 3.252, de dezembro de 2009, o Incentivo passa a integrar o Piso Variável da Vigilância e Promoção da Saúde (PVVPS) do Bloco de Vigilância em Saúde. Dessa forma, de acordo com suas normas ele se mantém como importante mecanismo de fi nanciamento, uma vez que mesmo não representando a to- talidade dos recursos disponibilizados para o enfrentamento do HIV/AIDS e outras DST, induz o fortalecimento da resposta local, qualifi cando os processos de planejamento, programação, execução e monitoramento das ações.

Após a leitura do texto, você responderá a outras questões.

Como as políticas, serviços e atividades relativos às DST, AIDS e Hepatites Virais têm sido fi nanciados no Brasil? Responda de forma sintética.

Quem fi nancia as políticas, serviços e atividades relativos às DST, AIDS e Hepatites Virais que você gere? Em outras palavras, de onde vem o dinheiro? Do governo federal, estadual, municipal? De outras fontes?

Qual o volume de recursos que você recebeu neste ano para desenvolver es- sas políticas, serviços e atividades? Quanto foi destinado por cada nível de governo (federal, estadual, municipal) para ser gasto no nível de gestão que você exerce?

3

1

2

3

4

5

AVA

Ao terminar de responder às questões da Atividade 2, encaminhe para o seu tutor as respostas da Atividade 1 e 2 e passe à Atividade 3.

Agora, vamos discutir sobre os mecanismos de gestão fi nanceira e de imputabi- lidade, além do perfi l dos gastos com DST, AIDS e Hepatites Virais. Neste último caso, vamos procurar estabelecer comparações entre distintos níveis de gestão para facilitar a compreensão. Novamente, começaremos por refl etir sobre algumas questões.

Você tem conseguido gastar todos os recursos fi nanceiros que têm sido colo- cados à sua disposição para o desenvolvimento das políticas, serviços e ativi- dades relativos às DST, AIDS e Hepatites Virais? Ou você tem sido obrigado a devolver parte desses recursos, por não ter conseguido gastá-los?

No caso de ter devolvido recursos, o que lhe impediu de gastá-los?

Você conhece bem a legislação sobre a gestão e a aplicação de recursos fi - nanceiros na saúde?

Quais fontes de informação você tem usado para tomar decisões sobre o gasto? No caso das parcerias, como é realizado o repasse de recursos para as OSC e/ou ONG? Você tem tido difi culdades com a aplicação e fi scalização desses recursos?

Após responder a essas questões, encaminhe ao seu tutor. Leia os textos seguintes relativos ao Pacto de Gestão do SUS e o fi nanciamento das ações e serviços de saúde na biblioteca do curso.

Convidamos você a assistir a uma videoaula sobre: