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3. CUIABÁ COMO CENÁRIO DE ANÁLISE: HISTÓRIA, POLÍTICA E

3.1. Breve histórico de suas origens

A história de Cuiabá102 se confunde com a história de Mato Grosso, e vice-versa. Apesar de não ser a primeira capital, predominou econômica e politicamente em uma vasta região do país – atuais Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e parte de Rondônia103 –, reconfigurada territorialmente no século XX.

A criação de Cuiabá esteve atrelada à expansão do Império Português com o alargamento do Tratado de Tordesilhas, que dava à Espanha o domínio de praticamente toda a região oeste do Brasil. As expedições de bandeirantes no final do século XVII e início do XVIII redefiniram a geografia do país e dimensionaram novos espaços de ocupação.

De acordo com o Tratado de Tordesilhas (1494), o território de Mato Grosso pertencia originalmente aos espanhóis, os primeiros a enviar expedições de reconhecimento e a fundar vilas, principalmente na região sul. O desinteresse de colonização das áreas ao norte e o abandono de terras e pequenas vilas constituídas tornaram as expedições dos bandeirantes paulistas mais exitosas. A busca por índios para mão de obra onde não era desenvolvida a cana-de-açúcar fez com que adentrassem os sertões e alargassem as fronteiras matogrossenses.

Segundo Cunha Filho (2003) e Siqueira (2006), Manoel Campos Bicudo foi o primeiro bandeirante a chegar à região de Cuiabá, na confluência dos rios Cuiabá e Coxipó- Mirim, denominando o local de São Gonçalo – entre 1673 e 1682. O filho de Manoel Bicudo, Antônio Pires de Campos, seguido de Pascoal Moreira Cabral adentraram nas terras em busca de mais escravos índios. No entanto, se depararam com resistência e mortes, acarretando o refluxo das expedições ao arraial de São Gonçalo Velho – nome dado por Pires de Campos ao mesmo fundado pelo pai.

102 “Lembro ainda que o topônimo Cuiabá, além de ter evidência de origem tupi-guarani – cuya, cabaça que se

faz vasilhas para água e alimentos, de usos diversos, – também foi referenciado como sendo nome de um lote de gentio chamado Cuiabás. Outra fonte nos leva à palavra Ikuia-pá, com som semelhante, significando ‘lugar de pesca com flecha arpão’, remetendo à micro-territorialidade bororo, indicando relações milenares com o ambiente. Mas o que quero destacar é o que este som que permaneceu como nome da capital do estado de Mato Grosso, identifica uma memória que faz recompor o passado da ocupação imemorial: territorialidade ameríndia, sociedades que aí viveram construindo experiências em suas relações com natureza, criando culturas, jeitos de ser e de fazer” (PRESOTTI, 2004, p. 07, grifo do autor).

103 A parcela de terra referente ao sul de Rondônia foi desmembrada em 1943, em ocasião da criação do

Território Federal do Guaporé pelo governo de Getúlio Vargas. No entanto a divisão mais significativa, político, econômico e territorialmente foi entre o norte e sul de Mato Grosso em 1977.

107 Em 1719 encontraram nas terras próximas ao arraial ouro de aluvião, no encontro entre o ribeirão Mutuca e o rio Coxipó. Assim, a captura de escravos foi substituída pelo garimpo, mesmo sem instrumentos e técnicas adequadas. Por Pascoal Moreira Cabral foram “[...] descobertas as minas em território mato-grossense (1719)” (SIQUEIRA, 2002, p. 30). Nesse local nasceu um novo arraial, denominado Forquilha, sede atual do Distrito do Coxipó do Ouro. “Para organizar o primeiro arraial, cobrar os impostos em nome da Coroa portuguesa e estabelecer a justiça, os mineiros aclamaram como Guarda-mor, Pascoal Moreira Cabral, que, inicialmente, ficou a frente dos trabalhos administrativos e fiscais” (SIQUEIRA, 2002, p. 30).

Ainda em 1719 foi assinada a ata de fundação do arraial de Cuiabá, mesmo ainda não existindo. Foi uma solicitação do governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo Moreira César de Menezes, para registrar a descoberta das minas. Essa garantia gerou a organização administrativa da localidade para controle fiscal e político da Capitania de São Paulo104.

Outra jazida de ouro descoberta em 1721 mudou a configuração socioterritorial da região. Miguel Sutil, através de seus índios escravos, encontrou grande quantidade de ouro no córrego da Prainha no arraial de Cuiabá, o que provocou a migração intensa dos arraiais da Forquilha e de São Gonçalo Velho. Assim, se formou a primeira ocupação de Cuiabá, elevada à condição de Vila em 1727, com o nome de Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Esse fato aconteceu após a estada do Governador da Capitania de São Paulo em 1726, que visava estender o controle da Coroa nessa região.

Com o passar dos anos a exploração de ouro foi decaindo e a população começou a procurar novas minas em Goiás, ou simplesmente voltaram a São Paulo. As longas distâncias e o interesse de assegurar a expansão territorial levaram ao desmembramento da Capitania de São Paulo e criação, pela Coroa Portuguesa, da Capitania de Mato Grosso em 1748, sob o governo provisório de Gomes Freire de Andrade até 1751.

Para garantir a posse da terra e colonização, a Coroa orientou o então governador de Mato Grosso, Dom Antônio Rolim de Moura, a estabelecer a capital da Capitania nas proximidades do rio Guaporé, avizinhando-se com o Vice-reino do Peru – pertencente à Espanha – e expandindo geograficamente a fronteira até os limites conhecidos. “A movimentação da fronteira humana terminou por fixar limites geográficos, pois a ocupação desses territórios deu garantia de posse a Portugal. Como resultado, as fronteiras portuguesa e

104 O território a oeste, no qual adentraram as bandeiras nos séculos XVII e XVIII, pertencia administrativamente

108 espanhola terminaram por se aproximar na região do rio Guaporé [...]” (SIQUEIRA, 2002, p. 40).

Dessa maneira, foi criada Vila Bela da Santíssima Trindade em 1752, capital até 1824, quando Cuiabá, elevada a cidade em 1818, passou a ser sede da Província de Mato Grosso105. Cuiabá se tornou, de forma definitiva, a única capital da Província, a partir do fim da administração dual, que ocorreu desde 1822 com junta governativa em Vila Bela.

Essa administração em duas localidades foi provocada pelo processo de independência do Brasil, e as tensões entre os primeiros partidos políticos, Liberal e Caramuru. O primeiro, defensor da desvinculação político-administrativa com a metrópole portuguesa; o outro, conservador, desejava a volta do Brasil à condição de Colônia. Os liberais concentrados em Cuiabá governavam paralelamente à junta Caramuru de Vila Bela, que cedeu somente em 1824 com as pressões do governo central e das elites econômicas da região cuiabana.

Essa condição não resultou em consenso político, pelo contrário, deu origem à Rusga (1834), um movimento armado de luta pelo poder provincial, que opunha a Sociedade dos Zelosos da Independência – liberais moderados e radicais – e a Sociedade Filantrópica – caramurus –, a qual mantinha ligação política com o Presidente da Província. Com o ensejo da revolta um liberal moderado, João Poupino Caldas, chega ao poder. Contudo a ala radical da Sociedade dos Zelosos da Independência não se satisfez e deflagrou uma série de ataques àqueles considerados pertencentes às antigas elites locais, além de portugueses e descendentes, e estrangeiros. A revolta deflagrada em Cuiabá resultou na intervenção da Regência106, com a repressão do movimento e prisão de seus líderes (SIQUEIRA, 2002; CUNHA FILHO, 2003).

Com a Guerra do Paraguai, Mato Grosso se encontrou vulnerável e foi invadido pelo sul. “Em 06 de janeiro de 1865, chega a Cuiabá, no vapor Corumbá, o Tenente-Coronel Hermenegildo Porto Carneiro, portador da notícia da invasão paraguaia” (CUNHA FILHO, 2003, p. 77). Mesmo com esse episódio, a capital não chegou a se envolver diretamente nas batalhas, mas teve suas rotas fluviais comprometidas pela contenda. A partir 1870, com o fim da guerra, Cuiabá tem um impulso econômico com a instalação de usinas de açúcar e o

105 Em 1824, o Imperador Dom Pedro I mudou a denominação Capitanias para Províncias, cabendo a ele a

nomeação de seus Presidentes.

106 As Regências foram governos imperiais após Dom Pedro I assumir o trono em Portugal em 1831, deixando

seu filho como herdeiro direto no Brasil (Dom Pedro II). Até alcançar idade suficiente para governar foram nomeados Regentes por nove anos para garantir a governabilidade do Império. Nesse período eclodiram movimentos como a Cabanagem no Pará (1835), a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul (1835), a Sabinada na Bahia (1837) e a Balaiada no Maranhão (1838).

109 extrativismo, que geraram um quadro econômico e político para Mato Grosso de pouca longevidade.

O declínio das atividades açucareiras e extrativistas no final do século XIX e início do XX provocaram uma estagnação econômica, que foi superada após a “Revolução de 1930” com a política de integração nacional do Governo Vargas: a Marcha para Oeste. A interiorização do capitalismo nascente iniciou um processo de urbanização em Cuiabá, que passou a ter integração com Goiás e São Paulo por meio de abertura de rodovias e aeroportos. A explosão de urbanização e ocupação de Cuiabá se deu a partir da década de 1960, influenciada pela instalação de Brasília e pela política de colonização dirigida dos governos militares, transformando a cidade no Portal da Amazônia. Investimentos em infraestrutura como ligações rodoviárias, energia elétrica e habitação deram uma nova dinâmica ao processo de industrialização da capital, que passou a receber intenso fluxo migratório.

As antigas disputas políticas no vasto território, entre liberais e conservadores, divisionistas e centralizadores desembocaram em episódios tensos e, às vezes, violentos107, culminando na divisão108 de Mato Grosso em 1977. Com isso foi iniciado um novo momento histórico para Cuiabá, que experimentou uma acelerada e desordenada urbanização, mantendo as bases conservadoras da política, predominantes desde sua criação.

3.2. Cuiabá e a política contemporânea