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4 A PRESENÇA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA ANÁLISE DE CASOS DE

4.1 BREVE RESUMO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL

O delito denominado de estupro de vulnerável encontra-se no artigo 217-A do Código Penal brasileiro, que dispõe que o crime (elemento objetivo) caracteriza-se quando há conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos ou ainda por “quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.”268

A Lei n° 12.015, de 7 de agosto de 2009, trouxe várias alterações ao Código Penal no que concerne aos crimes sexuais, como, por exemplo, ao agente do crime que passou a ser não somente os homens, mas também mulheres como possíveis sujeitos ativos do crime. Além disso, no polo passivo, onde só se admitia mulheres, atualmente, admite-se homens.269

Outra inovação importantíssima foi a inclusão do estupro de vulnerável na lei penal. Antes havia o crime de estupro disposto no artigo 213 do Código Penal e a presunção de violência tratada no artigo 224 do mesmo texto legal. Nele, ficava estabelecido que a violência era presumida quando a vítima era menor de 14 (catorze) anos, deficiente mental ou quem não pudesse oferecer resistência. O objetivo do dispositivo era simplesmente demonstrar que tais vítimas não possuíam consentimento válido para praticar qualquer tipo de relação sexual.270

Posteriormente, a violência presumida do artigo 224 foi extinta no Código Penal pela Lei 12.015/09, uma vez que se tornou difícil aceitar a presunção contra os interesses do réu que até sentença condenatória definitiva é inocente. Assim, houve a substituição da presunção de violência pela figura da vulnerabilidade e criou-se um

268Artigo 217-A, §1°,do Código Penal:“Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor

de 14 (catorze) anos: §1° Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.” (BRASIL. Código de Processo Penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.)

269NUCCI, Guilherme de Souza. Direito Penal Comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,

2014.

270NUCCI, Guilherme de Souza. Direito Penal Comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,

tipo penal absolutamente novo disposto no artigo 217-A do Código Penal.271

Todavia, apesar da mudança no texto legal, há quem defenda que o termo vulnerabilidade é apenas uma nova roupagem para a discussão doutrinária e jurisprudencial que já havia sobre a presunção de violência. Atualmente entende-se que há uma vulnerabilidade absoluta e outra relativa. A vulnerabilidade absoluta é quando não comporta prova em sentido contrário, ou seja, manter relação sexual com menor de 14 (catorze) anos sempre pressupõe-se violência. Já a relativa comporta prova em sentido contrário, então em cada situação envolvendo menores de 14 (catorze) anos, mas maiores de 12 (doze) anos, seria analisado se no momento do ato o menor possuía perfeita noção do que significava a relação sexual.272

Logo, percebe-se que legislador, na área penal, manteve-se conservador quando criou o tipo penal do estupro de vulnerável. Parte da doutrina entende que perdeu-se a oportunidade de equiparar os conceitos com o Estatuto da Criança e do Adolescente, onde criança é pessoa menor de 12 (doze) anos e adolescente quem é maior de 12 (doze) anos. Consequentemente, a tutela do direito penal no campo dos crimes sexuais seria absoluta quando se tratasse de criança menor de 12 (doze) anos, isto é, provocando o surgimento da tipificação do artigo 217-A do Código Penal, e relativa quando cuidar do adolescente maior de 12 (doze) anos.273

Da mesma maneira seria tratado o grau de enfermidade ou deficiência mental. Considerando um discernimento mínimo, sinalizaria uma vulnerabilidade relativa, anulando o tipo estabelecido no artigo 217-A da lei penal. Já a completa incapacidade tornará a vulnerabilidade absoluta.274

Neste sentido275:

Entretanto, entendemos que à constatação da vulnerabilidade não bastam a mera comprovação da idade cronológica ou diagnóstico de doença mental. Caso contrário, ficaríamos atrelados a uma interpretação puramente literal da lei. É preciso proceder a uma interpretação sistemática, em homenagem ao

271NUCCI, Guilherme de Souza. Direito Penal Comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,

2014.

272NUCCI, Guilherme de Souza. Direito Penal Comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,

2014.

273NUCCI, Guilherme de Souza. Direito Penal Comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,

2014.

274NUCCI, Guilherme de Souza. Direito Penal Comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,

2014.

275BRODT, Luís Augusto Sanzo. Dos crimes Contra a Dignidade Sexual: A Nova Maquiagem da

princípio constitucional penal da culpabilidade (art. 5.o, LVII, da CF). A exigência da responsabilidade penal subjetiva, requisito imprescindível à observância do princípio da culpabilidade entendido lato sensu, afasta, na hipótese, o emprego manifesto da presunção jure et de jure. Assim, ainda que se pratique conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso de gravidade equivalente com pessoa menor de 14 anos ou doente mental, é possível que não reste caracterizado o crime do art. 217-A.

Ademais, o elemento subjetivo do crime de estupro de vulnerável é o dolo específico, o que exige necessariamente a finalidade libidinosa, com o objetivo de satisfazer o apetite sexual. Por este motivo, o agente ativo deve ter plena consciência sobre faixa etária da vítima. Embora o legislador tenha atribuído caráter de vulnerabilidade absoluta, na prática não há como deixar de considerar erro de tipo, afastando o elemento subjetivo e tornando conduta atípica.276

Nesta ótica, Nucci277 alerta:

O autor do crime precisa ter ciência de que a relação sexual se dá com pessoa em qualquer das situações descritas no art. 217-A. Se tal não se der ocorre erro de tipo, afastando-se o dolo e não mais sendo possível a punição, visto inexistir a forma culposa.

Diante do exposto, nota-se que a consumação do crime de estupro de vulnerável ocorre com a prática imediata de qualquer ato libidinoso, ainda que seja antecedente à conjunção carnal. Além disso, o crime de estupro de vulnerável é crime hediondo, nos termos do artigo 1, VI, da Lei n°8.072/90.278