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4 A PRESENÇA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA ANÁLISE DE CASOS DE

4.3 TÉCNICAS DE INTERROGATÓRIO

4.3.1 Entrevista Cognitiva

A técnica da entrevista cognitiva foi estruturada em 1854 por Edward Geiselman e Ronald Fisher, sendo este procedimento revisado em 1992 a pedidos da polícia e operadores do direito nos Estados Unidos da América, com o objetivo de aumentar a precisão e quantidade de informações obtidos nos depoimentos de vítimas e testemunhas.298

O principal objetivo da entrevista cognitiva é obter dados qualitativos e quantitativos superiores aos interrogatórios tradicionais. A entrevista cognitiva consiste em procedimento composto por quatro técnicas gerais, aliado a estratégias complementares para recordar detalhes específicos.299

Posteriormente à revisão, a entrevista cognitiva passou a ter cinco etapas: a construção de um rapport, a narrativa livre, a recriação do contexto original, os questionamentos e o fechamento da entrevista.300

A primeira etapa é a construção do rapport. Os objetivos principais desta fase são: personalizar a entrevista; criação de uma atmosfera acolhedora para que a vítima se sinta à vontade para falar do evento emocionalmente negativo; discussão de eventos neutros; explicar os objetivos da entrevista; e transferir o controle da entrevista para o entrevistado, como demonstração de empatia pela vítima, visto que ela pode ter vivenciado uma situação dolorosa e ainda terá que relatá-la para uma pessoa estranha que é o entrevistador.301

É indicado que o entrevistador comece o rapport agradecendo ao entrevistado, demonstrando a importância dele. Ademais, o entrevistador deverá começar a entrevista com questionamentos que não possuam relação direta com o ocorrido.302

Esta fase servirá para que o entrevistador tenha conhecimento do nível cognitivo e da linguagem do entrevistado, permitindo que a entrevista se ajuste a sua

298DI GESU, Cristina. Prova Penal e Falsas Memórias. 3. ed. Porto Alegre: Editora Livraria do

Advogado, 2019.

299DI GESU, Cristina. Prova Penal e Falsas Memórias. 3. ed. Porto Alegre: Editora Livraria do

Advogado, 2019.

300STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

Jurídicas. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.

301STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

Jurídicas. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.

302STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

linguagem.303

O rapport deve durar o tempo necessário para que o adulto ou criança se sinta confortável e tranquilo para dialogar com o entrevistador. Alguns estudos sobre a Psicologia Social mostram que o entrevistador desempenha um papel de autoridade perante o entrevistado, principalmente com crianças, por confundir autoridade com onisciência. Este fato é conhecido como status do entrevistador, no qual a vítima pode acreditar que o entrevistador já sabe o que se passou, o que tornaria se depoimento sem relevância.304

Daí a importância de esclarecer no início da entrevista que o entrevistador não sabe o que aconteceu pois não presenciou o fato, estimulando a vítima ou testemunha a atuar ativamente durante a entrevista, ou seja, transfere o controle para o entrevistado. O entrevistador não é protagonista, mas sim um facilitador, escutando o que o entrevistado tem a dizer.305

Outro ponto importante é que o entrevistador deverá explicar ao entrevistado que ele se sinta à vontade para dizer que não sabe a resposta ou que não se lembra de algum detalhe ou que não entendeu o questionamento feito ou, ainda, que algo falado não está de acordo como seu relato. Isto influenciará o entrevistado a ter um papel ativo.306

A segunda etapa é a recriação do contexto original, fase “mais poderosa para maximizar a quantidade de informações prestadas pela vítima/testemunha, consistindo na utilização da estratégia da recriação do contexto original.”307

As informações armazenadas na memória ficam associadas ao contexto no qual foram apreendidas. O acesso a este contexto funciona como um caminho para recuperar a memória arquivada. Logo, a recriação do contexto do fato auxilia que o entrevistado obtenha o maior número de informações corretas possíveis sobre o fato que presenciou.308

303STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

Jurídicas. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.

304STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

Jurídicas. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.

305STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

Jurídicas. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.

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Jurídicas. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.

307DI GESU, Cristina. Prova Penal e Falsas Memórias. 3. ed. Porto Alegre: Editora Livraria do

Advogado, 2019.

Esta fase funciona como uma instigação metal, que leva o entrevistado de volta na situação, devendo recriar o contexto do fato usando todos os seus sentidos, sendo eles visual, auditivo, tátil e olfativo. Quantos mais explorados os sentidos, maior será as chances de se obter pistas significativas.309

A terceira etapa consiste na narração livre do ocorrido, isto é, o entrevistado é convidado a relatar tudo que conseguir se lembrar sobre o evento. Na narrativa livre, o entrevistado tem liberdade de narrar, da forma que achar melhor, as informações que recordar, sem que haja interrupções. As perguntas devem ficar para o momento posterior.310

Além disso, o entrevistador deve manter uma postura de interesse, escuta e atenção sobre o que está sendo relatado pelo entrevistado, anotando os pontos que entender importantes para após fazer questionamentos, se necessário.311

Na quarta etapa o entrevistador fará os questionamentos que entenda pertinentes e que não tenham sido esclarecidos na etapa anterior. O intuito dos questionamentos é conseguir informações adicionais, recordando sempre de agradecer a vítima/testemunha pelas informações já relatadas, assim como pelo esforço despendido.312

Também o entrevistador deverá formular questões compatíveis com a cognição da testemunha, baseando-se no princípio de que a testemunha detém uma representação mental única do evento. Assim, os questionamentos devem ser formulados de acordo com aquilo que a vítima/testemunha relatou.313

A etapa dos questionamentos será bem-sucedida se as perguntas forem abertas, uma vez que dessa forma há um favorecimento da recuperação da lembrança e uma maior quantidade de informações. Além disso, as perguntas devem iniciar amplas e progressivamente abordando detalhes mais específicos.314

Jurídicas. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.

309STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

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310STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

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311STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

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314STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

O entrevistador terá que atentar também para os fatores de contaminação da memória, como por exemplo a repetição de perguntas na entrevista, não passando uma impressão de que não confiou nas informações fornecidas pelo entrevistado.315

Por fim, ressalta-se para as técnicas de descoberta de informações adicionais da memória estão atreladas a ordem reversa, ou seja, relato de trás para frente, e à mudança de perspectiva, descrição do fato como se fosse outra pessoa, deve-se ter muita cautela com tais métodos.316

A última etapa é chamada de fechamento. Consiste no encerramento da entrevista, porém antes recomenda-se fazer uma síntese, onde o entrevistador resume para o entrevistado as informações por ele ditas, alertando que poderá interromper caso identifique qualquer distorção no resumo fornecido ou se lembrar de algo mais do evento.317

Nesta última etapa, devem ser abordados dois aspectos: o primeiro é que o entrevistador deve deixar aberto um canal de comunicação com o entrevistado, se eventualmente a vítima recorda de mais detalhes do evento que não foram relatadas na entrevista; o segundo é formar um ambiente positivo, isto é, o entrevistador demonstrará interesse pelo bem-estar do entrevistado, retornando com assuntos neutros assim como no início da entrevista.318

A entrevista cognitiva, portanto, proporciona ao processo informações mais confiáveis sobre como o evento aconteceu e quem participou, reduzindo os riscos da criação de falsas memórias. Dentre as vantagens dessa técnica estão a aquisição de dados mais ricos, havendo diminuição dos riscos de indução da resposta pelo entrevistador e, consequentemente, produzindo uma prova oral de mais qualidade.319

No entanto, há inconvenientes como o custo temporal e a complexidade de todo o procedimento, pois esta técnica demanda maior tempo do que o comum e necessita de treinamento dos entrevistadores. Além disso, a maior qualidade da

315STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

Jurídicas. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.

316STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

Jurídicas. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.

317STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

Jurídicas. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.

318STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

Jurídicas. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.

319STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e

aplicação da técnica está relacionado com um alto custo.320

Apesar disso, acredita-se que os benefícios são muitos maiores, visto que a prova oral é um dos principais, se não o principal, meio utilizado no processo penal brasileiro. Na relação custo/benefício, a entrevista cognitiva apresenta bons resultados, reduzindo o risco de um depoimento com falsas informações e, por consequência, custar a liberdade de alguma pessoa.321