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Breve revisitação dos postulados da Linguística Textual

No documento ntar Ano VII, Número 25, Junho (páginas 45-48)

Há várias abordagens teóricas em torno da definição dos conceitos discurso e texto. Entretanto, subscrevendo Lopes e Carapinha (2013: 11/12), o termo ‘discurso’ corresponde a uma entidade linguística empírica, directamente observável, inserida no seu contexto de ocorrência, com todos os traços inerentes a essa inserção, enquanto o ‘texto’ corresponde apenas ao material linguístico destituído de todos os traços inerentes à sua contextualização, no fundo, a uma entidade estritamente verbal, abstraída pelo investigador – com intuitos analíticos – a partir de um evento comunicativo concreto. Assim, “o texto pode ser definido como o produto em si, oral ou escrito e monológico, de um discurso autónomo, coerente, coeso e completo, sendo o discurso tudo o que, num determinado contexto, se diz ou escreve para agir, isto é, para produzir um efeito sobre alguém”. (Moura, 2009: 254)

Nesse sentido, o discurso é resultado da soma entre o texto e as condições de produção, quer do plano da produção, quer do plano da interpretação, enquanto o texto seria uma produção verbal não contextualizada, ou seja, independente das suas condições de produção. Em função disso, consideram-se dois objectos diferentes para duas subáreas: a Linguística Textual, que trabalha o texto, conjunto de frases, portanto unidade transfrásica e independente do uso; a Análise do Discurso trabalha o discurso, conjunto de enunciados, portanto, entidade contextualizada.

Sem querer pautar por um rigor na distinção dos conceitos, adoptamos uma visão integradora dos dois termos, concebendo as expressões ‘texto’ e ‘discurso’ como sinónimos (Fonseca, 1992: 105) e considerando sob essa designação qualquer segmento linguístico de extensão variável,

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dotado de unidade semântica e relevância pragmática, produzido intencionalmente por um locutor, numa situação enunciativa concreta, e visando obter um efeito comunicativo sobre um determinado interlocutor (Lopes e Carapinha, 2013: 12), inscrevendo-se, deste modo, a indissociabilidade entre a “materialidade linguística” (Mateus et al., 1989: 134) e a análise da sua componente pragmática, isto é, do seu funcionamento comunicativo em contexto. Dito de outra maneira, os conceitos de texto e discurso incluem em qualquer definição o produto verbal (o texto, seja produzido na oralidade ou na escrita); o que permite distinguir os conceitos que decorre do posicionamento teórico-metodológico do investigador. Caso esteja interessado apenas no produto verbal, nas ocorrências lexicais, nas estruturas frásicas, na ordenação e articulação dos conteúdos, nos tipos de sequências que nele são atestadas, então assume o ponto de vista tradicionalmente privilegiado pela Linguística Textual (perspectiva de estudo seguida por Jean- Michel Adam). Caso pretenda analisar os textos em articulação com os contextos situacionais em que eles emergem (área de actividade socioprofissional, papéis sociais dos interlocutores, objectivos ilocutórios, etc.), então assume a perspectiva geralmente associada à Análise do Discurso (como tem sido a perspectiva de Dominique Maingueneau).

Assim, a Linguística Textual configura-se como um ramo da linguística contemporânea que começou a desenvolver-se na década de 60, em especial na Alemanha e na Holanda, quando a frase deixou de ser considerada como unidade máxima de análise linguística e passou-se a considerar o texto como uma unidade global no processo comunicativo. As origens da Linguística Textual podem ser encontradas na retórica tradicional em que o texto era considerado como unidade construída segundo regras que ordenam as suas partes funcionais.

A presente subárea linguística compreende diversos contributos teóricos que, embora controversos e heterogéneos, convergem na definição do texto como unidade linguística básica, empiricamente existente e discursivamente realizada (Lopes, 1984:93), uma vez que a intercomunicação se realiza através de textos e não de frases isoladas ou justapostas, ou seja, o estudo da linguagem ultrapassa os limites da frase e concebe a linguagem como interacção. Assim, justifica-se a necessidade de descrever e explicar os usos da língua em contexto, considerando aspectos de natureza sintáctico-semântica e pragmático-semântica, tais como “co- referência, casos de pronominalização, selecção e função de artigos, compatibilização de tempos verbais, pressuposições, relações entre tema e rema, etc.” (Lopes, 1984: 92). Para esta autora, a constituição da Linguística Textual pode ser definida em dois momentos distintos.

No primeiro momento, observou-se o predomínio da análise transfrásica cuja preocupação foi a descrição dos fenómenos sintáctico-semânticos, ou seja, o estudo das relações ocorrentes

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entre enunciados e sequências de enunciados. A análise transfrásica não considerava o texto como objecto de análise, os estudos partiam da frase para o texto.

No segundo momento, a legitimação da Linguística Textual baseou-se na análise da produção e compreensão de textos à luz da competência textual. Foi neste momento em que surgiu a gramática de texto, com a finalidade de preencher lacunas da gramática estrutural e gerativa, cuja referência central é a competência textual, (transcendendo, assim, a competência estritamente linguística definida por Chomsky), que visa uma efectiva aproximação aos fenómenos comunicativos situacionais.

Com efeito, a Linguística Textual procura, na análise do discurso, teorizar e descrever os encadeamentos de enunciados elementares (descreve os parâmetros de textualidade, detalha as interdependências que conferem um efeito de unidade textual) no âmbito da unidade de grande complexidade que constitui um texto (Adam, 2011: 63).

De acordo com Beaugrande e Dressler (1981) citados por Duarte (2003:115), existem sete factores que fazem com que um texto seja considerado como tal, e não como um amontoado de palavras ou frases, podendo ser sintetizados em dois blocos: (a) factores semânticos/formais: coesão (conectividade sequencial) e coerência (conectividade sequencial); (b) factores pragmáticos: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade.

Relativamente aos mecanismos de coesão, Halliday e Hassan (1976) definem coesão como um conceito semântico referente às relações de significados que existem dentro de um texto. Os autores dividem os mecanismos de coesão em cinco categorias, das quais quatro ocorrem ao nível gramatical (coesão gramatical) e uma ao nível lexical (coesão lexical), a saber: (i) referência, respeitante aos itens da língua que não podem ser interpretados por si mesmos, mas remetem a outros elementos do discurso necessários à sua interpretação. A referência pode ser exofórica (fora do texto) e endofórica (no próprio texto). Ainda, se o referente precede o item coesivo tem-se a anáfora, mas se ocorre após, a catáfora. A referência pode ser efectuada por meio de recursos de ordem gramatical, podendo ser através de pronomes; (ii) substituição, colocação de um item lexical no lugar do outro, ocorrendo sempre uma redefinição, podendo ser nominal, verbal ou frásica; (iii) elipse, permite a omissão de um item lexical recuperável pelo contexto, também pode ser nominal, verbal ou frásico; (iv) conjunção, que estabelece relações específicas entre os elementos ou orações do texto, sendo os principais tipos aditivos, adversativos, causais, temporais; por fim, (v) coesão lexical, que se processa por meio de

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reiteração (repetição de um mesmo item lexical, ou sinónimos, hiperónimos ou nomes genéricos) e colocação (utilização de termos pertencentes ao mesmo campo semântico).

Contudo, para a aceitabilidade de um texto é necessário, mais do que a relação semântica dos componentes textuais, um certo grau de coerência que, por sua vez, depende de factores de natureza formal, semântica e pragmática, identificados pelo interlocutor, que activa seu conhecimento prévio, interagindo com o locutor, construindo, assim, o sentido global de um texto. Deste modo, conforme Halliday e Hassan, um texto é resultado de um discurso coerente, por um lado, em relação ao contexto de enunciação e, por outro lado, é coerente em relação a ele mesmo (coesão).

Após essa breve explanação do percurso da Linguística Textual, faremos a seguir a análise do conto “O cesto” de Mia Couto.

No documento ntar Ano VII, Número 25, Junho (páginas 45-48)