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Breves apontamentos sobre a Questão Agrária brasileira

1. DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE BRINCA

1.1. Breves apontamentos sobre a Questão Agrária brasileira

O estudo da questão agrária de maneira geral preocupa-se em explicar como as sociedades ao longo da história organizaram o uso, a posse e a propriedade da terra e como as sociedades organizam a sua produção agrícola. No entanto, quando falamos em questão agrária no Brasil, é mais comum o tema ser vinculado ao problema ou conflito agrário, à concentração da propriedade privada, à concentração de terras ou à luta dos trabalhadores rurais sem-terra pela reforma agrária.

Essas acepções mais correntes do que seria a questão agrária são explicadas pela colonização brasileira marcada historicamente pela apropriação privada da propriedade da terra, sob domínio de poucos latifundiários portugueses, para uso de exploração das produções nativas e produção de

commodites para abastecimento do mercado externo. O processo histórico brasileiro é marcado pela

violência, extermínio e escravidão das populações originárias, assim como da escravização das populações negras africanas com a fundação de uma pioneira “empresa agrícola capitalista” no país.

O capitalismo no Brasil se desenvolve a partir do campo e dessa base fundiária de concentração de terras e das relações sociais escravistas, com sua produção agrícola voltada a atender os interesses externos. De modo mais amplo, os conflitos agrários e a luta dos trabalhadores sem terras no Brasil têm origem nesse processo histórico.

Na história brasileira há uma continuidade da concentração de terras somada à expulsão dos trabalhadores do campo. As transformações produtivas no campo brasileiro geraram modificações nas relações sociais e de produção na agricultura. Concomitantemente à transformação das relações de trabalho no campo, a partir do fim da escravidão e da constituição da mão de obra assalariada, se deu o avanço de uma lógica fabril na produção agrícola, com a utilização de maquinarias e novos modos de produção no campo, que necessitam cada vez menos da mão-de-obra camponesa. Isso também

acarretou no avanço das fronteiras agrícolas tradicionais (expulsando camponeses que ainda mantinham produções de subsistência em relações não somente econômicas) e aumentando a concentração fundiária e os grandes latifúndios característicos da agricultura brasileira.

Com o advento da indústria no Brasil, há uma modificação do papel da agricultura. Ela representava o centro de reprodução do capital no capitalismo brasileiro e passa a ser vista como fornecedora de matérias-primas para as indústrias nascentes e supridoras de alimentos para as cidades em expansão (IANNI, 1979). As duas grandes guerras e o advento de uma nova “revolução” tecnológica modificam as forças produtivas no campo e resultam na chamada Revolução Verde, na década de 1960/70 que pode ser resumida em: mais máquinas e mais insumos químicos. As forças produtivas se modificam para necessitar cada vez menos dos trabalhadores. Aqueles que ainda viviam do trabalho assalariado no campo, deveriam se formar e se especializar para realizar trabalhos específicos e precários para essa agroindústria nascente.

A partir da década de 1980, o capitalismo mundial

ingressou numa nova fase de seu desenvolvimento, sendo agora hegemonizado pelo capital financeiro e pelas empresas privadas transnacionais, oligopolizadas, que controlam o mercado mundial das principais mercadorias. Isso significa que o processo de produção de riquezas continua sendo realizado pelo trabalho na esfera da indústria, agricultura e do comércio.

(...)

3. Essa forma dominante do capital em todo o mundo trouxe mudanças estruturais também na forma de dominar a produção das mercadorias agrícolas. Surgiu uma aliança de classe, entre a burguesia das empresas transnacionais, os banqueiros (o capital financeiro), a burguesia proprietária das empresas de comunicação de massa e os grandes proprietários de terra para controlarem a produção e a circulação das commodities (mercadorias agrícolas padronizadas). 4. Na organização da produção das mercadorias impuseram a racionalidade do capital através da produção em escalas em áreas continuas e do monocultivo, com o objetivo de obter produtividade máxima do trabalho e maior rentabilidade econômica. Para isso, substituem a força de trabalho pela mecanização intensiva. E se utilizam de volumes cada vez maiores de fertilizantes químicos industriais e de agrotóxicos.

5. As empresas transnacionais que controlam a produção de agrotóxicos passaram a controlar a oferta de sementes, tanto as híbridas como as geneticamente modificadas em laboratórios. Estas sementes conhecidas como transgênicas são portadoras de genes que tornam as plantas mais suscetíveis a doenças e pragas exigindo o uso obrigatório, e mais intensivo, de agrotóxicos. Essas sementes transgênicas são patenteadas como propriedade privada permitindo legalmente que se cobre ‘direitos de uso ‘pelos agricultores: os royalties.

(...)

8. Esse modelo de produção agrícola foi massivamente adotado pelas empresas capitalistas no campo e passou a denominar-se como o modelo do agronegócio. Tornar a agricultura como um negócio para acumulação de riqueza e de renda sob o controle do grande capital. (MST, 2014, p. 7-8)

ciclo de aprofundamento do avanço do capital na agricultura, culminando na legitimação do Agronegócio como modelo e lógica de desenvolvimento do capitalismo na agricultura. Caldart (2013) coloca que é uma mudança de espaço da reprodução do capital para o campo novamente, a partir da transferência da lógica fabril para o campo, ou seja, a possibilidade de controle do processo produtivo na agricultura e controle da natureza para a produtividade necessária às lógicas do capital.

A configuração do Agronegócio como modelo de desenvolvimento e como lógica para a agricultura contemporânea evidencia o confronto de lógicas (do agronegócio e da agricultura camponesa) e acirra a luta de classes, explicitando as contradições dela decorrentes. O avanço do capital na agricultura é mais avassalador hoje, pois vivemos em um contexto de crise estrutural do capital que busca na agricultura brasileira uma tentativa de sanar a crise.

Essa nova entrada acintosa do capital da agricultura explicita as contradições com mais clareza como, por exemplo, a opção pelo modelo do agronegócio ao mesmo tempo que se tem uma dinâmica de estagnação nos processos de assentamentos de reforma agrária no Brasil.

Foi a necessidade de compreender o “bloqueio” quase total da Reforma Agrária no Brasil nesse período mais recente (nem mais política de assentamentos existe na prática), e ao mesmo tempo de encontrar alternativas para o desenvolvimento econômico e social dos assentamentos duramente conquistados, que organizou no MST um esforço mais concentrado de estudos e discussões em vista de apurar a análise. O objetivo é ajustar os rumos da continuidade da luta pela terra e pela Reforma Agrária. É essa análise em processo que está permitindo afirmar que na atualidade “a luta pela terra e pela Reforma Agrária mudou de natureza” (MST, 2013, p. 31) [referência no original] transformando-se em uma “luta de classes contra o modelo do capital para a agricultura brasileira” (idem), significando que a luta dos camponeses pela terra é agora também luta por um novo modelo de agricultura, enfrentando uma força articulada entre grandes proprietários rurais, o capital financeiro e as empresas transnacionais que passaram a controlar os “negócios da agricultura”. (CALDART, 2013, p.2)

No caso do pré-assentamento Elizabeth Teixeira, compreendo a ação de ocupação da área do Horto Florestal Tatu em Limeira, realizada pelo MST, a partir desse contexto macroeconômico da sociedade brasileira no qual, como vimos, o agronegócio permitiu elevar as taxas de crescimento econômicos, equilibrando a economia brasileira para enfrentar a crise, fortalecendo o governo que tem amortecido e reprimido os conflitos sociais brasileiros – quadro em que as ações do MST, e dos vários outros movimentos sociais brasileiros, perderam força em âmbito nacional. O crescimento econômico brasileiro da última década, somado à expansão do emprego urbano formal e à expansão da renda, parecem ser fatores decisivos para o retrocesso das históricas lutas por direitos básicos, entre elas a luta pela terra e pela reforma agrária.

trabalhadores e trabalhadoras para os grandes centros urbanos em busca de melhores condições de vida e oportunidades de trabalho, pois são populações expulsas a partir da mecanização do campo, que vem de outros estados ou cidades menores do mesmo estado. A partir desse contexto, uma parte do MST do estado de São Paulo17 propõe um tipo específico de ocupação e organização dos assentamentos

vinculados aos centros urbanos, nos quais as “Comunas da Terra”, com lotes de 2 a 5 hectares18,

poderiam ser núcleos de economia camponesa estruturados em função da produção para o abastecimento e comercialização nas cidades vizinhas.

As Comunas da Terra foram uma nova forma de assentamento rural idealizada pelo MST do Estado de São Paulo que consiste na criação de comunidades de economia camponesa próximas aos grandes centros urbanos, agregando pessoas que ali vivem sem um passado recente ligado ao campo. Localizam-se em áreas de pequena extensão e, por isso, o tamanho dos lotes é também reduzido, incentivando o uso coletivo da terra. Baseia-se no trabalho ligado à terra, com prioridade para a segurança alimentar e nutricional das famílias e depois na possibilidade de geração de renda na comercialização direta com o consumidor, facilitada pela proximidade com o centros urbanos e cidades vizinhas, sendo de grande importância para a viabilidade da renda dos trabalhadores (GOLDFARB, 2007; MATHEUS, 2003).

Esse é o caso da ocupação da área do Horto Florestal Tatu, em Limeira, uma área de conflito de interesses, que se insere em um plano de expansão urbano industrial do município, mas que a ação do MST explicita as contradições dos interesses vinculados ao plano de desenvolvimento regional para aquela área pública ocupada.

1.2. Caracterização do município de Limeira e contexto da ação de ocupação da