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BREVES APONTAMENTOS SOBRE A RETRODUÇÃO

Neste terceiro e último capítulo, renovaremos a abordagem, de modo mais acentuado, em relação à retrodução, pois, sendo uma das três formas de raciocínio destacadas por Peirce, possui caráter essencial no desenvolvimento da percepção, já que este ato é particularmente responsável na formulação de hipóteses ante os fenômenos, dispondo, também, de elementos basilares para a compreensão do pragmatismo.

Antes, porém, de efetivamente adentrarmos ao tema relativo à retrodução, significativo revisitar brevemente a esplanação de Peirce sobre o que há na ciência, como sendo as três espécies de raciocínio, repisando a função de cada uma delas, quais sejam: a dedução, a indução e a abdução332.

Vejamos nas palavras do próprio Peirce:

[...] passei a reconhecer três tipos diferentes de raciocínio, a saber: 1º, Dedução que depende de nossa confiança na capacidade de analisar os significados dos signos nos quais pensamos; 2º, Indução, que depende da nossa confiança sobre um tipo de experiência que não será alterada ou cessará sem alguma indicação antes que cesse; e 3ª, Retrodução ou inferência hipotética, que depende da nossa expectativa, mais cedo ou mais tarde, de adivinhar condições sob as quais um determinado tipo de fenômeno se apresentará.333

Por retrodução334, sintetizam-se qualidades de sensação antes dispersas, constituindo-se na mente, sob a forma de uma imagem operatória, um programa unificado de conduta a atingir seus objetivos de um modo mais rápido e eficiente. Esse processo deixará progressivamente de ocupar o campo da consciência, para integrar a espontaneidade de uma ação dirigida a um objeto procurado.335

Assim, Peirce dá sentido ao termo retrodução para se referir exatamente a esse ato de adoção provisória de uma hipótese verificável por experimentação. Em sentido estrito, significaria dizer que se trata do primeiro estágio da investigação, porém de forma espontânea, sem obedecer um método rigoroso336. Tal circunstância permite a expectativa de continuidade na aplicação do mesmo método a fim de revelar desacordo e inconsistência com os fatos, se assim tiver que ser.

332 Cf. CP 7,97.

333 CP 8,385 (negritos nossos).

334 Vale dizer que Peirce também usa os termos abdução e inferência hipotética para o que ele chama de retrodução (CP 7,97; Fn 21 p. 61 e CP 8,228).

335 Cf. SILVEIRA (2014, p. 117).

336 Cf. ABBAGNANO (2015, p. 1012).

Destaca Ibri que a retrodução é o argumento lógico originário de uma nova ideia mediadora.337 Sua formulação como inferência deve ser posterior a algum estado da mente no qual aquela ideia deve estar numa condição vaga.

Defini-la como formulação inferencial é função da dedução e da indução: “Nem a dedução, nem a indução, contribuem com o menor item positivo à conclusão de uma investigação. Elas tornam o indefinido, definido; a dedução explica; a indução avalia.”338

Por exemplo, menciona Peirce:

[...] todas as operações de química não conseguem decompor hidrogênio, lítio, glucina, boro, carbono, nitrogênio, oxigénio, flúor, sódio, ouro, mercúrio, tálio, chumbo, bismuto, tório e urânio. Provisoriamente se supõe que tais substâncias sejam simples, mas a experimentação detectará sua natureza composta, se puder ser detectada em tudo. Isso denomino retrodução.339

Peirce arquiteta sua teoria com avançada sofisticação, acrescentando que:

[...] na ciência são utilizados três tipos diferentes de raciocínio, a Dedução (chamada por Aristóteles {synagögé} ou {anagögé}), a Indução (Aristóteles e Platão {epagögé}) e a Retrodução (Aristóteles {apagögé}, mas incompreendido por causa de textos corruptos, e como mal-entendido normalmente traduzido Abdução). Além desses três, Analogia (Aristóteles {paradeigma}) combina os termos de Indução e Retrodução.340

Com tais fundamentos e preparando-se para o aprofundamento de suas lições, Peirce traz exemplos incontestáveis na construção de sua teoria, citando alguns grandes nomes da ciência. Inicia com o exemplo de Kepler, que definiu, atráves de suas observações, as posições aparentes de Marte em diferentes momentos, fazendo-o convir, de modo geral, com a Teoria Ptolomaica341, apesar de algumas divergências. Kepler estava convencido de que a hipótese copernicana deveria ser aceita, vez que Copérnico compreendeu, em seu primeiro esboço, que a Teoria de Ptolomeu se modifica quando atribuído um movimento comum a todos os corpos do sistema solar, apenas o necessário para anular o movimento médio do sol. À primeira vista parece que as aparências não são afetadas. Mas Kepler

337 Cf. IBRI (2006, p. 6).

338 CP 6,475.

339 CP 1,68.

340 CP 1,65.

341 Na época de Ptolomeu (alto Egíto, século II d.C.), os estudos tendiam a mesclar ciência e misticismo. Em Almagesto (sistema matemático), Ptolomeu preocupou-se em colocar de modo preciso sua pesquisa no âmbito do quadro do saber que fora traçado por Aristóteles. Ele estava convencido da nítida superioridade das ciências teoréticas, dando priorídade às matemáticas, pois supunha que estas teriam como foco coisas divinas e celestes, que são imutáveis e ontologicamente estáveis, permitindo clara e ordenada apreensão e fornecendo auxílio às outras ciências (REALE e ANTISERI, 2014, p. 357/358).

percebeu que o sol estava perto do centro do sistema e compreendeu que deveria ter algo a ver com a causa dos planetas se moverem em suas órbitas.342 Isto é uma inferência hipotética que gerou grande esforço na obra de Kepler, mas ofereceu propulsão suficiente para que ele notasse que as linhas de apsides343 das órbitas de Marte e da Terra não são paralelas, desenvolvendo e demonstrando, através de observações, que seu aguçado senso lógico foi satisfeito após inúmeras tentativas, finalmente chegando à órbita verdadeira, sendo este um perfeito exemplo de raciocínio retrodutivo.344

Tal exemplo é importante para expressar que a retrodução gera suficiente afinidade entre o raciocínio da mente e da natureza, de modo a tornar possível que cada suposição possa ser verificada por comparação à observação.345

Note-se que esse exercício observacional adotado por Kepler, que certamente despendeu grande energia, se deu numa dinâmica que também gerou condições para a ocorrência de erros. Todavia, há campo para a autocorreção de eventuais erros, onde se atinge um estado temporário de homeostase, que seria a condição de relativa estabilidade da qual se necessita para realizar funções em busca de equilíbrio.346

Mas, destaque-se, isso não é suficiente para evitar o fato de que nossa percepção seja passível de cometer erros. Santaella alerta que pode haver alguma coisa, “em algum lugar, diferente da nossa mente, que não depende da nossa percepção”.347

Relembre-se de que o julgamento perceptivo é fruto de elaborações mentais cognitivas, mas isso não dá garantias de que temos pleno controle sobre seu processo.

Aliás, Peirce reforça tal assertiva com a alegação de que o único tipo de raciocínio através do qual algumas conclusões, por ora ainda inexplicáveis, poderia eventualmente ser alcançado é a retrodução. “Nada justifica uma inferência, a não ser que ofereça uma explicação dos fatos”.348

A função da retrodução, apesar de enfrentar caminho oposto à indução, não é diferente a respeito das variações fortuitas na reprodução que são importantes na teoria original de Darwin. Na verdade, de acordo com ele, o primeiro passo do homem na longa história de seu desenvolvimento foi tomado de modo arbitrário e sem lei. Seja qual for a verdade ou erro que possa haver nisso, é indubitável que cada passo no desenvolvimento da

342 Cf. CP 1,72.

343 O eixo principal da elipse que liga periapside e apoapside de uma órbita é chamado de linha de apsides.

344 Cf. CP 1,73.

345 Cf. CP 1,121.

346 Cf. ANTOMARINI, Brunella. Peirce e cibernética: retrodução, erro e autopoiesis no pensamento futuro.

Cognitio, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 187-204, jul./dez. 2017, p. 187.

347 SANTAELLA (1993, p. 90).

348 CP 1,139.

ciência moderna se inicia apenas através de uma suposição ou mera conjectura. Mas tal sugestão advém da experiência. A ordem da marcha da sugestão na retrodução é de experiência à hipótese.349

Vale dizer novamente que “o fato de errarmos e procedermos à correção do erro é um dos focos centrais da atuação da mente”.350

Por outro lado, o processo de indução, cujo objetivo consiste em testar uma hipótese já recomendado pelo procedimento da retrodução, significa “receber as sugestões da hipótese em primeiro lugar, para assumir as previsões da experiência e depois experimentá-la verificando se ela findará como foi predito no que a hipótese apontava”.351

Dando consistência à ideia, observe-se as palavras do próprio Peirce:

Ao longo de uma investigação é importante apenas ter em mente o que é que está se tentando realizar no particular. Todavia, quando se chega ao estágio indutivo sobre o que foi verificado como a verdade numa hipótese, deve-se verificar a proporção de suas antecipações.352

Note-se que Peirce aponta dois tipos de indução, sendo um mais fraco e um mais forte, este último investiga a sugestão interrogativa de retrodução, vejamos:

Qual é a real probabilidade de que um membro individual de uma determinada classe experiencial tenha o caráter de ser P? Isto faz pela primeira coleta, em princípios científicos, uma "amostra justa" dos Ss, tendo devidamente em conta a intenção de usar sua proporção de membros que lógica, aqui seria obrigado, não só a ensinar a arte da amostragem [...]. Mas vou limitar-me a uma única explicação de que, tanto quanto sei, o leitor não conseguiu encontrar definitivamente nos livros. É que quando dizemos que uma determinada relação terá um certo valor a “longo prazo”, referimo-nos ao limite de probabilidade de uma sucessão interminável de valores, ou seja, para o único valor possível de 0 a ∞, inclusive, sobre o qual os valores da sucessão sem fim nunca deixarão de oscilar, para que, não importa o que

350 IBRI (2015, p. 93), conforme já mencionado na introdução deste trabalho.

351 CP 2,755.

352 CP 2,755.

concordarão, quer sendo em todo maior que V, quer sendo em todo menor.353

Peirce explica, desta forma, que a indução qualitativa consiste na primeira dedução do pesquisador a respeito da hipótese retroativa como um grande peso probatório da conveniência de se empreender para assegurar a sua verdade.

Ainda neste curso:

Ao chamar de “previsões”, eu não quero dizer que eles precisam se relacionar com eventos futuros, mas que eles devem anteceder o conhecimento do investigador da sua verdade, ou pelo menos que eles devem virtualmente antecedê-lo [...].354

Assim, Peirce propõe a ideia de uma antecedência virtual, onde se supõe que para evitar a perda de tempo em uma hipótese, pode-se elaborar e decidir seguir o plano inicial ponderando desenvolver e testar as consequências de uma determinada hipótese através de um certo sistema matemático, estabelecendo-se a verdade ou falsidade. Desta maneira, deve-se reexaminar o processo de retrodução que sugeriu e influenciou essa hipótese. Como consequência, a validade de sua indução qualitativa dependerá de uma abordagem racional em favorecer a rejeição ou a adoção indutiva da sugestão retroativa. A indução, portanto, é avalizada por conta de seu método de conclusões que, se persistirem em tempo suficiente, irão provavelmente corrigir qualquer erro relativo à experiência futura, auxiliando-se da retrodução e das deduções das sugestões no sentido de descoberta de regularidades existentes entre experiências, enquanto a irregularidade total não é superada por qualquer outra relação de partes ao todo.355

Vale relembrar que o julgamento perceptivo não faz nenhuma alusão a qualquer experiência em relação ao futuro.356

Peirce destaca que a atenção do investigador tende a ser atraída para os fenômenos que demandam mais elementos investigativos, indo de problemas mais fáceis para problemas cada vez mais difíceis. Desta forma, não há possibilidade de uma série de experiências tão desejadas de uniformidade quanto aquelas ainda fora do alcance da indução, desde que

353 CP 2,758.

354 CP 2,759.

355 Cf. CP 2,769.

356 Cf. SANTAELLA (1993, p. 82-83).

existam casos experienciáveis e desde que a marcha da inteligência científica357 não seja reprimida.358

A mente científica é uma mente semiótica, que produz intercâmbio de informações de sígnos. Quando esse diálogo cessa, a mente morre.

Forçoso aqui dizer que esta passagem remete à ideia de que a reflexão filosófica, como um sentimento de espanto, como muito retratado pelos filósofos clássicos, representa o princípio fundamental de seu início, sua gênese, ensejando notar que não passamos indiferentes perante os fenômenos e, como consequência, isso provoca a problematização destes, com vias a clarificá-los, esclarecê-los, compreendê-los.

Mas, retornando às palavras de Silveira, “experimentar é confrontar qualidades conferindo-lhes existência. No contínuo evolutivo desse processo, forma-se a inteligência científica”.359

Peirce descreve a indução como uma propriedade maravilhosa de autocorreção da razão. Mas a lógica mostra que os outros tipos de raciocínio (dedução e retrodução), não são diferentes daquela. Este modo de raciocínio também começa por uma coligação360. Na verdade, é precisamente a coligação que deu à indução seu nome, {epagein} com Sócrates, {synagögé} com Platão, {epagögé} com Aristóteles.361

Quanto à retrodução, é ela própria uma experiência. Esse é o ponto fulcral da questão. Uma pesquisa retrodutiva é uma pesquisa experimental. E quando observamos a indução e a dedução do ponto de vista da experiência e da observação, estamos apenas rastreando nesses tipos de raciocínios e sua afinidade com a retrodução. Note-se, começa sempre com a coligação de fatos variados observados separadamente sobre o sujeito da hipótese.

Ainda Ibri, em sua obra, diz que:

Como vimos, o argumento abdutivo, aquele ao qual justamente cabe a elaboração de hipóteses, cumpre a função de romper, de início, a força bruta do inexplicável, e sua importância dentro do quadro lógico do autor torna-se facilmente perceptível, em face da radical recusa peirciana do incognoscível.

357 Inteligência científica: aquela que se aprende com a experiência, de modo empírico. Fonte: notas de aulas proferidas no curso de Mestrado na PUC-SP, disciplina ministrada pelo Prof. Ivo Assad Ibri, em 2017 (informação verbal).

358 Cf. CP 2,769.

359 SILVEIRA (2014, p. 163).

360 Stuart Mill (Logic, III, 2, 4) vinculou essa noção à de indução. “A asserção de que os planetas se movem em elipse foi um modo de representar fatos observados, portanto uma coligação; a asserção de que eles são atraídos para o Sol é a asserção de um fato novo, inferido por indução.” Essa palavra caiu em desuso na lógica contemporânea (apud ABBAGNANO, 2015, p. 179).

361 Cf. CP 5,579.

O vetor abdutivo tem sua origem desenhada na experiência e seu sentido definido por uma teoria explicativa [...].362

Portanto, resta claro que a retrodução tem sua gênese com a experiência proporcionada pela percepção. Mas desta situação surgirá uma observação, que não se trata de uma observação externa dos objetos como na indução, nem, tampouco, uma observação feita sobre as partes de um diagrama, como na dedução. Aqui pretendemos nos referir a um ato contemplativo:

O ato de observação é a entrega deliberada de nós mesmos a essa força maior, uma rendição antecipada à nossa previsão. Assim, a retrodução seria uma espécie de rendição à insistência de uma ideia. A hipótese, como se diz em francês: c'est plus fort que moi363. É irresistível, imperativo.364

Quando se fala de uma hipótese onde há uma causa verdadeira365 a inferência não é hipotética, mas indutiva. “A causa verdadeira é um estado de coisas conhecidas e presentes, ao menos parcialmente, para explicar os fenômenos, mas não com a desejada precisão quantitativa.”366 A indução representa a fórmula lógica que expressa o processo fisiológico da formação de um hábito, frise-se.

De outro ponto, as inferências veræ causæ são indutivas e não retrodutivas, e, desta forma, têm apenas incerteza e inexatidão. Vejamos nas palavras de Peirce:

Quando digo que uma inferência não é uma questão de crença, encontro a dificuldade de que existam certas inferências que, cientificamente consideradas, são indubitavelmente hipóteses, mesmo que sejam perfeitamente corretas. Por exemplo, a inferência de que Napoleão Bonaparte viveu realmente no começo deste século, é uma hipótese que adotamos para explicar o testemunho concordante de memórias, registros públicos de história, tradição e inúmeros monumentos e relíquias a respeito da real existência de Napoleão. Um exemplo ainda melhor é o das traduções do cuneiforme que começaram em simples suposições. Contudo, evoluindo por novas conjecturas sobre as antigas conjecturas esta ciência passou a produzir um resultado aproximado com o acordo das leituras entre si, com outra história, com fatos conhecidos da linguística.367

362 IBRI (2015, p. 171).

363 Tradução livre: “é mais forte que eu”.

364 CP 5,581.

365 Causas verdadeiras são chamadas por Peirce de veræ causæ, que na acepção da tradução do latim quer dizer exatidão. (CP 5,589).

366 CP 5,589.

367 CP 5,589.

Destarte, Peirce afirma que uma hipótese não é uma questão de crença, devendo-se examinar inferências no devendo-seu aspecto científico e posteriormente conjecturar com aspectos práticos.

Para deixar mais claro, vale dizer que o sistema de pensamento peirciano implica reconhecer que a consciência tem algum tipo de controle sobre as inferências, mas requer cuidado na interpretação.368

Assim:

O único fim da ciência, como tal, é aprender a lição que o universo tem de nos ensinar através da indução, que simplesmente se rende à força dos fatos.

Mas apenas isso não é suficiente. Tal como Galileu que apelava para il lume naturale, deve-se ter a noção da possibilidade de que um sólido fundamento do fato pode também falhar, devendo tal posicionamento a respeito de algo ser apenas provisório, que se pode encontrar confirmações ou então mudar sua posição.369

Espinosa, por sua vez, seguia a ideia da denominada melhor percepção, que não seria um simples modo de pensar sobre a realidade, mas um processo de identificação com a realidade que exclui toda possibilidade de erro, considerando que o erro, nesse caso, seria a abstração, isto é, o processo da separação que nos leva a considerar como realidade em si qualquer parte da realidade que só tem realidade no Todo Uno.370

Mesmo assim, apesar de todos os seus progressos, a ciência segue vagarosamente colecionando aprendizados, mas será eternamente refém da Natureza, pois o valor dos fatos a ela pertencem. Não é atôa que Peirce se refere à Natureza como sendo “algo grande, bonito, sagrado, eterno e real.”371

Neste ponto, Peirce frisa a necessidade de diferenciar o que é prática e o que é ciência, no que tangem aos fatos.

Para a prática, os fatos são forças arbitrárias com os quais se tem que interagir. A ciência, quando se trata de compreender a si mesma, considera os fatos como meros veículos para a eterna verdade, enquanto que para a prática eles continuam sendo obstáculos sobre os quais deve-se obter o melhor resultado.

368 Cf. ZANETTE (2012, p. 61).

369 CP 5,589

370 Cf. TEIXEIRA, Lívio. A doutrina dos modos de percepção e o conceito de abstração na filosofia de Espinosa. Coleção Biblioteca de Filosofia. São Paulo: Editora Unesp, 2001, p. 43.

371 CP 5,589.

A ciência possui um elemento arbitrário em suas teorias confiante de que o objeto de estudo será cada vez mais purificado da subjetividade372. Já, para a prática, a verdade real deve ter a característica da certeza, ou deve possuir, pelo menos, uma alta probabilidade, ou seja, deve-se saber que, embora alguns de seus empreendimentos possam falhar, a maior parte deles será exitoso.

Destarte, a verificação da atuação da experiência na História permite concluir que o progresso da ciência conduz o caminhar num terreno mais sólido, mais seguro e capaz de suportar novas experiências.

A crença se torna, nesta consecussão, a disposição para arriscar sobre uma proposição. E Peirce orienta:

Mas esta crença não é preocupação da ciência, que não tem nada em jogo em qualquer empreendimento temporal, mas está em busca de verdades eternas (não aparências à verdade) e olha para esta busca, não como a obra da vida de um homem, mas como o de geração após geração, indefinidamente.

Assim, as inferências retroativas que adquirem altos graus de certeza, na medida em que são prováveis, não são retroduções puras e não pertencem à ciência, como tal. Enquanto, na medida em que são científicas são retroduções puras, não sendo matérias para a crença. Enfim, são as denominadas ciência consagradas.373

Portanto, ciência representa um diálogo constantemente renovado com seus interlocutores, mesmo que indiretamente. Nesse diálogo, a própria natureza é um sujeito que deve ser respeitado e, antes de tudo, admirado, tendo em vista o que Peirce reconhecia como constante crescimento da razoablidade concreta de um cosmos do qual todos participamos374.

Na filosofia tem-se a pretensão de unificar os fenômenos da mente e da matéria.

A lógica da retrodução nos leva a adotar o monismo375 como uma hipótese filosófica.376

Um bom exemplo proposto por Peirce seria considerar o continuum do espaço.

Apontou ele que, embora seja um contínuo e, portanto, um elemento com caráter da terceiridade, toda a natureza em função do espaço se refere à segundidade. Pondera, neste caso, que haverá algumas dificuldades imaginativas da ilustração da maneira como o

Apontou ele que, embora seja um contínuo e, portanto, um elemento com caráter da terceiridade, toda a natureza em função do espaço se refere à segundidade. Pondera, neste caso, que haverá algumas dificuldades imaginativas da ilustração da maneira como o