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Breves considerações sobre a disciplina Análise da Conversação (AC)

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Breves considerações sobre a disciplina Análise da Conversação (AC)

A Análise da Conversação é uma disciplina relativamente nova, surgindo a partir da década de 1970. Antes desse período, é possível verificar a existência de estudos relacionados ao ato conversacional, no entanto, tais pesquisas apresentam um enfoque normativo, voltado para a ética e a estética, assim como se observou na retórica clássica. Antigos estudos concernentes às atividades de fala buscavam elaborar uma cartilha “do bem dizer”; atualmente, nota-se que tal busca por um padrão de fala não é mais o centro da disciplina, o que agora se objetiva é, tão somente, entender como a conversação é realizada e organizada. (Kerbrat-Orecchioni, 2006, p. 16)

O estudo da conversação sempre foi um assunto interdisciplinar, pertencendo a diversos campos de estudo desde sua origem, talvez em virtude da grande importância que o tema apresente. Conforme cita Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 17), a análise das conversações relacionou-se com diversas disciplinas: psicologia social, psicologia interacionista; microssociologia, sociologia cognitiva, sociologia da linguagem, sociolinguística; linguística, dialetologia, estudos de folclore; filosofia da linguagem; etnolinguística, etnografia, antropologia; cinésica, etologia das comunicações. Como se pode observar, diversos enfoques de análise, relacionados a variados campos de estudo, quiseram ocupar-se da problemática conversacional, provavelmente, por perceberem que alguma contribuição tal estudo traria às pesquisas já realizadas. Resumidamente, o estudo das conversações pode ser enxergado por meio de quatro visões: psicológica, etnossociológica, linguística e filosófica.

De acordo com Silva (2005, p.35), os enfoques etnossociológicos são os mais importantes, sendo divididos em três correntes: a Etnografia da Comunicação, cujos principais nomes são D. Hymes e J. Gumperz; a Etnometodologia criada por H. Garfinkel, tendo em Sacks, Schegloff e Jefferson seus principais incentivadores; e a Sociolinguística, desenvolvida por W. Labov, J. Fishman e E. Goffman.

Nas últimas décadas, o entendimento quanto ao tratamento da língua passou por várias transformações. Como oposição à visão chomskyana a respeito da utilização da língua, Hymes publica em 1962 um artigo em que sugere uma nova perspectiva sobre o assunto: saber falar não se trata apenas de produzir enunciados de acordo com a norma padrão, mas sim, de saber aplicar esses enunciados às situações adequadas e com os interlocutores

corretos. A etnografia da comunicação, disciplina criada por Hymes, entende que saberes linguísticos e saberes socioculturais são igualmente importantes para o desempenho da atividade comunicativa. Conforme explica Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 19-20), essa disciplina tinha como centro de sua pesquisa três importantes interesses: interesse pelos fenômenos de variação do código; interesse pelas aplicações possíveis da reflexão teórica; adoção de um procedimento indutivo e “naturalista”.

A corrente a qual este estudo chama de Análise da Conversação (AC) “nasceu, basicamente, no campo da Sociologia e estendeu-se à Línguística” (Silva, 2005, p. 36). Trata- se de uma abordagem investigativa que incorpora princípios etnometodológicos, etnográficos e sociológicos, tendo em Sacks, Schegloff e Jefferson seus grandes incentivadores. Marcuschi (1999, p. 8) explica que:

a Etnometodologia fundada por Garfinkel no início dos anos 60, é ligada à Sociologia da Comunicação e à Antropologia Cognitiva e se preocupa com as ações humanas diárias nas mais diversas culturas.

O termo etnometodologia instituiu-se “a partir do modelo da etnobotânica e de outras etnociências” (Kerbrat-Orecchioni, 2006, p. 20) e seu objetivo era analisar, de modo empírico, as atividades praticadas cotidianamente. Pode-se também compreender que a Etnometodologia de Garfinkel possuía três características básicas: estudo das atividades práticas do cotidiano, apresentação de caráter empírico e apresentação de um princípio de organização. (Silva 2005, p. 38-39)

Conta-se que Harvey Sacks foi aluno de Erving Goffman na Universidade de Berkeley e, em 1959, conhece Harold Garfinkel, passando a manter contato com ele. Sacks encontra alguns pontos em comum entre seus estudos e os de Garfinkel e, desse modo, nasce a Análise da Conversação de linha etnometodológica. (Pomerantz e Fehr, 2000, apud Silva, 2005, p. 41)

O objeto da Análise da Conversação desenvolvida por Sacks e equipe tem por foco estudar a organização da conduta das pessoas em sociedade, o modo como os indivíduos realizam suas atividades e dão sentido ao mundo que os rodeia. Para Silva, a AC de linha etnometodológica preocupa-se em “pôr em evidência as condições que presidem o exercício da palavra (...) há interesse pelo aspecto pragmático da linguagem e pelas condições de enunciação” (Silva, 2005, p. 41).

Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 15) salienta que, atualmente, o objetivo da Análise da Conversação é explicitar as regras que sustentam o funcionamento das trocas comunicativas. Os estudiosos deste campo querem mostrar que o ato comunicativo não é uma ação caótica, mas que possui regras que regulamentam toda a estrutura conversacional. Cestero Mancera (2000, apud Silva, 2005) define quatro procedimentos metodológicos da Análise da Conversação: coleta de materiais, transcrição minuciosa das gravações, análise de materiais e apresentação de resultados

De modo geral, observa-se que a Análise da Conversação enxerga o ato conversacional como um evento organizado e estruturado e, por isso, passível de análise. Os estudos relativos à AC tendem, cada vez mais, a mostrar que a interação verbal não se refere a um acontecimento aleatório e anárquico, mas que há regras subjacentes que regem tal procedimento, mesmo que sejam inconscientes (cf. Marcuschi, 1999, p. 6). É imprescindível salientar que a Análise da Conversação também se preocupa:

...antes de mais nada, com as relações afetivas entre sujeitos aproximados pela e na conversação. Procura, apreender, assim, não as relações entre grupos, classes ou instituições sociais, representadas no discurso, mas as relações intersubjetivas de envolvimento afetivo e emocional dos sujeitos... (Leite et al, 2010, p. 52)

É importante lembrar que, assim como cita Koch (2010, p. 37), no Brasil os primeiros representantes da Análise da Conversação foram Luiz Antonio Marcuschi (UFPE), Dino Preti (USP), José Gaston Hilgert (Universidade de Passo Fundo) entre outros poucos pesquisadores. Conforme explica a pesquisadora, observa-se que a AC passou por diversas mudanças. Em princípio, como já mencionado, as pesquisas tinham uma abordagem etnometodológica, voltada mais para a estrutura conversacional e as regras que a presidem (cf. Sacks, Scheglof e Jefferson, 1974); atualmente, o estudo está mais voltado para a investigação dos elementos constituintes da fala, assim como para os processos de construção do texto falado (repetições, paráfrases, inserções parentéticas, correções etc.). “Antes se examinavam as funções interacionais na conversação, na nova fase se relacionam procedimentos lingüísticos e funções interacionais.” (Leite et al, 2010, p. 51)