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2 ALGUNS ELEMENTOS EXPLICATIVOS SOBRE O BRICS E SEU LUGAR NA

2.10 O BRICS no Contexto do Sul Global

Diante do papel de destaque do BRICS, questiona-se se ele mantém ligações com o resto do Sul global. De acordo com Paulo Esteves, os membros do BRICS querem se afirmar como potências na sua região e ter um papel maior na política internacional, além de buscar corrigir ou atenuar o desequilíbrio de poder nas decisões políticas e econômicas de alcance internacional. Na sua interpretação, o BRICS é uma criação inspirada na Conferência de Bandung.

A Conferência de Bandung e os seus desdobramentos fizeram parte do que Prashad (2013) chamou de ‘Projeto do Terceiro Mundo’ (1928-1983), que acabou sendo derrotado pela ascensão do neoliberalismo, imposto pelos países do Norte. Contudo, diferentemente dessa articulação política, Prashad entende que o BRICS é uma tentativa conservadora dos poderes do Sul para garantir a si próprios o que eles percebem como o seu lugar de direito no palco mundial.

Andrew F. Cooper (2016), acadêmico da Universidade de Waterloo, Ontário, Canadá, e autor da obra BRICS: a Very Short Introduction, publicada em 2016, também observa que a conexão do BRICS com os desafios vigentes no cenário do ‘Terceiro Mundo’, das décadas de 1960 e 1970, tem severas limitações, lembrando que naquela época havia grande solidariedade entre os países do Sul. A propósito, Robert Biel (2007) afirma que foi o ataque do Norte contra a neutralidade do Sul, durante a guerra fria, que criou unidade entre essas nações. Na atualidade, mais do que usar a ideologia de ‘Terceiro Mundo’, o BRICS usa a alavancagem do peso e da capacidade individual dos seus membros para se afirmar, e ao invés de focar na pobreza e na desigualdade econômica, eles contestam a ordem baseados no seu ascendente poder econômico e político. Em comparação, o Sul global nas décadas de 1960 e 1970 não tinha habilidade para oferecer um modelo atrativo de desenvolvimento e, deste modo, o esforço coletivo por uma NOEI colapsou diante da oposição dos países desenvolvidos. Para Cooper (2016), o BRICS provoca um dilema no Sul global pois, ainda que abrace esse discurso, a criação de um processo diplomático assinala o colapso desse tipo de solidariedade política. No caso do BRICS, o seu interesse é o de promover mudanças na

ordem global para atingir os seus próprios objetivos. Cooper observa ainda que o BRICS substitui as noções de solidariedade e universalidade, com a promoção dos interesses nacionais de um pequeno grupo de emergentes que estão sedentos por um reconhecimento do seu novo status, tanto no Ocidente quanto no Sul global. Mas o mesmo autor aponta que isso não significa que a relação entre BRICS e o desafio inicial do Terceiro Mundo esteja encerrada.

Nessa mesma linha de pensamento, a pesquisadora da UFRJ, Ana Saggioro Garcia21,

considera que o BRICS representa uma nova inserção de atores na acumulação capitalista global. Os países membros atuam com coesão na esfera global, todavia, quando se trata de fomentar o comércio e atrair investimentos, a cooperação perde para os interesses nacionais. Ela cita como exemplo a nova corrida para a África, onde as empresas dessas nações competem por contratos para explorar petróleo, gás natural, extração de minérios e ainda realizar obras de infraestrutura, como a construção de ferrovias, rodovias, portos e aeroportos. Apesar disso, Cooper (2016) ressalta a habilidade do BRICS de superar essas fontes de divergências e competição, entendendo que isso decorre do ímpeto de compartilhar os benefícios de fazer parte do grupo.

Stuenkel (2015) observa que muitos criticam a atuação do BRICS na África, descrevendo os países membros como neoimperialistas. Esses países vêm investindo muito no continente africano nos últimos anos, especialmente a China, que tem comprado muitas terras na região. Todavia, o mesmo autor defende que a reputação chinesa na África não é ruim como os ocidentais pensam (STUENKEL, 2016). Beijing realiza investimentos que são essenciais para gerar empregos e riqueza nos países do grupo, em um momento que há escassez de capital para financiar projetos nos países em desenvolvimento.O fato é que a essência do grupo permanece em questão, como destacado por Cooper:

Pode o BRICS ser tanto um veículo das maiores ambições e busca pelo reconhecimento para um grupo selecionado de países além das potências estabelecidas do Ocidente e um meio de ascensão para o resto no Sul Global? Ou o BRICS simplesmente reproduz a exclusividade construída dentro do status quo? (COOPER, 2016, p. xii-xiv).

Ainda é cedo para responder plenamente a questões desta natureza, não se pode afirmar que o BRICS rompeu com a solidariedade Sul-Sul. Para o russo Vitaliy Kartamyshev (2014), representante da ‘Global Coalition Against Poverty’, a resposta a esta questão

21Em palestra proferida no PPGRI – UFBA, em 09 set. 2016 sobre o tema “Acordos de Proteção de Investimentos dos BRICS na África: mais do mesmo?”.

depende de saber se eles conseguirão resistir à tentação de explorar suas vantagens temporárias e acabar cooptados pelos países do G7. Ele observa que se os países que integram o BRICS não se comportarem como fomentadores responsáveis, podem perder a credibilidade e o entusiasmo de outras nações pela ideia do poder compartilhado.

Cooper (2016) observa que mesmo sendo incorporado ao G20, o BRICS faz questão de manter a Cúpula própria de cada um deles, que continuam se apresentando como outsiders, preservando a sua reputação como Estados que se opõem à dominação ocidental da ordem global, mantendo vínculos com o resto do Sul. Ele sustenta que as declarações provenientes da Cúpula do BRICS têm uma abordagem defensiva e reativa em relação ao G7 e até mesmo ao G20 (do qual eles também participam).

A posição oficial do BRICS é de buscar favorecer não apenas os seus interesses, mas, de maneira geral, também os do mundo em desenvolvimento. Xi Jinping menciona a vontade de chamar países não membros para participar do diálogo, a fim de promover a interação entre os países emergentes e os países em desenvolvimento. Esse diálogo vai fortalecer a solidariedade e cooperação entre os mercados emergentes e os países em desenvolvimento, e contribuir para o fortalecimento do BRICS. O propósito de convidar alguns países em desenvolvimento, representativos de diferentes regiões do mundo, para esse diálogo, é promover uma rede de parcerias, e construir uma comunidade de nações em desenvolvimento com interesses comuns e futuro compartilhado. O próprio fato de convidar a África do Sul para formar o BRICS demonstra a intenção de incluir os países africanos nessa articulação, o que pode indicar que não há rompimento com a solidariedade Sul-Sul.