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3 O BRICS E A INFLUÊNCIA NA GOVERNANÇA DA ORDEM INTERNACIONAL

4.3 A Relevância do NBD

A relevância do NBD já é indicada simplesmente pelo fato de ser a primeira vez que uma instituição financeira multilateral é criada somente por países em desenvolvimento para atuar em escala global. Uma iniciativa louvada por Dossani (2014), segundo o qual o mundo precisa de uma instituição financeira conduzida e controlada pelo Sul, enquanto Moretti observa que o NBD foi o primeiro banco de desenvolvimento de projeção efetivamente multilateral e global criado depois de muitos anos. Quer dizer, o banco é uma expressão da ordem internacional em transição, que passa por muitas indefinições políticas, como atestam as dificuldades de governança entre as principais potências e instituições, a exemplo do Brexit e das políticas de Trump no contexto de ressurgimento de ondas conservadoras, protecionistas e belicistas. Apesar desse panorama desfavorável, o BRICS demonstra que possui capacidade para protagonizar ações inovadoras.

43Em pronunciamento na IV Mesa-Redonda O Brasil , o BRICS e a Agenda Internacional, promovida pela

Conforme relatório do Banco Mundal divulgado em 2009, somente a África precisava de US$ 93 bilhões em infraestrutura, a cada ano, para suprir a necessidade decorrente dos objetivos nacionais de desenvolvimento (STUENKEL, 2015). Em 2016, o Banco de Desenvolvimento da Ásia (ADB) divulgou um estudo afirmando que o continente precisaria, nesta década, de 8 trilhões de dólares em infraestrutura, para ter uma trajetória de crescimento sustentável, mas o referido banco não teria condições de satisfazer a demanda (COOPER, 2016, p. 124). No estudo, publicado em 2017, Baumann estimou em US$ 2 trilhões anuais o montante necessário para o financiamento de projetos de infraestrutura nos países em desenvolvimento, enquanto os bancos de fomento existentes têm capacidade de proporcionar “apenas” US$ 1 trilhão (BAUMANN, 2017, p.39). Esse quadro atesta a necessidade de um novo banco, cujos recursos serão essenciais para muitos países conseguirem crescer e se desenvolver. Uma demanda que, certamente, será ainda maior nas próximas décadas.

Aqui, vale observar um aspecto importante colocado por Cozendey (2017). O BRICS já estava muito perto do seu limite como países emprestadores nas organizações de que fazem parte, notavelmente o Banco Mundial, e, além disso, os países desenvolvidos deixaram claro que não se engajariam em uma nova rodada de aumento de capital nos bancos multilaterais. Na visão do BRICS e de outros países em desenvolvimento, a sua fonte de recursos estava limitada. Então, a criação de um novo banco pareceu a maneira viável de reduzir o problema do financiamento para infraestrutura, ampliando, ao mesmo tempo, a participação do BRICS na governança financeira global, especialmente no que se refere à demora em reformar as instituições financeiras multilaterais.

O Subsecretário para Instituições Econômico-Financeiras e Cooperação do Ministério da Fazenda, Erivaldo Gomes44, referindo-se à existência do NBD, comentou que os Estados Unidos, como parceiro econômico importante para muitos países, estão adotando uma postura menos colaborativa, diminuindo o engajamento em relação aos organismos multilaterais, e que os demais países desenvolvidos não estão dispostos a aumentar a sua contribuição financeira para assistência ao desenvolvimento. Lembrou ainda que a Índia, por conta do seu progresso econômico, deixou de ser cliente da Associação Internacional de Desenvolvimento (AID)45, para tomar empréstimos diretamente ao Banco Mundial, aumentando a disputa pelos recursos dessa instituição, ao mesmo tempo em que há

44Em pronunciamento na IV Mesa-Redonda O Brasil , o BRICS e a Agenda Internacional, promovida pela

Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), em Brasília, no dia 16 de maio de 2017.

estreitamento da sua capacidade em financiar as economias emergentes. Assim, muitos desses países encontram dificuldades para acessar os recursos do BM. Como já afirmado, os primeiros clientes do NBD serão os próprios países do BRICS, que necessitam de muitos investimentos em infraestrutura. Isso mostra que há uma lacuna a ser preenchida pelo NBD, pois há também muita demanda por empréstimos nos países de menor desenvolvimento relativo.

O NBD, contudo, foi recebido com muito ceticismo por parte da mídia e dos analistas internacionais, que criticaram o volume de capital inicial e questionaram o real interesse chinês nesse novo banco, considerando-se que a China, por meio dos seus próprios bancos de fomento, já financia países em desenvolvimento e empresas, em maior volume do que o FMI e o Banco Mundial (RENZIO, GOMES & ASSUNÇÃO, 2013). É importante observar que a China fundou o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (AIIB), com um volume de capital e número de sócios muito maior do que o NBD. Contudo, vale notar que existem diferenças fundamentais entre o banco concebido pela China e a instituição criada pelos cinco países do BRICS. No AIIB, a China estabeleceu as regras e depois convidou as nações a aderir, enquanto no banco do BRICS todo o processo foi discutido em conjunto. Dessa forma, o NBD nasceu para ser uma instituição diferente, com a paridade na contribuição e, consequentemente, no poder de voto dos sócios fundadores, enquanto no AIIB a China detém uma primazia que lhe confere o poder de veto. Outra distinção é que o NBD tem mandato amplo para atuar no mundo inteiro; por sua vez, o AIIB fomentará projetos somente no continente asiático. Por último, o foco em sustentabilidade previsto na carta constitutiva do NBD difere de qualquer outro banco internacional de desenvolvimento. Não obstante, ainda que não houvesse esses contrastes, deve-se ressaltar que qualquer novo instrumento que reforce o capital de longo prazo para investimento em infraestrutura deve ser bem recebido, pois a demanda é enorme.

Percebe-se que o NBD é uma aposta inovadora. Por isso é natural que os países sejam cautelosos na fase inicial, embora haja o compromisso, no seu acordo constitutivo, de revisar o montante de capital do banco em intervalos de, no máximo, cinco anos. Dessa forma, o NBD pode vir a crescer bastante no futuro, e tornar-se um mecanismo central na promoção do desenvolvimento.