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Brincadeira de criança

No documento "Só em Beagá", por Eduardo Ferrari (páginas 92-96)

20 de Outubro de 2006

Nesses tempos de brinquedos Fisher-Price e Little Tikes vendidos na Pbkids ou Ri Happy, inspirados nos desenhos do Discovery Kids — não por um acaso, todas com palavras em inglês —, uma loja de brinquedos resiste ao tempo em Belo Horizonte. Com o nome de “Rei dos Brinque- dos”, que provavelmente encontra similares pelo país inteiro (quem nunca viu em sua cidade uma loja que se intitulasse “rei disso ou daquilo”?), existe desde o tempo em que eu mesmo, mal saído das fraldas, ia com meu pai para ser testemunha da compra do presente dos Dia das Crianças.

Também perdi a conta de quantas vezes fomos até lá na véspera do Natal para escolher o brinquedo que queria “ganhar” do Papai Noel. Isso foi há mais de 30 anos atrás. Nesse mesmo período, outras grandes lojas locais, como Bakanas (que tinha uma rede espalhada pela cidade) ou Brinquedolândia, desapareceram sem deixar rastro.

Fora dos shoppings-centers ou de regiões de grande comércio, o “Rei dos Brinquedos” ocupa um espaço nobre na esquina das avenidas Getúlio Vargas e Afonso Pena, próxima ao bairro Savassi. É de surpreender que o crescimento imobiliário não tenha a engolido para a construção de um prédio comercial. É uma loja simples, mas com grande variedade de brin- quedos, alguns que não são mais encontrados nas atuais redes de lojas pirotécnicas ou tecnológicas. Onde mais você poderia encontrar um “João Bobo”, como aquele que ganhou quando completou 8 anos e tinha que

encher a base de areia; ou rever os famosos velocípedes que foram seu primeiro “meio de transporte”; ou, ainda, comprar novas bolinhas para o seu jogo de “Totó”; ou aquele trenzinho de metal que apita e dá um tra- balho danado para montar; ou, para dar um exemplo politicamente in- correto, aqueles revólveres de espoleta?

Sempre que passo em frente à loja há um cliente comprando algum brinquedo. Em geral, são os adultos que freqüentam o lugar e este é o ponto que a difere das franquias. O espaço foi feito para estocar os brin- quedos e não para crianças que querem brincar com eles. Ao mesmo tempo, numa Ri Happy de qualquer shopping-center, dúzias delas estão se divertindo e não comprando nada. O “Rei dos Brinquedos” vale uma visita até mesmo para relembrarmos tempos mais ingênuos da infância, quando jogos eletrônicos ainda não eram regra, as marcas mais famosas eram Gulliver, Estrela ou Trol e nossos personagens favoritos estavam nos contos infantis e não na programação da televisão a cabo.

A palavra é...

23 de Setembro de 2006

Você já jogou “Dicionário"? Não, não estou falando em pegar o livro e jogar em algum lugar qualquer para nunca mais encontrá-lo. Quando eu estava no meio da faculdade, lá pelos meus 20 anos, costumava jogar esse jogo com os colegas de curso. “Dicionário” não está escrito em ne- nhum manual de instruções de jogos de salão, nem é vendido em caixas como “Imagem & Ação” ou “War”. Por isso mesmo, é um jogo acessível e criativo. Basta ter um dicionário, quanto mais antigo melhor, só não valem versões miniaturas do livro — nada do “Minidicionário do Aurélio”, por favor!

Podem jogar quantas pessoas quiserem. Pelo menos quatro (mais é melhor). Funciona assim: um mediador escolhe uma palavra e escreve seu significado num papel. Todos, inclusive quem escolheu a palavra, criam seu significado. O “mediador” recebe todos significados e lê para os demais. Se são quatro pessoas jogando, então temos cinco definições. Uma verdadeira e quatro falsas.

Depois disso, cada participante vota na definição que acha que é ver- dadeira. Quem acerta, ganha um ponto e quem tem sua definição votada também ganha um ponto. Se apenas uma pessoa acertar a verdadeira, ela recebe o dicionário e é sua vez de escolher a palavra. Se ninguém ou mais de um acertar, há um sorteio para girar o dicionário de mãos.

(algumas vezes, na casa de um ou de outro) e ficávamos tardes inteiras jogando, usando os dicionários da própria biblioteca, alguns deles escritos na década de 40, com palavras que nunca tínhamos sequer ouvido ou lido em qualquer outra publicação. Isso tornava o jogo ainda mais interes- sante. O resultado eram muitas risadas e a capacidade de desenvolvermos ainda mais a criatividade.

Por exemplo: a palavra “jalapa” pode ser o “som reproduzido por grandes frutas ao caírem no chão” ou “indivíduo que tem parte do corpo de tamanhos desproporcionais em relação ao todo” ou será “bebida fer- mentada com sabor amargo”? Já a palavra “podricalho” é “um pedaço de um objeto que apodreceu por falta de uso” ou “indivíduo destituído de energia e por isso preguiçoso” ou pode ser “um ornamento utilizado no Brasil Colônia para identificar salões destinados às refeições”? Por sua vez, “sangagu” é um “ser mitológico das tribos indígenas Tupi-Guarani” ou “comida típica do vale do Jequitinhonha em Minas Gerais” ou “alguém que diz coisas que te fazem ter mais curiosidade"?

Como faz alguns anos que nunca mais joguei e nem vi mais ninguém jogar, talvez os meus exemplos não tenham sido dos melhores. Ando meio enferrujado. De qualquer forma, é uma lembrança de um tempo onde tudo era novidade, principalmente para quem estudava co- municação social e tinha na palavra sua ferramenta de trabalho. Re- comendo a todos tentarem jogar “Dicionário”. Quanto mais nonsense as definições, melhor.

NOTAS DO AUTOR

I. Confira o significado das palavras segundo o Dicionário Houaiss: (1) Jalapa: vinho de baixa qualidade e de mau sabor; (2) Podricalho: preguiçoso, destituído de energia, moleirão; (3) Sangagu: comentário intrigante.

II. Antes que alguém diga “Eu conheço esse jogo! Chama-se Academia e é vendido em lojas de brinquedos...”, eu explico: eu também conheço o jogo, mas há vinte anos ele não existia. Além disso, você precisa gastar mais de R$ 50,00 para comprá-lo. Melhor investir num bom dicionário, poder jogar e ainda tirar suas dúvidas de vo- cabulário.

No documento "Só em Beagá", por Eduardo Ferrari (páginas 92-96)

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