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3.2. O papel da função simbólica na construção do conhecimento

3.2.4. A brincadeira do pré-escolar

Dentre os diferentes tipos de brincadeira, a categoria que mais nos interessa no presente estudo é a do jogo simbólico e, particularmente, aquele que se constitui no último período do pensamento representativo. O jogo simbólico é extremamente rico e variado, e Piaget (1978a) faz uma classificação de suas modalidades, separando-as entre a Fase I (de 2-4 anos) e a Fase II (de 4-7 anos).

Piaget discrimina três níveis na brincadeira da Fase I, nos quais a criança vai se afastando cada vez mais da ação e do contexto imediato e entrando no contexto simbólico, onde a realidade é representada mentalmente. Das assimilações simples de um objeto a outro passa à assimilação do próprio corpo ao corpo de outro ou de um objeto (o que constitui o jogo de imitação), para, mais tarde, integrar tudo em combinações simbólicas.

A partir desta fase, a complexidade da brincadeira aumenta, a assimilação deformante e a imitação se interpenetram e a criança organiza cenas inteiras, constituindo as combinações simbólicas ordenadas. Estas, juntamente com o

simbolismo coletivo, constituem a última forma do jogo simbólico; aparecem com mais evidência a ordem e a coerência, a imitação exata do real e a diferenciação de papéis.

Na fase II do período representativo, o simbolismo deformante diminui e a brincadeira se adapta mais ao real, constituindo-se em uma representação que busca imitar a realidade (Piaget,1978a). O autor destaca três características desta fase do jogo simbólico:

• uma ordem relativa, o quanto possível dentro de uma situação livre e espontânea como é a do jogo, em comparação com a incoerência das combinações simbólicas anteriores. A criança consegue organizar seqüência de idéias, tanto no diálogo como na construção lúdica.

• a imitação exata do real, revelada na preocupação com a exatidão nas construções e materiais utilizados no jogo (as casinhas, utensílios, desenhos e modelagens), que recebem grande atenção. A criança, já dotada de uma melhor coordenação motora, consegue agora uma maior correspondência entre a representação mental e sua execução, integrando ambas na atividade lúdica. Mas, por isso mesmo, também realiza uma outra coordenação, entre a assimilação e a acomodação, no sentido de uma menor deformação e de uma adaptação maior ao real.

• o simbolismo coletivo com diferenciação de papéis: a criança agora busca brincar com o outro e não só ao lado do outro. Se isto é possível pelas

coordenações mentais no sentido de maior ordem e coerência da atividade, por outro lado este mesmo aspecto é ampliado pelas relações sociais. São dois aspectos

do mesmo desenvolvimento que se enriquecem mutuamente. Considera Piaget que, nesta fase, tanto no plano mental como no social, verifica-se o fenômeno geral da passagem do egocentrismo para a reciprocidade.

Limongi (1994) mostra como a linguagem se insere num processo global de desenvolvimento, partindo da ação que consiste principalmente na brincadeira, e Oliveira (1992) comenta o duplo movimento da criança, se diferenciando individualmente e se socializando, separando-se e se relacionando. Perto dos 7-8 anos, quando o seu eu está mais fortalecido, a criança tende para a conduta adaptada e para a cooperação, podendo observar o respeito às regras sociais. Através da brincadeira, a criança aprende a lidar com a própria vida, com os outros e com as suas dificuldades, até o ponto em que não precisa mais deformar a realidade para assimilá-la. Agora, é na interação com os outros e com a realidade que ela vai encontrar os meios para sua adaptação. Estas características da última fase do jogo simbólico são as que espero encontrar entre as crianças examinadas nesse trabalho; que informações terei a partir da análise de sua brincadeira? Espero poder entender, em síntese, como cada criança organiza e representa a realidade, em contextos espaciais, temporais e causais:

- qual o grau de deformação de sua brincadeira: se há predomínio da fantasia e das ligações livres e pessoais entre cenas e objetos, idéias e acontecimentos, de forma incoerente e incompreensível ao outro.

- como expressa a causalidade: se pela justaposição, com ênfase nas partes, ou seja, sem referência às relações, sejam relações de tempo, de causa ou lógicas, refletindo uma incapacidade sintética para coordenar a parte e o todo e caracterizando uma maneira egocêntrica de exprimir a causalidade.

- qual o grau de adaptação da brincadeira: se há predomínio da ordem e da coerência entre as partes; se mostra a necessidade de explicar essas relações por justificativas e implicações, apresentando uma pré-causalidade, na forma de uma ligação implicativa e significativa (e portanto ainda uma forma pessoal, não lógica porque não necessária, de fazer ligações entre os fatos).

- o quanto coordena a atividade lúdica com a atividade verbal e qual dessas duas modalidades de representação simbólica se destaca e está controlando sua narrativa; e, nessa atividade simbólica, poder discriminar, além dos aspectos lógicos, o aspecto da significação dada às ações, as relações sintático-semânticas que o sujeito constrói e expressa.

Se pensar é estabelecer relações, a tarefa toda resume-se em tentar identificar o quanto essas relações estão presentes no jogo simbólico e na linguagem infantil. Esta é a tarefa a que me propus, ao delinear os objetivos desse trabalho.

Tendo em vista a revisão da literatura realizada, a presente dissertação investigou:

- a produção narrativa de crianças de seis anos de idade, a fim de conhecer as características de sua linguagem.

- o grau de modificação que essas crianças podem alcançar com respeito à qualidade de sua narrativa, mediante uma intervenção do adulto.

V. METODOLOGIA

“ ...em todos os níveis (os da célula, do organismo, da espécie, dos conceitos, dos princípios lógicos, etc.) o mesmo problema das relações entre a parte e o todo volta a apresentar-se.” J. Piaget (1952, Autobiografia, p. 11)