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Bruno: um Aluno-Problema Vindo de Uma Família Problemática

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6 A PARTICIPAÇÃO DOS AGENTES ESCOLARES NA CONSTRUÇÃO E

6.1 Bruno: um Aluno-Problema Vindo de Uma Família Problemática

Quando iniciei a pesquisa na escola, tomei conhecimento rapidamente do caso Bruno. Em 2012, o estudante tinha oito anos de idade e estava cursando o segundo ano do ensino fundamental. Negro, pobre, sem nenhuma deficiência que comprometesse seu desenvolvimento cognitivo e motor, cursava pela segunda vez o segundo ano. Ele era visto pela equipe pedagógica, pelas professoras e pelas inspetoras como um aluno “difícil”, “problemático”, “indisciplinado” desde o pré-escolar.

O menino morava com a mãe e dois irmãos. Quando se dedicava às atividades da escola, conseguia elogios para si, principalmente em Matemática. Bruno tinha um raciocínio lógico e uma memória que chamavam a atenção. Sabia realizar operações de adição e subtração com muita facilidade, além de ter bom desempenho em jogos estratégicos, como o xadrez. Durante as aulas de Educação Física também se destacava devido ao seu talento com a bola. Sua casa ficava em uma rua adjacente à escola. Com dois cômodos, ficava próxima a um campinho de futebol improvisado. Era lá que Bruno passava a maior parte do tempo. Sua paixão, segundo dizia a família e ele mesmo, era o futebol. Sonhava em ser jogador profissional. Na escola, tinha preferência por atividades que exigissem movimentos rápidos e destreza. Fora da escola, quando não estava jogando bola na rua, estava soltando pipa.

Sua irmã, Iasmin, também estudava na escola. Em 2012 e 2013 ela cursou o 7º e o 8º ano do ensino fundamental, sendo aprovada para a série seguinte nos dois anos consecutivos. Quando a conheci tinha 15 anos e também tinha um rótulo semelhante ao do irmão. Em 2012, quando ainda estava matriculada no 7º ano do ensino fundamental da Escola Municipal do Porto, estava sempre se metendo em confusões e brigas. Hora ou outra, era encaminhada para minha sala, onde conversávamos sobre suas dificuldades em se relacionar com professores e com as colegas. Em 2013, ela se adequou mais às regras da instituição. Acredito que sua aprovação

para o 8º ano quando ela nem mesma acreditava que seria possível, contribuiu para motivá-la a se enquadrar às expectativas escolares52.

O outro irmão de Bruno, Felipe, também já havia sido aluno na Escola Municipal do Porto. Sem concluir seus estudos, o estudante parou de frequentar a escola aos 14 anos, quando estava cursando o 6º ano. Ele deixou os estudos ao ter que se mudar para a casa de um parente que morava em outra cidade. Os funcionários que o conheceram relatavam que sua mudança de endereço foi devido às intervenções do crime local. Diziam que o aluno, ao se envolver em furtos, teve que se mudar, pois estava sendo ameaçado pelos traficantes do bairro.

Felipe tinha acumulado sobre si muitas queixas na época em que ainda estudava. Assim como Ícaro, carregava o rótulo de “aluno perigoso”. Segundo os relatos das pessoas que trabalhavam na escola, quando o irmão do Bruno era aluno, ele agredia funcionários verbalmente e fisicamente. Diziam que certa vez, num salto de extremos, Felipe quebrou as divisórias da secretaria com pontapés. Nessa época, o menino passou por acompanhamento psicológico e a família foi encaminhada para o Conselho Tutelar.

Abaixo seguem algumas das queixas que foram coletadas no livro de ocorrências em 2006, quando o menino ainda estava no 2º ano do ensino fundamental, o mesmo ano escolar cursado por Bruno em 2012.

A mãe do aluno, do menor Felipe de Cruz Sampaio, Sr.ª Maria Eugênia Sampaio, a criança será acompanhada para Neurologia e conversamos sobre a responsabilidade da mãe na educação da criança. [Assinatura da Orientadora Marta]

[Livro de ocorrências, 23 de março de 2006]

A mãe do aluno Felipe da t. 202, da profª Tereza, estava passando em frente a U.E. [Unidade Escolar], pedimos a inspetora Judite para chamá-la a fim de conversarmos sobre o comportamento dele. O aluno agrediu um colega com um soco na boca. A mãe, Maria Eugênia, explicou que tem, digo, que não tem

52 A aluna Iasmin, irmã de Bruno, já havia sido reprovada uma vez no 7º ano e os professores tinham a intenção

de reprová-la novamente no ano de 2012. No entanto, isso não aconteceu. A aluna foi promovida para o 8º ano mediante o empreendimento iniciado pela orientação educacional em afirmar que a aluno precisava de uma chance de se mostrar. Os professores se sensibilizaram com sua situação e optaram por promovê-la para o ano seguinte. No ano de 2013 não foi necessário tal empreendimento, pois a menina já havia conquistado seu espaço juntos aos professores.

mais domínio sobre ele, não sabe o que vai fazer. A coord. Pedag. e a direção orientaram a mãe quanto ao lidar com o seu filho. O conselho tutelar já tem conhecimento da situação familiar e escolar do aluno.” [Assinatura da direção]

[Livro de ocorrências, 28 de agosto de 2006]

Há 15 dias passados foi que o responsável pelo aluno Felipe da 2º série, comparecesse a esta U.E. para conversar com a professora Tereza sobre seu comportamento; o responsável não compareceu até a presente data. Portanto necessário relatar que o volume em comportamento agressivo com os colegas, funcionários e a professora da classe têm aumentado. Depois de alguns dias ausentes, agrediu a professora Tereza com palavrões e os colegas de classe fisicamente. [Assinatura do responsável]

[Livro de ocorrências, 27 de setembro de 2006]

O aluno Felipe da prof.ª Tereza pulou o muro desta U.E. e foi embora às 16:30. [Rubrica de funcionário]

[Livro de ocorrência, 10 de outubro de 2006]

Foi entregue o documento da Dr.ª Flávia (Psicóloga) para a mãe do aluno Felipe (Prof.ª Tereza) para ser levado para tratamento psicológico. [Assinatura da Orientadora Marta]

(Livro de ocorrências, 29 de novembro de 2006, pag. 84)

Segundo relatos da comunidade e o que conta a própria família, foi neste ano que Felipe teve o pai assassinado. Bruno tinha dois anos de idade, Felipe tinha dez e Iasmin tinha sete. Apesar de não ter registros sobre este acontecimento, pode ter sido ele a explicação acionada para justificar as queixas de indisciplina do aluno seguida por encaminhamentos ao psicólogo e ao médico neurologista.

Enfim, Felipe era considerado um aluno-problema, título confirmado ao “abandonar” a escola em 2010. Em 2012, Bruno detinha sobre si as mesmas desconfianças que existiam sobre o seu irmão. As pessoas já comentavam que temiam pelo seu futuro. A ideia de que o menino teria o mesmo destino que Felipe alastrou-se tornou-se alarmante para a equipe pedagógica, que também começava a acreditar nesta possibilidade.

O comportamento de Bruno em sala de aula ao longo de sua vida escolar e a forma como os funcionários conheciam seus familiares davam mais substâncias para se pensar que Bruno era “um aluno que não queria nada” que grandes possibilidades de vir a se tornar um “aluno perigoso” tal como seu irmão Felipe. Toda sua família era entendida e percebida como “problemática”.

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