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Equipe Administrativa e a exposição compulsória do estudante

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3.6 Cargos, atribuições e intervenções na construção do aluno-problema

3.6.2 Equipe Administrativa e a exposição compulsória do estudante

A Equipe Administrativa trabalhava com base na atuação de quatro cargos distintos: os Agentes Administrativos Escolares, o Digitador Escolar, o Supervisor Pedagógico e a Secretária Escolar. No discurso formal, excetuando-se os Digitadores, eles eram responsáveis por todos os atos e procedimentos relativos ao registro e validação da vida escolar do aluno, bem como gerir a organização de documentação nos arquivos, atendimento ao público e demais serviços burocráticos como, por exemplo, elaboração da frequência dos alunos, expedição de boletins, históricos e outros.

24 Essa constatação foi também encontrada na pesquisa realizada por Ratusniak no ano de 2012. O livro de

ocorrências passou a assumir o estatuto de defesa da escola contra possíveis omissões para provar que a escola resguarda o direito de seus alunos.

Os Digitadores de Computador possuíam uma prática muito peculiar na Escola Municipal do Porto. Formalmente a função que exerciam estava vinculada à equipe de pessoal de apoio. No regimento escolar eles possuíam apenas duas atribuições:

“I - Responsabilizar-se pela digitação, conservação, arquivamento e impressão de material entre aos seus cuidados; II – comunicar ao secretário escolar quaisquer irregularidade em seu campo de atuação”. (NOVO MAR, 2012, Seção VIII, art. 57)

Entretanto, na prática eles assumiam mais atribuições do que apenas duas. Tudo de maneira informal. Na rotina da Escola Municipal do Porto eles se envolviam com trabalhos relacionados ao envio e recebimento de correspondências formais, elaboração do mapa estatístico da instituição, controle das evasões e dos prazos referentes à Bolsa Família, entrega da ficha de frequência dos servidores, enfim, digitar material entregue aos seus cuidados era a tarefa menos executada por eles.

A Secretária Escolar, por sua vez, tinha a função de receber, preparar e expedir a correspondência formal da escola; manter atualizados e em ordem os registros e arquivos da unidade; atender ao público na área de sua competência; organizar e coordenar o expediente geral da secretaria; comunicar à equipe técnico-pedagógica, para providências, os casos de alunos que necessitam regularizar sua vida escolar, seja pela falta de documentação; organizar a distribuição dos diários de classe; analisar os dados estatísticos de cada bimestre; receber, analisar e expedir históricos; manter atualizada a legislação, jurisprudência e documentação legal relativa aos interesses da unidade; responder pela escrituração da escola, assinando os documentos pelos quais é legalmente responsável e cumprir os prazos de entrega de documentos estabelecidos pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Ela, juntamente com a supervisora pedagógica, orientava todo o trabalho realizado pela equipe administrativa.

A Supervisão Pedagógica, representante da equipe administrativa, tinha atribuições que iam além do trabalho de secretaria, porém era dada maior ênfase na Escola Municipal do Porto ao trabalho administrativo25. Segundo o regimento escolar, a Supervisão devia acompanhar o

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Os agentes escolares reconhecem, informalmente, que o trabalho do supervisor pedagógico está mais vinculado ao trabalho burocrático do que ao pedagógico propriamente dito. Pode ser que haja controvérsias, e pode ser que haja dentro da escola o discurso de que o pedagógico não se desvincula do burocrático. Entretanto, sua função é

cumprimento do calendário escolar; orientar o preenchimento dos diários de classe; analisar e orientar, juntamente com o diretor e o secretário escolar, o preenchimento dos documentos relacionados à vida escolar do aluno, assim como conferir os documentos recebidos na matrícula; analisar e orientar a elaboração de documentos da unidade escolar, tais como: livro de matrícula, livro de atas, livro de movimento escolar, livro de ponto e outros livros afins; analisar e definir, junto à equipe, a situação de alunos egressos de outros estabelecimentos ou sistemas de ensino, visando a sua adequada adaptação à série ou etapa em que forem matriculados. No entanto, ainda segundo o regimento escolar, também devia participar da definição de estratégias que visassem à melhoria do desempenho das turmas, dos alunos e dos profissionais envolvidos no processo pedagógico; pesquisar, estudar e selecionar assuntos específicos de sua área; analisar e interpretar a legislação vigente, prestando assistência pedagógica-administrativa; acompanhar o processo avaliativo e o de recuperação de aprendizagem e; analisar e acompanhar a execução do planejamento.

Essa equipe, apesar de autônoma nos assuntos administrativos, atuava de modo interdependente com a Orientação Educacional e a Coordenação Pedagógica.

No que tange a participação destas pessoas na construção do aluno-problema, destacava-se sua contribuição na construção e organização de documentos referentes à vida escolar dos alunos.

Cada aluno possuía pastas acessíveis, por vias legais ou não, para qualquer agente escolar. Nelas havia informações que diziam sobre sua família, sua moradia, justificativas de faltas, relatórios, encaminhamentos à equipe de apoio, laudos médicos, cartas do Conselho Tutelar, avaliações, renda, etc. A equipe administrativa era responsável por manter atualizada e organizada toda essa documentação individualmente, para cada um dos aproximadamente 800 alunos da instituição.

Esse tipo de registro encontrava sua expressão muito clara através das informações acumuladas sobre cada aluno. Eles permitiam que os estudantes estivessem em constante

meramente reproduzir o discurso oficial dentro do contexto pedagógico para professores e aluno. Todas as intervenções feitas acontecem via diário escolar. A presença deste profissional acontece somente quando o assunto é preenchimento correto do diário escolar.

processo de exame que, por sua vez, poderiam ser vistos como “(...) códigos da individualidade disciplinar que permitem transcrever, homogeneizando-os, os traços individuais estabelecidos pelo exame.” (FOUCAULT, 2004, p. 158). Tudo era organizado em campos comparativos que possibilitam formar categorias, estabelecer médias, alocar indivíduos e fixar normas.

Graças a todo esse aparelho de escrita que o acompanha, o exame abre duas possibilidades que são correlatas: a constituição do indivíduo como objeto descritível, analisável (...) em sua evolução particular, em suas aptidões ou capacidades próprias, sob o controle de um saber permanente; e por outro lado a constituição de um sistema comparativo que permite a medida de fenômenos globais, a descrição de grupos, a caracterização de fatos coletivos, a estimativa dos desvios dos indivíduos entre si, sua distribuição numa "população". (2004, p. 158)

Para pessoas de fora da escola os documentos que compunham esse quadro de exames eram são acessíveis. Dentro dela, no entanto, eles, que não eram tão populares como os boletins ou os históricos. Mas ajudavam a compor o aparato de informações que classificavam o estudante. Toda essa organização era feita pela equipe administrativa da escola. Sempre que faltava um documento, eram eles que exigiam dos demais agentes que os mesmos fossem entregues à escola.

Nesse processo de regulamentação da vida do estudante na escola é de se esperar que o aluno- problema tenha uma pasta mais volumosa que os demais alunos. Sua “vida escolar” torna-se um livro acessível e principalmente, visível. Pode circular de mão em mão, passando desde o auxiliar de secretaria até a direção da escola. Mesmo não sendo constantemente verificado, estava sempre disponível, sempre visível aos olhos de quem avaliava e de quem classificava.

Esse é um elemento importante para o funcionamento de uma instituição disciplinar e para o processo de construção do aluno-problema. É preciso, sempre que solicitado, ter organizado, todas as informações existentes sobre o aluno-problema. Estes estudantes precisam deixar-se ver, obrigatoriamente, a outro que não, necessariamente, precisa se mostrar. A equipe administrativa mediava essa relação através da organização destes documentos.

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