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Equipe pedagógica e o manejo das queixas escolares

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3.6 Cargos, atribuições e intervenções na construção do aluno-problema

3.6.3 Equipe pedagógica e o manejo das queixas escolares

A Equipe Pedagógica era composta por orientador educacional e coordenadores pedagógicos. Deles, o cargo de coordenador pedagógico era vulnerável a flutuações, pois para assumi-lo era preciso que a pessoa tivesse sido indicada pela direção.

Apesar disso, na Escola Municipal do Porto o coordenador pedagógico era mais presente que o orientador. Sua carga horária semanal de trabalho era de 30 horas divididas ao longo da semana, de modo a abranger todos os dias de aula de um único turno, seja matutino, vespertino ou noturno. O orientador não restringia sua atuação somente a um turno de funcionamento da escola. Sua carga horária era de 20 horas distribuídas em dois ou três dias com possibilidade de extensão, dependendo da disponibilidade do funcionário e do interesse da direção.

Ao Coordenador Pedagógico, segundo o regimento escolar, cabia orientar e estimular o trabalho do professor; coordenar a elaboração e avaliação de propostas e projetos pedagógicos, e deles participar; acompanhar e avaliar o processo ensino-aprendizagem, visando a melhoria da qualidade do ensino; orientar a organização, a caracterização e o acompanhamento de turmas e grupos; organizar reuniões pedagógicas da unidade escolar, inclusive as de pais e responsáveis; orientar e estimular as atividades nas salas de apoio pedagógica; planejar, junto à equipe técnico-administrativo-pedagógica, as atividades do Conselho de Classe; colaborar com os demais integrantes da equipe os grupos de estudos periodicamente realizados na Escola; articular a elaboração do planejamento das atividades referentes ao regime de progressão parcial; acompanhar estágios da área pedagógica e desenvolver projetos sociais integrados com instituições afins.

O discurso informal permitia que a atuação dos coordenadores pudesse ser reunida em cinco atribuições: elaborar mecanismos punitivos aos alunos; supervisionar a elaboração das provas internas e externas, assim como o calendário das mesmas; auxiliar na execução dos projetos e compromissos estabelecidos pela SMEC, assim como o cumprimento dos prazos; mediar conflitos envolvendo familiares, professores e alunos; e participar da organização das reuniões para pais, centros de estudos e Conselho de Classe.

À Orientação Educacional, por sua vez, cabei as seguintes atribuições: promover a integração entre o corpo docente, discente e administrativo; participar do controle do processo da frequência dos alunos; acompanhar; analisar a apuração da assiduidade, prestando e

difundindo informações aos alunos, pais e responsáveis sobre a frequência; coordenar e avaliar as propostas da unidade escolar com base nas orientações e diretrizes da Secretaria Municipal de Educação e Cultura; pesquisar, estudar e selecionar assuntos específicos de seu campo de trabalho; planejar em parceria com os demais integrantes da equipe, o Conselho de Classe e grupos de estudos periódicos; subsidiar a equipe escolar com informações relativas às características da comunidade em que a escola está inserida, colaborando para a organização e adequação do currículo; encaminhar aos serviços de apoio especializado, em função das condições específicas, os alunos da rede escolar de ensino visando uma maior integração deles no processo de ensino-aprendizagem; promover atividade de orientação para o trabalho, tendo como princípio a relação trabalho-conhecimento, vinculada à prática social e; elaborar programas de Orientação Profissional que levem a uma reflexão crítica acerca do mercado de trabalho, das suas relações e ao pleno desenvolvimento do potencial humano.

No discurso informal, havia atribuições mais valorizadas que outras. A maioria de suas responsabilidades era de mediação de conflitos, de trabalho com as famílias e encaminhamento de alunos para profissionais especializados – psicólogos e fonoaudiólogos. Assim como se esperava da coordenação, esperava-se também da orientação educacional que ela elaborasse mecanismos disciplinadores e punitivos aos alunos.

No discurso informal, o trabalho de controle de frequência e o resgate de alunos infrequentes era atribuição da orientação. Formalmente, 30 dias consecutivos de faltas autorizavam a escola a evadir o aluno. A evasão significava, no interior da escola, o fim do compromisso e da responsabilidade da instituição com o aluno. Para isso ser feito, a atuação do orientador educacional era decisiva.

Havia um documento na escola chamado Ficha de Comunicação de Alunos Infrequentes (FICAI), que precisava ser enviado para o Conselho Tutelar antes que qualquer estudante fosse desligado. Neste documento, que era preenchido pelo orientador educacional, estavam informações pessoais do aluno, tais como, endereço, telefone para contato, filiação, idade e número de faltas. Em seguida, ele expressava quantas tentativas de contato haviam sido estabelecidas ao longo do tempo de ausência do aluno e de que forma aconteceram: visita domiciliar, telefonema, carta ou bilhete. Havia outro espaço que é destinado ao preenchimento dos motivos da ausência: por negligência dos pais, por ter se mudado, por desinteresse e outros. Nem sempre se conseguia contato, e nem sempre esse último quadro era preenchido

com detalhes. No entanto, era somente após o envio deste documento ao Conselho Tutelar e mediante o não comparecimento do aluno à escola, que se pode, enfim, desligá-lo da instituição. Uma vez elaborada e enviada, a escola torna-se autorizada, legitimamente, a desligar o estudante, evadindo-o.

No processo de preenchimento deste documento, alguns alunos acabavam voltando a frequentar a escola. Entretanto, poucas tentativas de contato eram exitosas. Uma parte ínfima dos alunos absenteístas voltava para a escola. Quando se tratava do aluno-problema, apesar do procedimento ser o mesmo, as chances eram ainda menores, pois o problema acarretado por sua ausência não era considerado maior que o problema ocasionado por sua presença.

A atuação de coordenadores e orientadores era decisiva para a construção e desconstrução do rótulo do “aluno que não quer nada” ou do “aluno perigoso”. Eram elas as pessoas que recebiam as queixas dos demais agentes escolares e que acabava se encarregando por tomar as “medidas cabíveis”.

Antes de um estudante tornar-se aluno-problema, era imprescindível que ele tivesse sido encaminhado para equipe pedagógica muitas vezes. No discurso informal, espera-se que estas intervenções aconteçam através da comunicação das infrações aos familiares dos estudantes. Ao longo desta pesquisa pude presenciar e participar de muitas destas conversas. Diante do aluno-problema, o que se falava era de suas falhas.

O assunto era unilateral. Quando os familiares ouviam as queixas da escola, deixavam estampado em seus rostos a vergonha que sentiam. Muitos até choravam. Quando não ouviam, queixavam-se também da escola. O registro no livro de ocorrências reforçava e dava legitimidade à queixa. Em alguns casos era preciso provar a “culpa” dos estudantes e a “equipe” era quem construía parte destes registros.

Enquanto orientador, tentava fugir a esta forma de atuação. Sempre que me colocava nestas conversas, buscava fazer isso a sós, tendo comigo apenas o responsável pelo aluno e, às vezes, o próprio aluno. Para parte da comunidade escolar esta forma de atuação não era legítima. Alguns me apelidavam de “orientador bonzinho” ou até mesmo “ingênuo” em sinal de

descrédito a minha forma de atuação. Outros me apoiavam, mas ainda assim tinha minha prática desacreditada.26

Outra forma de atuação muito marcante para a construção do aluno-problema estava na criação de relatórios e encaminhamentos. Eram os funcionários ligados à equipe pedagógica que faziam os encaminhamentos para setores externos à escola, muitas vezes, pressionados por outros agentes.

Esses encaminhamentos eram feitos mediante uma justificativa. Para elaborá-la, alguns professores se mobilizavam. E esse processo acabava legitimando as queixas produzidas e, consequentemente, contribuindo para que o estudante fosse visto pela comunidade escolar como um “aluno que não quer nada” ou até mesmo um “aluno perigoso”.

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