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4.4 PERCEPÇÃO DO IMPACTO DA ACREDITAÇÃO

4.4.3 O BSTÁCULOS PARA A ACREDITAÇÃO NA FH

Apesar dos indícios de mudança no foco de atuação da FH, houve unanimidade na percepção de que a AF ainda está muito centrada na questão logística, reflexo de anos de estagnação profissional e da falta de apoio dos próprios gestores. A alta administração ainda enxerga a FH como um importante centro gerenciador de custos e investe o mínimo necessário para garantir a certificação, permanecendo alheia aos anseios e pressões da equipe multiprofissional por ações e atitudes mais efetivas da FH no processo de cuidado.

Eu vejo mudanças, óbvio, é claro isso, mas a farmácia e o almoxarifado são estruturas administrativas que dão 40%, 60% do faturamento do hospital e é difícil você convencer seu diretor de coisas tão óbvias pra gente (...) A verdade é essa, é óbvio que durou porque é uma imposição, não é mais uma questão técnica. (GF01) Eu ainda tenho muita dificuldade de mostrar a importância. Nós ainda temos aquela coisa do dinheiro ali com a gente. Como temos 60% do dinheiro ali com a gente, é muito mais fácil deles entenderem que a gente é setor de controle do que um setor de prestação de serviços farmacêuticos e de assistência. Ainda é muito difícil separar, como a gente tem 60% do financeiro, eles entendem que a gente tem que ter só 10% de assistência, sabe, não tem o farmacêutico 24 horas, que mais que precisa? O farmacêutico precisa mesmo fazer reconciliação? Isso não dá pra fazer de outra maneira não, não dá pra pegar só 10 leitos e fazer? Um farmacêutico só não faz? Então, eu ainda tenho essa dificuldade de mostrar que o farmacêutico, precisa de muito mais do que tem hoje (GF02).

A farmácia começa a entender que o papel dela é importante também da porta pra fora, mas não consegue avançar para o modelo, ainda por um entendimento da administração engessado. A assistência fala, os gestores médicos falam da necessidade, mas eles não conseguem se unir pra lutar por aquilo de uma forma uníssona, entendeu, acho que a gente tá vivendo particularmente uma situação de caos controlado (GQ01).

Acho que ainda falta uma longa estrada para poder fazer com que os processos que a farmácia vem executando não sejam simplesmente a entrega de um produto. E sim um modelo de gestão farmacêutica que possa ir além, de acordo com a formação dele que é enfim, o papel assistencial (GE05)

Os dados sugerem que a clareza dos gestores, quanto à existência de diferentes processos no âmbito da AF, ainda é relativa. Tal fato representa um importante obstáculo na busca contínua pela qualidade da AF e um verdadeiro paradoxo. Araújo e Freitas (2006) reforçam tal conclusão em trabalho que avaliou a AF em unidades de saúde de Ribeirão Preto sob a perspectiva de farmacêuticos. Para os autores, a orientação das atividades da FH permanece vinculada ao controle de estoque, ancorada na justificativa da garantia do acesso ao medicamento e nas condições de trabalho oferecidas pelo empregador.

De fato, seria utópico pensar que todos os serviços poderiam passar do enfoque meramente logístico para um modelo focado na clínica, já que as ações do farmacêutico hospitalar, que visam melhorar os resultados da farmacoterapia, ainda são recentes no Brasil (PENAFORTE, 2006; SILVA, 2010; SANTANA et al., 2013). Além disso, o uso correto e eficaz dos medicamentos não pode estar dissociado da gestão destes produtos, que é o que garantirá o abastecimento e o acesso a estas tecnologias.

Um dos entrevistados ressaltou alguns vieses, onde mesmo sendo apontadas não conformidades, o selo é concedido, gerando certo incômodo e frustrações nos farmacêuticos, cuja expectativa por mudanças é muito grande. Tal percepção leva ao stress e desgaste do profissional, que ainda não tem autonomia gerencial e não consegue enxergar a qualidade como processo de melhoria contínua e não imediata.

Apesar de ser uma não conformidade apontada em toda visita, ela nunca me impediu de ser acreditada.(...) E quando você vê que a acreditação não traz uma mudança efetiva numa cultura administrativa, aí você começa até a duvidar daquilo. Será que isso é puramente mercadológico? Juro. Eu tenho várias críticas (GF01).

Para os stakeholders, ainda percebe-se uma relativa acomodação dos profissionais farmacêuticos, acompanhada de uma postura tímida e da dificuldade de compreensão do seu papel no todo. Outra dificuldade mencionada, é que as responsabilidades, agora reconhecidas e divididas sob a forma de pactos, nem sempre são devidamente assumidas, evidenciando impasses entre as equipes e fragilidades nas relações, que contradizem a interação tão exigida pela acreditação e ferem as expectativas, depositadas pelos clientes da FH.

Quando veio o processo de acreditação, o nível de exigência, ele veio pra todo mundo e eu acredito que esse nível de exigência, talvez, tenha se acelerado um pouco mais da porta pra fora e aí quando foi pra dentro da farmácia, ela foi um pouco reativa pra entender qual era o seu posicionamento nesse novo contexto. (GQ01)

(...) e aí essa divisão de tarefas meio que criou um atrito de quem faz o quê. Não, agora esse aqui é o teu papel e você tem que me entregar a droga para eu administrar. Se a droga não tiver no teu estoque, isso é uma responsabilidade tua. (...) Essa responsabilidade tá dividida, mas ainda não está assim assumida. (GE03) Enfermagem e médico que notificam que a farmácia não cumpriu aquilo que deveria cumprir. Daí, a percepção quando a gente entende que a expectativa que a gente quer como produto de entrega era muito maior do que a farmácia deveria entregar e não entregou (GE04).

Pelo pouco que eu vejo, é difícil você encontrar o farmacêutico que não fique só na frente da dispensação, que tenha uma visão mais aberta. Isso é bom para o mercado, isso é bom para a farmácia (GQ05).

Em publicação que propõe um modelo de acreditação para farmácias comunitárias, Silva (2003) também conclui que o papel do farmacêutico está marcado por uma crise de identidade, decorrente de um agir administrativo e, muitas vezes, anônimo, cercado de pouco preparo técnico e quase nenhuma autonomia gerencial para promover mudanças. Ressalta-se aqui que a gestão do uso de medicamentos e produtos para saúde tem como forte componente, além do conhecimento técnico, as relações interpessoais e a habilidade de comunicação em linguagem adequada, o que pode ser um fator limitante para execução de procedimentos pelos profissionais atuantes na FH (ARAÚJO; FREITAS, 2006).

A visão dos clientes é parcialmente percebida pelos farmacêuticos, que sentem uma grande carência em sua própria formação, sobretudo em relação aos aspectos clínicos, contribuindo ainda mais para a dificuldade de interação entre as equipes.

A acreditação também ajudou bastante para isso e sem dúvida o trabalho do farmacêutico deixa de ser aquela pessoa, aquele trabalho burocrático e tal e ser inserido de fato na clínica, e aí acho que a dificuldade da gente, que a gente começa a ver as defasagens realmente na nossa formação, que a gente não tem uma formação voltada pra assistência ao paciente, clínica, conhecimento de material, utilização de materiais e aí que se faz importante salientar as atividades multidisciplinares até pra gente agregar conhecimento e a gente poder passar um pouco da nossa visão que muitas das vezes é diferenciada dos outros profissionais de saúde. (GF03)

Araújo e Freitas (2006) acrescentam que a formação acadêmica não oferece um preparo adequado para o completo exercício da AF, dada a pouca atividade prática junto ao usuário do medicamento. Neste caso, é preciso inclusive questionar qual modelo de

formação seria o mais adequado para sistematização da prática assistencial, já que a adequação curricular dos cursos de farmácia deve contemplar tanto a melhoria dos conhecimentos clínicos quanto holísticos, que possibilitarão uma atuação mais eficaz do farmacêutico junto ao paciente (CHARLIE et al., 2010). A mudança, proveniente da academia, certamente contribuirá para uma maior conscientização dos farmacêuticos sobre o seu importante papel perante a sociedade (ARAÚJO; FREITAS, 2006).

Assim como no trabalho de Araújo e Freitas (2006), percebe-se que o enxuto dimensionamento de quadro, acentuado pela oferta de mão de obra auxiliar pouco qualificada, agrava a sobrecarga de trabalho, dificultando a implementação das ações e melhorias esperadas para a AF. Estes fatos, acompanhados de certa resistência e sofrimento para tornar a acreditação possível na FH, permitem que o farmacêutico se sinta acuado e, por vezes, se esquive de algumas responsabilidades, contribuindo para o atendimento parcial das expectativas dos clientes. Talvez os pontos negativos apresentados advenham da própria novidade, pois o novo projeta insegurança e resistência imediatas, porém momentâneas.

Se a alta administração não anda em conformidade com o que está sendo exigido de uma acreditação, como a gente faz? Os objetivos têm que ser comuns, a acreditação não pode estar em todos os setores e seu administrador não te dar aumento de quadro. Então, essa dicotomia habita a minha cabeça, bastante e todo dia. (...) Eu acho que todos aqui que passaram pela acreditação, não conseguiram sem trabalhar em casa, final de semana. O horário de trabalho não é viável (GF01) Os outros setores não entendiam, até então, o impacto do meu trabalho, o quanto a gente estava inserido em todos os processos. Então, com a acreditação veio a segurança do trabalho, a CCIH, a enfermagem, a fisioterapia, a qualidade....Todos começaram a enxergar o setor de farmácia e a sua real importância na instituição, porque todo mundo tinha que fazer seus pactos com o mínimo de interação e aí foram me inserindo. Não era mais aquela coisa de cada um vê o seu, cada um toma conta do seu. Então, foi um momento em que a demanda de atenção no setor de farmácia foi imensa, explodiu. (GF02)

É, mesmo o efetivo estando maior do que já foi no passado, eu ainda concordo plenamente que o farmacêutico no hospital ainda é sub-dimensionado. A gente ainda tem um quadro predominante de auxiliares, em detrimento de farmacêuticos e eu acho que o ideal seria justamente ou que fosse equilibrado ou que fosse mais farmacêutico do que auxiliar. (...) A farmácia agora pra acreditação tem que ter assistência. Assim como a enfermagem tem prestar assistência. Só que pra gente, além da assistência, ainda tem logística. Enfermagem tem gerente de enfermagem, coordenador de enfermagem, em cada setor muitas das vezes, supervisora, plantonista e o farmacêutico? Só o coordenador, o plantonista e ponto final. Os felizardos até têm rotina. Assim, se eu tenho logística e assistência, como é que eu vou fazer isso com o efetivo que tenho em mãos? Porque a mesma assistência eu também tenho que fazer (GF03).

(...) E, querendo ou não, o primeiro ponto que você pensa é: tem mais trabalho, isso aqui não vai dar pra implantar, isso aqui nunca vai funcionar, isso aqui também não vai pra frente; você sempre tende a pensar com pessimismo, mas com o tempo você vai vendo que é possível fazer (GF05).

Assim como no presente estudo, Cunha (2012) identificou, em pesquisa qualitativa que dimensionou a força de trabalho em FH da Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina, que a sobrecarga de trabalho por falta de mais profissionais, o estresse demasiado pelo grau de responsabilidade e a excessiva interferência da atividade profissional na vida particular, como os fatores negativos advindos da atividade farmacêutica hospitalar.

Urge a necessidade de uma maior conscientização da administração hospitalar para investimentos, que contribuirão para a estruturação dos serviços de farmácia, profissionalização das equipes e uma atuação mais centrada no sucesso da terapia medicamentosa e da melhora da qualidade de vida do paciente.