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Buckback Mountain, pornô destaque em 2008 e o ator Buck Angel

7) Laços de Família é a típica sessão que representa ou acompanha as mudanças de época e de discursos. Esta sessão tem se tornado cada vez mais presente, tornando- se praticamente fixa nos últimos três anos. Nessa primeira década do século XXI, ao mesmo tempo em que o debate público tem esquentado no que se refere à “con- jugalidade gay e lésbica” – em que os mecanismos sociais de formação de família (leis, juizados e religiões) têm sido constantemente acionados por cada lado do debate – essas narrativas tornaram-se mais frequentes e ganharam espaço próprio. É também um exemplo de sessão que vai trocando de nome conforme as inclina- ções das histórias. Depois de quatro edições do Mix como Laços de Família (2003, 2005, 2008 e 2009), em 2010, os filmes que tinham os relacionamentos familiares como foco formaram a sessão Modern Family, sem que haja uma diferença signifi- cativa entre elas, conforme os textos de apresentação dos catálogos:

LAÇOS DE FAMÍLIA (2008):

Famílias são sempre um caso sério. E, quando se é homossexual, uma das maiores pedras no sapato é a hora de sair do armário, seja para um parente querido (Vovó Sabe Tudo, dir.: Bob Giraldi, EUA, 2008), seja ao apresentar seu namorado (Silvester Home Run, dir.: Se- bastian Bieniek, ALE, 2008). A situação se agrava em famílias de cultura ortodoxa, como a grega (Eu Sou Gay, dir.: Nicolas Kolovos, SUE, 2008) ou a turca (A Esposa de Lot, dir.: Harjant Gill, TUR, 2008). As reações são sempre diferentes. A única coisa que costuma ser igual é o amor de pais por seus filhos (Custódia Compartilhada, dir.: Tim Slade, AUS, 2007;

Custódia Paterna, dir.: Jeff McMahon, EUA, 2007). (MIX BRASIL, 2008: 85)

MODERN FAMILY (2010):

Famílias que se amam, famílias que buscam se entender em suas particularidades, famílias disfuncionais. Nada muito diferente de todas as famílias ditas comuns. Afinal de contas de perto ninguém é normal. (MIX BRASIL, 2010: 57)

O que se tomou como “família moderna” nesta última edição, talvez se con- trapondo aos tradicionais “laços”, foram histórias sobre “um gay e sua amiga héte- ro [que] tentam fazer um bebê à moda antiga” (GayBy, dir.: Jonathan Lisecki, EUA, 2010), ou sobre as dúvidas sobre a própria paternidade de uma menina “cria- da no campo por duas mães” (Galinhas e Pintinhos, dir.: Becky Lane, EUA, 2009), ou sobre um rapaz que precisa trabalhar cedo, enquanto seu namorado dorme (O Filho do Padeiro, dir.: David Lambert, BEL, 2009), ou a história de duas mães que “questionam sua própria maternidade” a partir da vida afetiva de seus filhos (A mais forte, dir.: Ricky Mastro, BRA 2009), ou “uma família disfuncional mas feliz” (So- corrat, dir.: David Moreno, ESP, 2009), ou um mal entendido entre dois homens depois que o filho de um deles rouba gibis da loja do outro (Masala mama, dir.: Michael Kam, CIN, 2010).

A produção dessas sessões é arbitrária e talvez elas não devam ser vistas como decorrentes de um tipo de cinematografia que está disponível dentro de determi- nados assuntos. Outras épocas e outros olhares poderiam colocar um desses curtas, como Masala mama, numa sessão de transgêneros, pois toca no assunto, ou Socor- rat num conjunto de narrativas exóticas ou “outras esquisitices”, ou ainda Galinhas e Pintinhos, na sessão dedicada aos jovens. São decisões que talvez levem em conta a ausência de filmes suficientes para uma dessas sessões e se decida alocá-los por um outro marcador que os possa unir. Mas a opção por criar algo que soe como uma ode a um tipo de família – em todos os filmes há a recorrência da relação pais, mães e seus filhos – certamente não deixa de indicar um mapeamento de territórios possíveis para a produção de sujeitos. A problemática da formação de famílias a partir de arranjos não heterossexuais é talvez uma demanda das mais atuais das movimentações gays urbanas ao lado das situações de homofobia, marcando dos discursos das paradas gays aos debates no Congresso Nacional. Mas, por outro lado, a presença do tema não deixa de reforçar ainda mais a ideia de diversidade que o festival almeja.

A família com filhos como um caminho possível para as territorialidades gays também se tornou um tema recorrente nos longas que compõem o Panorama In-

ternacional, que falam de adoção, das relações entre pais e filhos e da paternidade ou maternidade como desejos possíveis. Um desses filmes, já referido anteriormen- te, Violeta é a tendência (EUA, 2010), tem como um de seus enfoques secundários a história de um rapaz – aliás interpretado pelo diretor do filme Casper Andreas – que procura obstinadamente realizar o desejo de adotar um filho, acionando uma rede de casais gays e lésbicos que realizaram a façanha, sendo que a maioria das crianças adotadas vem de países da Ásia. Além de alimentar esse desejo apaixona- damente, sem dividir diretamente com os amigos mais chegados – apesar de possu- ir um blog para troca de informações sobre o assunto –, ele ainda precisa convencer o namorado a embarcar junto no projeto, constituindo o tema não só como um novo território mas como um caminho que muito provavelmente é incompatível com toda a agitação da vida noturna “gay” presente de forma marcante no cotidia- no dos personagens. São filmes que parecem sugerir um desafio não para a ideia de família mas para a própria “vida gay”, fazendo necessário um afastamento de festas e amigos, ao mesmo tempo em que se promove um alargamento do que é conside- rado como legitimamente gay ou lésbico.

O curioso é que são modelos de família nada alternativos, baseados no velho padrão de parentalidade conjugal. Mais interessante é pensar que inúmeros arranjos familiares estão presentes no Mix Brasil, sem serem cerceados com essa temática, ou sem serem vistos por este lado, como as relações de amizade duradoura ou as relações entre avós e netos, ou mesmo as relações de incesto. São temas já difíceis que tornariam ainda mais complicadas as relações entre homossexualidade e famí- lia. Nesse contexto, parecem ser os gays os mais novos guardiões da velha família, e poucas vezes se ousa sugerir que outros velhos arranjos, não necessariamente base- ados em díades ou casais românticos, já sejam famílias. O documentário Dzi Cro- quettes (dir.: Tatiana Issa e Rafael Alvarez, BRA, 2009), um dos longas brasileiros exibidos no Mix em 2009 – e do qual volto a falar no próximo capítulo –, apresenta uma família formada por 13 homens que durante os anos 70 dividiram a vida e os palcos. O grupo-título do documentário apresentou durante a maior parte desse período a peça “Família Dzi” com a qual criticavam os padrões vigentes de família e sexualidade, com humor escrachado e homoerotismo, sem levantar um discurso que fosse entendido como “militância gay”. Durante o documentário, a expressão família é utilizada diversas vezes para se re referir ao grupo, que se torna uma alter- nativa familiar possível, porém bastante datada, localizada e apresentada como única, tendo um final pouco feliz – metade dos integrantes do grupo morreu em decorrência da AIDS ou foram assassinados em crimes provavelmente marcados por violência homofóbica –, o que parece suspender alguns dos efeitos subversivos das declarações iniciais no filme que enfatizam tanto aquela possibilidade.