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Mostra Coreanos Proibidos, no catálogo da 6ª edição (1998)

vez que trazem outros contextos não tão facilmente traduzidos, mas a estrutura do festival, seu modus operandi pode dificultar esse processo quando coloca os filmes dentro de um enquadramento anterior. O que não impede que cada uma dessas sessões seja um território de encontro entre diferentes culturas ou contextos de entendimento. São também filmes que nos trazem questões que extrapolam o cam- po das “culturas gays”, como a ditadura militar argentina, em Adoção, ou como os conflitos do Oriente Médio que parecem estar presentes na maioria dos filmes que compuseram a mostra Mundo Mix Israel, em 2008.

Apesar de sempre ter havido mostras que procuraram agregar filmes de proce- dências específicas, geralmente em sessões de curtas-metragens, como foi o caso de Cuba (em 1994), Coreia do Sul e Austrália (em 1998), Japão (em 1997) e México (em 1996), essa presença ganhou ênfase e maior espaço com a criação da mostra Mundo Mix em 2004. Naquele primeiro ano, seis programas de longas e curtas traziam mostras que ficaram a cargo de curadores de festivais da África do Sul, Alemanha, Indonésia, Itália, Canadá e Japão. Em 2005, foram duas mostras Mundo Mix, China (com longas) e África do Sul (com curtas). E desde então um país ou uma região passou a ter um destaque individualizado, com um conjunto de títulos que pode chegar fácil a uma dezena, entre longas e curtas: Argentina em 2006, Ásia em 2007, Israel em 2008, França em 2009 e América do Sul em 2010.

A presença dessas cinematografias se dá também na forma de “contato com re- alidades distantes” que de certa forma iluminam ou fazem pensar na realidade local, seja por situações semelhantes de discriminação ou por contextos totalmente opos- tos que podem de certa forma fazer o espectador se regozijar com um país e uma cidade como São Paulo que pode ter um festival como o Mix Brasil. Assim como a mostra Coreanos Proibidos de 1998 (ver IMG. 28), o texto de divulgação da edição de 2005 do festival é um exemplo:

MOSTRA MUNDO MIX: Com o objetivo de apresentar recortes da vida de outras cultu- ras, traz produções da África do Sul e da China. Do país asiático, onde este tipo de cinema- tografia sofre represálias do governo, vêm seis longas. Muitos deles estiveram em abril des- te ano no 2º Festival de Filmes Gays e Lésbicos de Pequim, que teve que ser realizado em uma fábrica abandonada, depois que a Universidade de Pequim, sede original (onde aconte- ceu o primeiro festival, em 2001), descobriu o teor do evento para o qual tinha cedido es- paço. Prevendo a proibição, os organizadores haviam comunicado à direção do campus que o festival seria apenas um evento sobre AIDS e saúde sexual. Entre os títulos do Mundo Mix está o já mencionado “Borboleta” (que estará na abertura paulista e terá uma de suas atrizes como convidada do festival) e “Garotos da China”, cujo diretor, Cui Zien, virá ao Brasil ao lado de outros dois realizadores chineses como convidado do festival.94

As mostras internacionais são talvez a parte mais vital da relação que o Mix Brasil trava com a rede de “gay and lesbian film festivals”, em que os diversos países

94 Release divulgado para a imprensa disponível no site oficial da 13ª edição do Mix Brasil,

que possuem produções que se encaixem na “diversidade sexual” parecem ser re- presentados a cada ano. Suzy Capó e André Fischer têm sido os personagens cen- trais dessas conexões desde a primeira edição do Mix, numa ponte que não é de mão única: cerca de 30 festivais realizados em outros países já receberam a seleção de curtas nacionais do Mix Brasil, ao mesmo tempo em que o Mix sedia todos os anos uma ou mais mostras provenientes de outros “gay and lesbian film festivals”. Em 2010, houve uma mostra do Pornfilmfestival Berlin, com curadoria de Jürgen Brüning, programador e co-fundador do festival alemão, um exemplo de mostras que trazem o “carimbo” de outros festivais.

3.3.1 Astros, diretores e a construção de um passado

Outra característica bastante comum que o Mix Brasil compartilha com a rede de “gay and lesbian film festivals” é o fato de receberem a presença não apenas de curadores como Brüning, que se faz presente anualmente no Mix. Diretores e ato- res internacionais têm sido uma das atrações centrais do festival junto com seus filmes. Os diretores, como já exemplifiquei, costumam participar de debates depois da exibição ou introduzem o filme com algumas informações. Já os atores, costu- mam figurar entre os personagens mais badalados nas exibições dos filmes e nas festas do festival. Na sessão Cinemão do Mix Brasil em 2010, citada anteriormente, realizada no Cine Dom José, o ator francês François Sagat foi a grande estrela da noite. O filme L.A. Zombie exibido naquela sessão e protagonizado por Sagat, trazia a inusitada história de um zumbi que fazia ressuscitar os mortos através de uma relação sexual, confundindo às fronteiras entre cinema pornô, de terror e tra- sh, bem ao estilo do diretor canadense Bruce LaBruce, outro nome bastante recor- rente nas programações do festival (IMG. 29).

LaBruce, por sinal, foi o primeiro diretor homenageado pelo Mix Brasil, em 1997, principalmente por conta de seu estilo irreverente que mescla as técnicas do cinema independente e alternativo com o cinema “pornô gay”. Os três longas – No skin off my ass (1993), Super 8 ½ (1994) e Hustler White (1996) – foram apresenta- dos na sessão Retrospectiva, inaugurando uma tradição no Mix de homenagens a diretores renomados e outros poucos conhecidos do cinema da “diversidade sexu- al”. Como a homenageada de 1998, a queniana radicada na Inglaterra, Pratibha Parmar, “uma premiada diretora de numerosos trabalhos que lidam com a questão da raça e da sexualidade”, conforme sinopse do catálogo do festival. Quatro curtas e um média-metragem desta diretora foram divididos em dois programas do festi- val, na sessão Retrospectiva, com histórias que vão do documentário à ficção, com boas doses de interseccionalidade, cruzando gênero e sexualidade, com questões étnico-raciais e sobre pessoas que vivem com limitações físicas (ver IMG. 30).

não apenas para as culturas gays, mas para a arte de forma geral, como Andy Wa- rhol (em 2002) e os Irmãos Kuchar (em 2006), ou mesmo cineastas cujo trabalho de certa forma se enquadra num contexto de cinematografia engajada, como o inglês Derek Jarman (em 2003), o norte-americano Todd Verow (em 2004), os franceses François Ozon (em 2005) e Jacques Nolot (em 2009) e o israelense To- mer Heymann (em 2010). Assim como as mostras divididas por procedências do Mundo Mix, estas baseadas em diretores promovem um mesmo conjunto de novas referências, seja pelo fator histórico, como as obras dos Irmãos Kuchar que foram influentes para o trabalho do próprio Warhol e de cineastas como John Waters95,

seja pela distância cultural, como o trabalho da cineasta anglo-queniana, ou mesmo da obra dos diretores franceses e israelenses que não possuem circulação comercial pelo Brasil.