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Depois de abordar o histórico e algumas das características centrais do Budismo japonês, passo agora a apresentar o desenvolvimento do ramo budista fundado por Nichiren8.

O “Budismo Nichiren” surgiu no período Kamakura (1185-1333), que é um marco na história budista japonesa. Nesse período, diversos líderes religiosos forjaram novas práticas e ensinamentos, trazendo, com isso, o Budismo para a vida do povo comum. Entre os mais notáveis líderes do período, encontra-se Nichiren (1222-1282).

8 O “Anuário das Religiões (Japonesas)” de 1999 lista 38 seitas do Budismo Nichiren, sem contar a Sôka

Gakkai, que é classificada à parte, como entidade religiosa independente ou tanritsu (Bunkachô 2000: 74- 76).

Sua vida e seus ensinamentos serão tratados no próximo capítulo. Por hora, farei apenas um breve relato dos rumos que os discípulos deram ao movimento iniciado por Nichiren. Às vésperas de sua morte, estima-se que Nichiren teria em torno de 260 discípulos. Entre estes, ele escolheu seis discípulos oficiais (Rokurôsô ou, literalmente, “Seis Monges Anciãos”), pouco antes de morrer: Nichiji (1250-1295), Nitchô (1252- 1317), Nikô (1253-1314), Nikkô (1245-1332), Nichirô (1242-1320) e Nisshô (1236- 1323). Como sustentam a Nichiren Shôshû e a Sôka Gakkai, Nichiren teria legado seus ensinamentos a Nikkô, o mais íntimo de seus discípulos, que lhe servia freqüentemente de secretário.

A desunião dos discípulos principais tornou-se evidente pouco após a morte de Nichiren. Havia uma combinação de que dezoito seguidores os seis mencionados acima mais doze monges da região de Minobu fariam rodízio para tomar conta do túmulo de Nichiren em Minobu, cada um ficando por um mês no local. O sistema funcionou por pouco tempo, pois, três dos Rokurôsô viviam em Kantô (região da atual Tóquio) e acharam o sistema inconveniente, além de estarem mais interessados no trabalho de difusão do que em ficarem em um lugar isolado.

Depois do primeiro ano de rituais fúnebres para Nichiren, Nikkô assumiu o posto de abade do templo Kuonji, em Minobu. Ele e seus discípulos mantinham o trabalho de conversões na região de Minobu (atual província de Yamanashi) e partes de Shizuoka, incluindo a península de Izu. Nichiji se juntou a Nisshô e Nichirô em Kamakura, seguindo, em 1294, para uma longa jornada de evangelização no exterior, rumo norte: Hokkaidô, Sibéria, China e Mongólia. Nisshô e Nichirô viviam em Kamakura e faziam proselitismo em Musashi (parte da atual Tóquio) e Sagami (Kanagawa). Nikô fazia o mesmo em Kazusa (Ibaraki e norte de Chiba) e Nitchô em Shimo-osa (sul de Chiba). Posteriormente, Nisshô, que tinha sido antes um monge Tendai, buscou a reaproximação com sua escola de origem, sendo seguido por Nichirô, Nikô e Nitchô. Ainda em 1294, um de seus discípulos mais jovens, Nichizô (1269-1341), iniciou a divulgação do novo credo na capital Quioto, numa tentativa de converter a Casa Imperial.

Nikkô estava cada vez mais distanciado dos outros cinco monges. Ao entrar em conflito com o administrador local, deixou o templo Kuonji em dezembro de 1288 e instalou-se no sopé do Monte Fuji, onde fundou, em 1290, o templo Taisekiji (Templo

da Grande Rocha). Pouco menos de oito anos depois, Nikkô fundou outro templo, o Honmonji, em Omosu, onde criou uma escola sectária para um treinamento doutrinário vigoroso. Nikkô viveu no Honmonji até sua morte, em 1333, aos 87 anos de idade.

O legado doutrinário de Nikkô assim como a sistematização do ensino feita pelo Sumo Sacerdote Nikkan (1665-1725) é uma das principais fontes para a posterior elaboração doutrinal da Nichiren Shôshû e da Soka Gakkai. A exemplo de seu mestre, Nikkô designou seis de seus discípulos como “Seis Monges Anciãos”, aos quais ele adicionou posteriormente outros seis. Convictos de serem os autênticos herdeiros de Nichiren e motivados pela rivalidade com os nichirenistas do templo de Minobu, esses discípulos percorreram o país em pregação.

A escola iniciada por Nikkô ficou conhecida por vários nomes alternativos: Fuji Monryû, Fuji-ha, Nikkô Monryû e outros9. Com o passar do tempo, essa escola se viu subdvidida em diversas seitas rivais, cada uma alardeando perpetuar a ortodoxia de Nikkô. Entre as principais estão as seitas centradas nos templos Taisekiji e Honmonji. O templo Taisekiji, por ter sido o primeiro templo fundado por Nikkô, tem a pretensão de ser a sede de todos os templos do Budismo Nichiren. Por outro lado, como Nikkô viveu um período maior de sua vida no templo Honmonji e por ele ter escolhido uma designação que significa “Templo do Verdadeiro Ensino”, seus monges interpretam que o próprio Nikkô o considerava principal.

No final do século XVI, as várias subseitas da escola Nikkô Monryû caminharam para a unificação, excetuando aquela sediada no Templo Taisekiji, que permaneceu independente e minoritária. Em 1912, esta seita passou a se chamar Nichiren Shôshû (“Seita Ortodoxa do Budismo Nichiren”), para reforçar sua independência e autenticidade ortodoxa. Esta ortodoxia repousa em duas fontes principais: os dois documentos em que Nichiren teria legado seus ensinamentos a Nikkô10 e o daigohonzon, a inscrição sagrada que consubstanciaria a sucessão e que a Nichiren Shôshû considera

9 “Monryu significa literalmente ‘portão-correnteza’, sendo ‘portão’ a expressão tradicional budista para o

ensinamento de Buda e ‘correnteza’ significando uma escola de pensamento ou, como foi usado em épocas posteriores, de qualquer arte ou ofício tradicional” (Murata 1971: 43).

10 Um documento é Minobu Shojosho, escrito por Nichiren em 12 de setembro de 1282, antes de partir

para sua última viagem; o segundo é o Ikegami Shojosho, escrito no dia em que Nichiren faleceu em Ikegami, no qual indica Nikkô para o cargo de Sumo Sacerdote do templo Kuonji. Como os originais se perderam em algum momento depois de 1540, apenas suas cópias estão preservadas no Taisekiji. As seitas rivais acusam os documentos de serem falsos (Murata 1971: 44).

ser o testamento de Nichiren para a humanidade. Como veremos no Capítulo 4, desde sua fundação até sua excomunhão pelo clero, em 1991, a Soka Gakkai era uma associação de leigos devotos da Nichiren Shôshû, de onde retirava sua principal fonte de legitimidade.

Como demonstrou Jacqueline Stone (1994), em um artigo bastante didático, o Budismo Nichiren possui, ainda, outra característica: a tensão recorrente entre exclusivismo e acomodação, na medida em que diversos monges e leigos encontram uma grande fonte de inspiração no zelo missionário e na perseverança de Nichiren frente às dificuldades.

Primeiramente, é preciso notar que, embora o fundamentalismo religioso não seja uma característica predominante na história religiosa japonesa, o período Kamakura (1185-1333) produziu uma série de movimentos reformistas do Budismo, com características mais ou menos exclusivistas, muitos pregando uma prática religiosa unilateral. A Escola Tendai ficou, por algum tempo, dividida em diversas ramificações concorrentes, cada uma proclamando maior fidelidade ao fundador Saichô e ser possuidora de uma verdade mais profunda e essencial. Hônen (1133-1212), articulador da tradição da Terra Pura no Japão, ensinava a prática simples e única da recitação do nome do Buda Amida (senju nenbutsu), como sinal de fé absoluta em seu poder salvífico. A Escola Sôtôzen, secundarizando as escrituras e o estudo intelectual, colocava ênfase na meditação (zazen) como instrumental para o despertar da natureza búdica em cada praticante, enquanto a Rinzaizen, priorizava a prática dos kôan (espécie de “charada” ou “quebra-cabeça verbal” a ser “resolvido” por meio da meditação e intuição, almejando mostrar ao praticante os limites do intelecto), com o mesmo objetivo. Nichiren pregava a fé absoluta e exclusiva nos ensinos do Sutra de Lótus e a prática da recitação de seu título, Namu-myôhô-renge-kyô, como único caminho possível para a salvação. Para ele, misturar esta prática com outras seria “o mesmo que misturar arroz com excremento” (apud Stone 1994: 232).

A fé incondicional de Nichiren nos ensinos proféticos do Sutra de Lótus levou-o a uma posição rigorosa em relação às outras seitas (acusando-as de possuírem um ensinamento parcial e, portanto, herético em relação ao seu) e aos governantes do Japão (por exemplo, sustentando o princípio de que não se deveria oficiar nenhum ritual para o

governante que não abraçasse o Sutra de Lótus). Desde o século XIII, sempre houve discípulos que mantiveram sua posição extremada, assim como houve aqueles que buscaram uma posição mais aberta e conciliadora, ou até mesmo que passaram de um posicionamento a outro. Já entre os discípulos diretos de Nichiren, pode-se observar esse conflito que conduziu aos primeiros cismas no movimento.

Antecipando-se a uma terceira tentativa de invasão do arquipélago pelos mongóis, o governo militar japonês (bakufu) ordenou que todos os templos budistas e santuários xintoístas deveriam oferecer preces para garantir a segurança do país. A princípio, os dois discípulos de Nichiren responsáveis pela região de Kamakura, Nisshô e Nichirô, recusaram a obedecer tal ordem, por contrariar a orientação do mestre. Diante da ameaça governamental de destruir os templos e banir o clero, Nisshô e Nichirô voltaram atrás e concordaram em realizar os rituais solicitados. Esta decisão, que abria um precedente conciliatório, foi duramente criticada pelos seguidores de Nikkô e pavimentou o caminho para o primeiro cisma no movimento nichirenista. O incidente modelou o padrão recorrente na tradição Nichiren: indivíduos e grupos procurando legitimar sua própria ortodoxia frente aos grupos rivais do movimento nichirenista através da reapropriação do posicionamento exclusivista do fundador (Stone 1994: 236- 37).

O “exclusivismo do Lótus” não se restringiu ao âmbito religioso, mas se misturou freqüentemente com interesses sociais, políticos e institucionais específicos, seja na sustentação de um transitório governo autônomo em Quioto na primeira metade do século XVI, em revoltas populares de seguidores do Lótus (Hokke ikki), ou na forma de resistência à autoridade governante (ibidem: 241-46; ver também Kitagawa 1966: 122). Durante a época medieval, a tensão exclusivismo-conciliação se manifestou na controvérsia entre aqueles que aceitavam o princípio fuju fuse (lit., “não receber nem oferecer nada”, signficando que o devoto do Sutra de Lótus não deveria receber nem dar donativos ao não-devoto, mesmo que este fosse o governante) e os que pregavam o princípio mais conciliatório ju fuse (lit., “receber sem dar”). O potencial subversivo do movimento fuju fuse fez com que sofresse uma repressão ferrenha por parte do governo e fosse, juntamente com o Cristianismo, banido durante o período Tokugawa (1900- 1868). Ambos eram incompatíveis com a orientação política da época, por colocarem a

religião acima do governo: um defendia a fé absoluta no Sutra de Lótus e o outro, na autoridade inquestionável do Papa. Com a supressão do movimento fuju fuse e a proibição de disputas sectárias, a facção rival ganhou o mesmo perfil das demais escolas budistas, controladas pelo governo bakufu. Seus seminários enfatizavam os estudos inclusivistas Tendai e somente permitiam o acesso a certos textos de Nichiren a um grupo seleto de monges-noviços (Stone 1994: 243-46). No final do período Tokugawa (1600-1868), apareceram devotos do Budismo Nichiren que, desafiando as autoridades, fizeram proselitismo e criticaram a proibição governamental de mudança de credo religioso.

No início da era Meiji (1868-1912) marco histórico da modernização do país diversos devotos fizeram, também, a defesa da verdade exclusiva e incomparável do ensinamento do Lótus. Entretanto, o momento político era delicado. Como o Budismo se tinha atrelado ao xogunato Tokugawa, o governo Meiji tentou purificar o Xintoísmo de suas influências budistas (shinbutsu hanzen-rei) e promover um novo credo xintoísta centrado no imperador. Sob essa atmosfera, o Budismo foi temporariamente perseguido (haibutsu kishaku): muitas estátuas budistas foram destruídas pelo fogo, monges budistas foram despejados e alguns templos tiveram suas terras confiscadas. Porém o governo teve que recuar, devido à pressão estrangeira e porque esta tentativa oficial de separar o Xintoísmo do Budismo mostrou resultados apenas no nível institucional: o povo continuava com suas práticas devocionais sincréticas.

Seguindo-se à perseguição ao Budismo, surgiu um movimento de promoção do entendimento mútuo entre as várias escolas budistas. Alguns dos desdobramentos desse movimento foram: a criação, com a participação da linha nichirenista mais conciliatória, da “Liga de Cooperação Intersectária” (Shoshû Dôtoku Kaimei), em 1868, e da “Sociedade para a Harmonia e Respeito” (Wakyôkai), na década de 1870; e o lançamento de projetos sociais e filantrópicos intersectários budistas, nos moldes cristãos. Esses nichirenistas se inseriam numa tendência, iniciada ainda no final do xogunato, de releitura das teses de Nichiren. Um dos pioneiros desse processo de codificação e atualização doutrinal do nichirenismo foi Udana-in Nichiki (1800-1859), que rejeitava a premissa central de um dos livros fundamentais de Nichiren (Risshô

Ankoku-ron), de que a paz e a segurança da nação dependeriam do estabelecimento do Verdadeiro Ensino. Inspirando-se na exortação de Nichiren de que o método de divulgação do Sutra de Lótus deveria estar de acordo com as necessidades da época, Nikichi ainda sustentava o abandono da prática tradicional de proselitismo (shakubuku),11 num momento em que a mudança de religião era proibida por lei. Ele também estava atento para o crescente sentimento anti-budista daquele período histórico. Seus discípulos seguiram esta linha ecumênica e um tanto quanto iconoclasta no contexto da tradição Nichiren, e por esse motivo foram criticados pelas facções mais ortodoxas e fundamentalistas.

Esses desdobramentos todos são dignos de menção por deixarem claro que o Budismo Nichiren não é uma escola monolítica. Ao contrário, vimos que, desde a morte do fundador Nichiren, houve um predomínio da tensão entre acomodação/conciliação e exclusivismo. E essa tendência continuou na segunda metade do século XIX e no século XX, com surgimento de propostas inspiradas em Nichiren, por vezes, indo em direções opostas.

Um dos aspectos mais importantes do Budismo Nichiren nos últimos 150 anos é a formação de associações e de novos movimentos budistas voltados para os leigos, em parte como uma resposta à estagnação do Budismo tradicional no país. Pioneira nessa tarefa é a seita Honmon Butsuryûkô (posteriormente, Honmon Butsuryûshû), fundada em 1857 pelo ex-monge da seita Honmon Hokkeshû, Nagamatsu Nissen (1817-1891), que rejeitava a autoridade do clero e dos templos, e pregava a fé no Sutra de Lótus. No mesmo ano da Restauração Meiji, 1868, foi fundada por Shimamura Mitsu (1831-1914) a seita Renmonkyô, um sincretismo que combinava a fé no Sutra de Lótus, rituais xintoístas de purificação e curas pela fé. Em 1919, três leigos devotos do Sutra de Lótus fundaram a associação Reinotomo-kai (posteriormente, Reiyûkai), que combinava o ensinamento de Lótus com a prática do culto aos antepassados. Até o começo da década de 1990, a Reiyûkai tinha dado origem a aproximadamente trinta grupos diferentes,

11 Shakubuku significa literalmente “quebrar e subjugar”, isto é, destruir a fé incorreta do adepto em

potencial e convertê-lo para o verdadeiro ensinamento (no caso, o do Sutra de Lótus). Este método de conversão não é invenção nem monopólio da Sôka Gakkai ou das seitas Nichiren, constituindo apenas um dos dois métodos tradicionais de proselitismo budista. O outro, shôju, mais moderado, significa conversão gradual (Murata 1971: 102). No Brasil, o termo tanto se refere ao método e à prática de conversão quanto

entre os quais destacam-se a Risshô Kôseikai, fundada por Myôkô Naganuma (1889- 1957) e Nikkyô Niwano (1906-1999).

Ainda, durante o período militarista do Japão, alguns líderes nichirenistas estabeleceram uma conexão entre o método de conversão mais agressivo (shakubuku) com o expansionismo japonês. Um dos pioneiros desta linha moderna é o escritor Chôgyû Takayama (1871-1902). Por um tempo, Takayama adotou o chauvinismo nacionalista da época (Nippon-shugi) e denunciou todas as religiões como meras superstições, ao mesmo tempo que se voltou para o individualismo e a leitura ávida de Nietzche até sua conversão ao Budismo Nichiren no último ano de sua breve e ativa vida. Em Nichiren, Takayama encontrou a possível realização de uma libertação pessoal, entremeada por idealismo, culto ao herói, patriotismo e romantismo (Anesaki 1930: 377- 79).

Outro dos mais citados e influentes pensadores dessa linha é o pregador leigo Chigaku Tanaka (1861-1939). Combatendo a linha conciliatória, Tanaka pregou uma doutrina Nichiren popularizada e leiga, com coloração nacionalista o Nichirenismo (Nichirenshugi) e fundou a Kokuchûkai (“Sociedade dos Pilares da Nação”). Para ele, Budismo Nichiren e Japão eram inseparáveis e essenciais um ao outro; Nichirenshugi e Nippon Kokutai (os princípios ético-políticos responsáveis pela essência do Japão) estariam em sintonia; a união e o trabalho conjunto dos dois levaria o mundo a se render aos ensinos de Nichiren (reinterpretado em termos do Xintoísmo prevalecente na época).12

Nichiren é o general do exército que irá unir o mundo. O Japão é seu quartel. O povo do Japão constitui suas tropas; professores e estudiosos do Budismo Nichiren são seus comandantes. O credo Nichiren é uma declaração de guerra e o shakubuku é um plano

serve para o membro designar a pessoa a quem converteu. Assim, é comum se ouvir alguém dizer, “fulano é meu shakubuku”, indicando que converteu esta pessoa.

12 Edwin Lee nota que a importância de Chigaku Tanaka não é tanto pelo conteúdo de suas idéias, mas

pelo impacto que exerceu em pessoas das mais variadas origens sócio-econômicas e ocupações: “Takayama Chogyû [1871-1902], que, embora de vida tragicamente curta, é agora reconhecido como sendo um dos proeminentes estudiosos do período Meiji; Anesaki Masaharu [1873-1949], talvez o mais influente intérprete japonês do Budismo para o leitor ocidental; Miyazawa Kenji [1896-1933], um poeta- camponês de genialidade sublime; Inoue Nisshô [1886-1967], um terrorista radical ativo em numerosos complôs ultra-nacionalistas na década de 1930; e Ishiwara Kanji [1889-1949], um comandante do exército

de ataque. A fé proporciona coragem; a doutrina proporciona apoio logístico. O exército para unificar todas as nações do mundo deve ser formado desta maneira. …A fé do Lótus vai preparar aqueles que estão indo para a batalha. O Japão realmente tem um mandado celestial para unir o mundo (apud Lee 1975:26).

A similaridade de alguns traços entre a Kokuchûkai de Chigaku Tanaka e a Sôka Gakkai é surpreendente (cf. Lee 1975: 24). Ambas enfatizavam um método proselitista contundente (shakubuku), herdaram de Nichiren a idéia da missão redentora do Japão no contexto mundial e mantinham um perfil independente no ramo budista Nichiren. Segundo Tanaka, o Japão deveria ser primeiramente reformado com base nos ideais do Budismo Nichiren para poder cumprir a sua missão de “país escolhido”. Almejando um modo prático e direto de implementar a reforma do Japão, Tanaka criou a Rikken Yôseikai (lit., “Sociedade para o Estabelecimento de uma Constituição Correta”) em 1923 e, no ano seguinte, disputou sem sucesso uma vaga na Câmara Alta do Parlamento. Como veremos no Capítulo 4 (4.1), Jôsei Toda reorganizou os membros (especialmente os jovens) da Sôka Gakkai nos anos cinqüenta inspirado na ordem militar (com destacamentos ou pelotões, comandantes, estandartes, sala de comando, etc.). Durante sete anos, a campanha de conversão lançada por Toda (“Grande marcha de conversão” ou Shakubuku daikôshin) tinha por alvo a realização da profecia de Nichiren: a conversão em massa dos japoneses e, após a conversão do imperador, a construção de um grande salão de culto com recursos públicos e por decreto imperial (kokuritsu-no- kaidan), que se tornaria o ponto difusor e centro mundial da “Religião Suprema”. Reinterpretando o princípio do ôbutsu myôgô (lit., “união ideal do rei com o Budismo”), deslanchou a participação política da Gakkai, o que resultou na criação do bem-sucedido partido político Kômeitô (lit., “Partido do Governo Claro/Puro”). Ou seja, tanto na Kokuchûkai quanto na Sôka Gakkai, recorreu-se à política como forma de implementar uma versão específica do Budismo Nichiren, o qual reserva um papel preponderante para a nação japonesa e para seu imperador. Apesar desses paralelos, não encontrei nenhum texto que comprovasse uma ligação direta entre a Kokuchûkai e a Sôka Gakkai.

que considerava o Incidente Mukden, que ele próprio ajudou a planejar, como o primeiro estágio na disseminação do Caminho Imperial pelo mundo” (Lee 1975: 34).

De todo modo, tenhamos em mente que a Sôka Gakkai surgiu no acima-descrito contexto de modernização e adaptação do Budismo Nichiren e do debate nacional sobre a missão japonesa no novo cenário mundial. O desenvolvimento histórico dessa organização budista será o tema do Capítulo 4.

Antes de concluir, é preciso dizer ainda que há pelo menos sete grupos religiosos do Budismo Nichiren no Brasil: três grupos tradicionais (Nichirenshû, Nichiren Shôshû e Kenpon Hokkeshû) e quatro grupos criados mais recentemente (Honmon Butsuryûshû, Reiyûkai, Risshô kôseikai e Sôka Gakkai)

Quadro 4: Budismo Nichiren no Brasil

Nome do grupo Fundador(es) Introdução no Brasil Nichirenshû Nichiren (1222-1282) 1954

Nichiren Shôshû

(Associação Hokkekô do Brasil)

Nichiren (1222-1282) (Nikkô, 1246-1333)

1960

Kenpon Hokkeshû Nichijû Shônin (1328-1379) 1974 Honmon Butsuryûshû Nagamatsu Nissen (1817-1891) 1908 Reiyûkai Kakutarô Kubo (1892-1944) e

Kimi Kotani (1901-1971)

1975

Risshô Kôseikai Myôkô Naganuma (1889-1957) e Nikkyô Niwano (1906-1999)

1971

Sôka Gakkai Tsunesaburô Makiguchi (1871- 1944)

1960

1.4 - Milenarismo, messianismo, utopia e novos movimentos religiosos

No princípio, era o caos, um oceano de lama tomado pela escuridão. Depois de uma sucessão de várias gerações de divindades, que brotaram espontaneamente do caos primordial, aparece o casal Izanagi e Izanami com a missão de arrematar a criação, produzindo tudo o que há na terra e povoando-a com miríades de kami (deuses). Entre os novos kami gerados, destaca-se a Deusa do Sol, Amaterasu Ômikami, que, ao retirar- se para as Planícies Celestiais, deixou seus descendentes com a incumbência de