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2 2 O estudo das religiões: tentativa de situar o grupo japonês

O tema da religiosidade sempre atraiu os pesquisadores desde a constituição das ciências sociais no Brasil, na década de 30. Mesmo antes do estabelecimento da disciplina, a partir do final do século XIX, médicos, psiquiatras e juristas, com viés antropológico, voltaram-se para a pesquisa da religiosidade afro-brasileira. Por décadas a fio, diversos pesquisadores brasileiros (Raimundo Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Manuel Raymundo Querino, Edson Carneiro, Gilberto Freyre, René Ribeiro, Oracy Nogueira) e estrangeiros (Roger Bastide, Emilio Willems, M. Herskovits, Claude Lévi- Strauss, Alfred Metraux, Curt Nimuendaju) desenvolveram trabalhos pioneiros sobre determinadas manifestações religiosas que destoavam da ortodoxia católica, particularmente as religiões afro-brasileiras, as religiões indígenas e, em menor escala, as “seitas” protestantes e o catolicismo popular.

A antropologia, com sua orientação inicial de estudar o exótico e o marginal, tornou-se o campo privilegiado e predominante para o estudo da religião. Nos anos 50 e 60, os sociólogos brasileiros, tendo seus trabalhos predominantemente instruídos por conceitos tais como desenvolvimento, integração nacional e luta de classe, não priorizavam e, por vezes, levantavam suspeitas com relação ao tema da religiosidade (Mariz 1993). Com o surgimento da Teologia da Libertação6, no final dos anos 60, e o

engajamento de um setor clerical nos movimentos sociais, os sociólogos e os cientistas sociais, de modo geral, redescobriram a religião como uma “força politicamente significativa” e, portanto, passível de se tornar objeto de pesquisa.

6 De forma geral, o marco do surgimento da Teologia da Libertação é a II Conferência Episcopal dos Bispos da América Latina, em Medellín, em 1968. Essa Teologia foi bastante ativa nas décadas de 70 e 80, através tanto de escritos teológicos quanto das Comunidades Eclesiais de Base, propondo uma Igreja comprometida com a causa dos pobres e oprimidos. Dessa forma, essa “teologia da praxis” trouxe a

Cecília L. Mariz (1993: 76-77) confirmou o predomínio da antropologia no estudo da religião e a recorrência privilegiada de determinados temas, ao pesquisar o “Boletim Informativo Bibliográfico” (BIB) e os catálogos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Entre 1980 e 1992, 11% das teses em ciências sociais cadastradas pelo BIB versavam sobre religião. De 34 teses sobre religião, 26 procediam de programas de pós-graduação em antropologia, seis de sociologia e apenas uma de ciência política. Por outro lado, das 584 teses registradas no catálogo da ABA, cobrindo os anos 1945- 1990, 55 são sobre religião (este tema só é superado pelo da etnologia indígena, com 84 teses).

Quanto à temática das teses sobre religião registradas pelo BIB, ainda segundo o levantamento de Mariz (1993: 77-79), predominam as que abordam a Igreja Católica (quinze entre 34, correspondendo a 44,1%), as religiões afro-brasileiras (onze teses; 32,2%) e o Protestantismo (cinco teses; 14.7%). A maior parte das teses sobre religião catalogadas pela ABA, entre 1945 e 1990, aborda as religiões afro-brasileiras; este tema é seguido, a certa distância, pelo do Catolicismo e do Protestantismo. Mariz ainda nota que, dos 117 trabalhos apresentados nos encontros anuais da Associação Nacional de Pós- Graduação em Ciência Sociais (ANPOCS), entre 1980 e 1992, 52 eram sobre Catolicismo, 26 sobre religiões afro-brasileiras e 7 sobre Protestantismo. O estudo da diversidade religiosa no Brasil chegou a formar, portanto, uma tradição consistente de trabalhos, que veio a priorizar alguns tópicos e grupos religiosos, como o Catolicismo Popular, as Religiões Afro-brasileiras, a relação entre religião e Estado, as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), o Espiritismo-kardecista, o Pentecostalismo e outros. Certos grupos marginais e/ou mais recentes têm sido relegados a estudos menores e de menos divulgação. Entre esses grupos, podemos incluir as religiões “orientais”. São raras as tentativas de avaliar o campo religioso no Brasil, em que há alusão às religiões orientais, particularmente as japonesas (veja, por exemplo, Deelen 1967; Mariz 1993; Oro 1993; Mariz & Machado 1998). Quando há menção às religiões japonesas, estas são, por vezes, percebidas apenas na versão de “religiões étnicas”, embora haja várias que já possuem de 50 a 95% de seus membros sem ascendência japonesa.

religião de volta para o terreno político e para a militância pública. Entre seus expoentes, podemos citar o peruano Gustavo Gutiérrez e os brasileiros Leonardo Boff e Dom Hélder Câmara.

De uma forma bastante genérica, podemos dizer que as tradições religiosas da Ásia começaram a chegar no Brasil a partir da segunda metade do século XIX, filtradas pela elite intelectual, através do Espiritismo-kardecista e de várias tradições esotéricas. Somente a partir de 1908, as religiões japonesas foram introduzidas no país, basicamente como religiões étnicas. Enquanto algumas tradições esotéricas permeiam o universo religioso brasileiro por mais de um século, as religiões japonesas ultrapassaram as fronteiras da colônia nipônica há somente quatro décadas.

Se as religiões japonesas demoraram a cruzar as fronteiras da “colônia” em direção à sociedade nacional e somente conquistaram parcela relativamente grande de adeptos não-descendentes de japoneses a partir da década de 60, os estudiosos brasileiros também tardaram a dar atenção a esse fenômeno religioso.

Um estudo pioneiro foi feito por Gonçalves Fernandes, em seu livro “O sincretismo religioso no Brasil” (Fernandes 1941), que aborda as “seitas, cultos, cerimônias & práticas religiosas e mágico-curativas entre as populações brasileiras”. No livro, o autor dedica um capítulo à religião japonesa Oomoto (fundada por Nao Deguchi em 1892) e a caracteriza como um tipo de “curandeirismo” no qual se manifesta um “sincretismo católico-budista-bahá-espírita” (ibidem: 80, 84, 93).

Logo após a II Guerra Mundial e, depois, no final da década de 50, a religiosidade nipônica foi novamente objeto de estudo. Podemos citar como estudos característicos deste período os de Emílio Willems e Hiroshi Saito (1947), sobre o movimento social- milenarista Shindô-Renmei7, e da equipe de Seiichi Izumi (1957), que tomava a religião

como parte de um estudo mais abrangente da comunidade nipo-brasileira. Por fim, pesquisas sistemáticas e intensivas apenas surgiram nas décadas subseqüentes, como a tese pioneira de Takashi Maeyama sobre a Seichô-no-ie (Maeyama 1967).

7 Durante a II Guerra Mundial e nos anos imediatamente posteriores, a colônia japonesa esteve dividida entre os “vitoristas” (kachigumi) e os “derrotistas” (makegumi), ou seja, entre aqueles que não admitiam a derrota japonesa na guerra e os que a admitiam. Com o fim da guerra os “vitoristas” radicalizaram suas posições através do movimento Shindô-Renmei (“Liga do Caminho dos Súditos”). Vieira (1973: 239, nota 21) indica uma conotação messiânica desse movimento, que é atestada por “inúmeras referências, nessa época, à vinda de navios que levariam os japoneses de volta para o Japão, um Japão vitorioso, onde eles não sofreriam mais opressões e maus-tratos”. O movimento social Shindô-Renmei foi comparativamente bem estudado por seu caráter de “sociedade secreta” quase-religiosa (“seita nacionalista” segundo Fernando Morais 2000). Fora os vários artigos sobre esse assunto, no Brasil já foram defendidas duas teses (Nakadate 1988; Hatanaka 1993) e publicado um livro (Morais 2000).

É interessante notar que as diferentes perspectivas dos estudos sobre as religiões japonesas ao longo dos anos traduzem uma série de mudanças: substituições de paradigmas nas ciências sociais; alterações no relacionamento entre a sociedade nacional e a comunidade nipo-brasileira; mudança na estratégia proselitista dos grupos religiosos; e desenvolvimentos no campo religioso brasileiro.

Primeiramente, o livro de Gonçalves Fernandes reflete o fato de que as religiões japonesas e orientais, de modo geral, começaram a ser pesquisadas sob a forma de estudos de grupos religiosos marginais e/ou de sincretismos religiosos no Brasil. A maioria desses “cultos” e “práticas mágico-curativas” era vista como forma de charlatanismo e, portanto, como caso de polícia. Durante um certo tempo, o Japão era inimigo de guerra e os imigrantes japoneses viviam uma situação particularmente difícil de gueto. Nos estudos posteriores, o foco teórico-metodológico voltou-se para os estudos de comunidade e para o debate sobre aculturação, com valorização do aspecto religioso. Paralelamente à mudança no paradigma acadêmico, iniciou-se um processo de melhoria da imagem dos japoneses no Brasil e um esforço da própria comunidade nipo-brasileira no sentido de resolver suas divisões internas e aprofundar o nível de integração à sociedade nacional. No final dos anos 60, mas sobretudo a partir dos anos 70, tanto o meio acadêmico quanto o clero católico despertaram para a proliferação de novos credos, entre os quais despontam alguns de origem japonesa (nessa época, os nomes mais lembrados eram a Seichô-no-ie e a PL, por terem sido os grupos japoneses pioneiros dessa época no trabalho missionário entre brasileiros não descendentes de japoneses). Desde então, na medida em que as ciências sociais começam a reconhecer a força das organizações multinacionais e o processo acelerado de globalização do mundo, as religiões japonesas são estudadas na perspectiva mais abrangente da transnacionalização de comunidades religiosas.

Diante do contingente de estudiosos do fenômeno religioso no Brasil, o número de pesquisadores das religiões japonesas é ainda diminuto embora crescente e o montante de trabalhos publicados sobre essas religiões é comparativamente pequeno. Além disso, esses estudos são pouco divulgados tanto na academia quanto entre o público em geral. Isto se deve a vários fatores.

Primeiramente, ainda predominam na academia o estudo sobre certos temas como religiões afro-brasileiras, Catolicismo popular, etc. O caráter étnico da grande maioria das religiões japonesas também as limitava à comunidade nipo-brasileira. Por outro lado, muitos dos textos antigos escritos sobre essas religiões foram publicados em revistas especializadas, de restrito acesso. Parte dessa bibliografia de até algumas décadas atrás foi escrita em língua japonesa, e uma porção menor, em língua inglesa.

No entanto, tem crescido bastante o número de teses e artigos sobre o tema, sendo que os grupos mais estudados são a Seichô-no-ie, a Instituição Religiosa Perfect Liberty (PL) e algumas escolas budistas.

Até o momento, conhecem-se onze teses sobre religiosidade japonesa no Brasil (dez defendidas no Brasil e uma nos Estados Unidos): há duas teses de mestrado sobre a Seichô-no-ie (Maeyama 1967, Marrach 1978), uma sobre “teodicéias inspiradas na tradição oriental”, incluindo a Seichô-no-ie (Silva 1988), três sobre a PL (Telerman 1990, Fujikura 1992, Gonçalves 1998), uma enfocando a Mahikari e a Igreja Messiânica (Machado 1994), uma analisando três formas de Budismo em Brasília (Matsue 1998), uma sobre a Sôka Gakkai (Maranhão 1999), uma sobre a noção de morte entre os japoneses (Norte 1994) e uma tese de doutorado sobre a Igreja Messiânica (Matsuoka 2000).

Em breve, deverão ocorrer as defesas de, pelo menos, outras sete teses: uma sobre o “sincretismo espírita” dos descendentes de okinawanos (doutorado, Unicamp), uma sobre o Zen-Budismo (doutorado, Universidade de Western Sydney/Austrália), uma sobre a Tenrikyô (mestrado, USP), uma sobre a PL (mestrado, PUC-SP) e três sobre a Igreja Messiânica (doutorado, PUC-SP; mestrado, USP; doutorado, Universidade de Tsukuba/Japão). Ou seja, há uma explícita tendência de crescimento do número de estudos sobre religiões japonesas no Brasil.

Note-se, no entanto, que, até o momento presente, a única tese publicada sobre o tema foi a de Leila Marrach (Albuquerque 1999).

Quadro 5: Teses sobre religiosidade japonesa no Brasil

Ano Objeto de estudo Pesquisador Instituição Nível

1967 Seichô-no-ie Takashi Maeyama Escola de Sociologia e

Política

Mestrado

1978 Seichô-no-ie Leila Marrach Pontifícia Universidade

Católica (PUC-SP)

Mestrado

1988 Seichô-no-ie Magnólia G. C. Silva UFPe-PIMES Mestrado

1990 Perfect Liberty (PL)

Rosali Telerman Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP)

Mestrado 1992 Perfect Liberty

(PL)

Yumi Fujikura Pontifícia Universidade

Católica (PUC-SP) Mestrado 1994 Igreja Messiânica, Mahikari Paulo Toledo Machado Filho

Universidade de São Paulo Mestrado 1995 Noção de morte

entre japoneses

Selmo J. Queiroz Norte

Universidade de Brasília Mestrado 1998 Nishi Honganji,

Sôka Gakkai (e Budismo Tibetano)

Regina Yoshie Matsue

Universidade de Brasília Mestrado

1998 Perfect Liberty (PL) Hiranclair R. Gonçalves Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Mestrado

1999 Sôka Gakkai Alba C. F. de

Albuquerque Maranhão

Universidade Federal de Pernambuco

Mestrado

2000 Igreja Messiânica Hideaki Matsuoka Universidade da Califórnia- Berkeley

Doutorado

2.3 - Religiões japonesas no Brasil

A difusão das religiões japonesas no estrangeiro remonta ao século XIX, com a emigração temporária de trabalhadores japoneses para os canaviais havaianos (maio, 1868) e os arrozais da Ilha de Guam (junho, 1868). Há registro da atividade de monges budistas no Havaí já em 1889.8 Porém, a primeira organização budista a manter

atividades religiosas em bases regulares e formais foi a seita da Terra Pura (Jôdoshû), em 1893, no Havaí. Esta iniciativa foi seguida pela Nishi Honganji (1897), Nichiren-shû (1901), Sôtô-Zen (1904) e Shingon-shû (1914). A emigração japonesa para os Estados Unidos (São Francisco) começou em 1869, tornando-se mais intensa, porém, somente na década de 1890. A Tenrikyô iniciou suas atividades proselitistas na Califórnia em 1896,

8 Sobre o início do movimento emigratório japonês, consultar Tajiri & Yamashiro (1992); sobre a expansão ultramarina das religiões japonesas, ver Maeyama (1983), Inoue (1985), Nakamaki (1985, 1986a, 1989, 1990), Shimazono (1991), Mori (1992), Pereira (1992a), Clarke & Somers (1994), Reid (1996) e Clarke (2000).

enquanto que a Nishi Honganji construiu seu primeiro templo em São Francisco, em 1898.

Esse padrão de difusão religiosa através do (e para o) imigrante japonês repetiu-se em diversos países, incluindo o Brasil. A expansão religiosa também ocorreu paralela e/ou associada à expansão militar e à colonização japonesa na Ásia. Muito freqüentemente, monges budistas eram despachados como “capelães” junto aos destacamentos militares em missões externas (Fujii 1990: 611). A Tenrikyô e vários grupos budistas tradicionais começaram a divulgação pela Ásia na década de 1880. Porém, a Tenrikyô e, em menor escala, a Konkôkyô e a Oomoto tornou-se pioneira na conquista de fiéis não-descendentes de japoneses, além de ter obtido a maior expansão nesse período inicial. Nessa época, inclusive, a Tenrikyô inovou ao enviar fiéis emigrantes à Manchúria para construir a Manshû Tenri Mura (“Vilarejo Tenri na Manchúria”) e Onisaburô Deguchi, co-fundador da Oomoto, tentou estabelecer uma teocracia messiânica na Mongólia, na década de 1920 (ibidem: 611-17).

O imigrante japonês trouxe consigo para o Brasil, dentro desse contexto mais amplo, não somente suas expectativas e idealismo, como também uma religiosidade calcada na história milenar do País do Sol Nascente. Kôichi Mori (1992) faz um apanhado geral da “vida religiosa dos japoneses e seus descendentes residentes no Brasil”, combinando sua descrição e análise com uma periodização da história da imigração japonesa. A seguir apresento a sinopse de seus dados na forma gráfica de um quadro:

Quadro 6: Imigração e religiões japonesas no Brasil

Período Contexto histórico e

sócio-econômico do imigrante japonês

Situação religiosa

1908 à década de 20: Ausência de religião

Introdução maciça de imigrantes japoneses (imin) para substituir trabalhadores europeus nas fazendas de café (SP), em 1908.

Japoneses vinham com a

“estratégia de trabalho temporário de curta duração”, para fazer uma poupança e retornar ao Japão.

Formação das primeiras

“colônias” no interior e início da constituição do bairro japonês em São Paulo.

Diversas restrições às atividades dos missionários não-cristãos levaram a uma contenção das atividades proselitistas. Por um lado, o próprio governo japonês inibiu essas atividades para que o imigrante não sofresse discriminação no contexto de hegemonia católica; por outro, a maioria dos imigrantes não era composta de primogênitos, o que os desobrigava do tradicional culto aos antepassados (no Japão tradicional, o primogênito herdava os bens da família, com a responsabilidade de zelar pelos membros vivos e de cultuar os antepassados). Ainda há que se considerar a situação de adaptação e dificuldades financeiras do imigrante.

Décadas de 20 e 30: Ativida- des religiosas na colônia

Os imin começam a mudar a

estratégia para “trabalho

temporário de longa duração”,

passando de colonos a

agricultores independentes ou arrendatários. Formação de “colônias de japoneses” no interior de São Paulo e migração para a capital paulista (bairro japonês).

“Reunião de palestra budista” e construção de santuários xintoístas indicam mudança “da necesssidade formal dos serviços religiosos para funerais e culto aos mortos, à emergência das aspirações religiosas dos imigrantes”. Culto ao imperador japonês era elemento principal de integração social nas colônias. Atuação católica e protestante entre os imin. Religiões japonesas iniciam divulgação “informal” através de fiéis imigrantes (Honmon Butsuryûshû, Oomoto, Tenrikyô e Seichô-no-ie). Últimos anos da década de 30 ao começo dos anos 50: Êxodo rural – migração urbana

Política nacionalista de Vargas

impõe controle sobre as

atividades dos imin, com

proibição do ensino do idioma e da circulação de jornal em japonês. As condições favoráveis da economia brasileira durante a guerra, com valorização dos produtos agrícolas, elevaram o padrão de vida dos imin. Alguns passaram de arrendatários a agricultores independentes; outros se mudaram para as cidades, em busca de melhor educação para os filhos, ingressando na “antiga classe média”. Com a derrota japonesa na guerra, muitos imin

decidiram pela permanência

O controle governamental brasileiro atingiu também as atividades religiosas, o que levou a uma espécie de “hibernação das religiões japonesas”. O japonês que decidiu permanecer definivamente no Brasil, passou a se identificar e a ser identificado como o “antepassado da família”, que seria cultuado, a nível doméstico, depois de sua morte.

definitiva no Brasil. Década de 50 até hoje: Época urbana – Ressurrei ção das religiões japonesas e seu desenvol vimento posterior

90% dos imigrantes foram

levados para a zona rural, porém, devido à intensa migração urbana, a partir dos anos 40, a situação se inverteu: hoje, 90% dos nipo- brasileiros têm domicílio urbano. Praticamente toda a comunidade nipo-brasileira se insere na classe média e tem mantido alto nível de integração na sociedade nacional. O enfraquecimento do culto ao imperador; “a migração urbana e

conseqüentes mudanças de

camada social e adaptação às condições urbanas; o surgimento do conceito de ‘permanência definitiva’, etc. foram os fatores que induziram à ‘ressurreição das religiões japonesas’” no período seguinte.

Enquanto os japoneses (issei) tendiam a se apegar majoritariamente ao Budismo, grande parte de seus descendentes (nikkei) era batizada no Catolicismo, por conveniência social e interesses práticos. Três categorias de grupos xintoístas: santuários voltados para imin nas colônias rurais; sincretismos nipo-brasileiros fundados por médiuns (na maioria mulheres); organizações vindas diretamente do Japão. Fundação da Federação das Seitas Budistas no Brasil (1958). O ressurgimento das religiões japonesas nos anos 50 era inicialmente um fenômeno restrito à colônia; entre as décadas de 60 e 70, no entanto, as novas religiões, em particular, ultrapassaram os limites étnicos e se difundiram na sociedade brasileira.

A princípio, a prática religiosa ficou ofuscada e colocada em segundo plano. Isto não significa que o imigrante tivesse abandonado sua religiosidade nos primeiros anos da imigração. Note-se, por exemplo, que um missionário da Honmon Butsuryûshû Tomojirô Ibaragi (posteriormente, Arcebispo Nissui Ibaragi, 1886-1971) conseguiu ser incluído na primeira leva de imigrantes que veio para o Brasil (1908), porque Ryû Mizuno, presidente da companhia de emigração, era adepto dessa religião. Porém, trabalhando em diversos ofícios, a começar pelo de agricultor, Ibaragi não conseguiu muitos resultados em sua missão proselitista nas três primeiras décadas.

Em 1918, a escola budista Honpa (ou Nishi) Honganji manifestou a intenção de enviar missionários ao Brasil, mas tal intenção apenas serviu para justificar a decisão do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão de restringir ao máximo o envio de missionários que não fossem católicos. Apesar disso, em 1920, foi construído o Santuário xintoísta do Bugre no núcleo colonial de Uetsuka, na atual cidade de Promissão (SP), e, em 1928, houve um projeto malogrado de construção de um santuário xintoísta na colônia Aliança (que se chamaria Suwa Jinja).

Tem-se informação, também, da chegada ao Brasil da primeira família da religião Oomoto em 1924. Os primeiros fiéis da Tenrikyô chegaram em 1914, porém seus

missionários somente foram despachados em 1929. O trabalho proselitista da Seichô-no- ie começou na década de 30, pouco depois de sua fundação. Assim, um após outro, pelo menos 56 grupos japoneses entraram ou foram criados no país (veja Tabela 2 adiante).

De todo modo, devido ao contexto restritivo às atividades dos missionários não- cristãos, a prática religiosa entre os imigrantes limitava-se, em geral, a momentos extremos (como a morte de alguém) e a preces individuais ou diante do oratório budista (butsudan). Esta situação levou à instituição quase que espontânea do sistema de bonzos “leigos” ou “improvisados”. Quer dizer, diante das inúmeras mortes causadas por acidentes de trabalho ou por doenças (particularmente, pela malária) nos primeiros anos da imigração e tendo em vista a falta de bonzos profissionais, os budistas (leigos) mais fervorosos e conhecedores de alguma oração eram convocados para “despachar” os mortos.

O sociólogo japonês Takashi Maeyama, não considerando a vinda (ou tentativas de vinda) de adeptos e missionários de várias religiões japonesas, concentrou sua análise no comportamento da maioria dos imigrantes, tendencialmente apática em relação à prática religiosa:

… as atividades religiosas foram postas de lado e permaneceram quase esquecidas. As cerimônias concernentes ao enterro e o culto aos mortos não desenvolveram além de “uma medida de emergência”. Em caso de luto, alguém da comunidade que recordava, ainda que sejam fragmentos da sutra budista, era chamado para ofertar um réquiem amador ao morto. No aniversário de falecimento, o mesmo homem rezaria alguns versos