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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.2.4. Burocracia como ferramenta de democracia

O entendimento de burocracia como indispensável e condição necessária para a ordem democrática é uma das premissas no qual este estudo de caso está embasado. Ela possui papel indispensável no sentido de permitir ao Estado legitimidade, capacidade de melhor produzir – tecnicamente, melhor ação administrativa em termos de impessoalidade e neutralidade (ABRUCIO & LOUREIRO, 2018, p. 28). Dizem os entrevistados sobre ela:

“Então mesmo que a burocracia ainda seja um motivo que afaste os artistas e produtores do edital, ela ainda é a ferramenta mais democrática e a mais coerente entre acesso à verba pública versus sociedade” (ENTREVISTA – 002)

“Burocracia, muito embora ela não seja excessiva, ela existe, é necessária. Mas também não vejo isso como um grande problema, eu entendo que parte da nossa função é pensar no edital como um todo, pensar no edital como um todo é também pensar em quanto nós vamos atingir as pessoas e preparar as pessoas para poder acessar, fazer parte dessa estrutura.”(ENTREVISTA – 003)

A burocracia é o processo necessário de racionalização e profissionalização de todas as organizações no mundo contemporâneo, uma vez que estas teriam de ter melhor desempenho para atingir seus fins diante da secularização e da maior competição interorganizacional. O saber técnico e sua utilização sistemática seriam, assim, características burocráticas intrínsecas a todas as organizações hoje.

46 Apesar da tentativa de democratizar o acesso por meio da burocracia e oferecer oportunidades iguais para os participantes das seleções, a burocracia exclui, independentes dos excluídos pelo processo burocrático serem detentores de conhecimento técnico artístico relevante no caso analisado.

“a cultura trabalha com a imaterialidade, então se eu for falar da capoeira, eu tenho um grupo grosso da capoeira que não tem formação, por exemplo, são pessoas que estão na oralidade, que adquiriram seu conhecimento na prática, fazendo. E tem um produto que deve ser registrado, deve ser contemplado e apoiado. Mas esse grupo dificilmente vai conseguir ter acesso por conta da burocracia”. (ENTREVISTA – 002)

Para Weber (1982, p. 229), a burocracia moderna funciona sob formas específicas. A burocracia está sob a regência de áreas de jurisdição fixas e oficiais, ordenadas por leis e normas administrativas. Ela estabelece relações de autoridade, delimitada por normas relativas aos meios de coerção e de consenso. De acordo com Prestes Motta (1981, p. 33), “as organizações burocráticas estão veiculadas à estrutura social. Elas reproduzem uma estrutura social característica de uma formação social. Essa reprodução significa uma recriação ampliada das condições de produção em uma dada sociedade, em um dado sistema econômico”. A constituição da burocracia moderna foi um processo de criação de capacidades administrativas orientado politicamente, em busca de aparato estatal com melhor desempenho e de

accountability republicana.

“Eu acho que a gente está evoluindo e o que fazemos agora pode não ser o ideal, mas é por onde eu acredito que seja mais democrático, seja mais transparente, principalmente né se tratando de dinheiro público, é importante, acho que essa burocracia até se justifica um pouco pelo dinheiro público e de ser transparente. E isso de tipo é uma chamada pública, para várias pessoas, todo mundo ficar sabendo que aquela ferramenta existe, que todo mundo pode tentar, basta seguir aquelas regras assim, não tem tanto julgamento de valor, se vai dar lucro ou não, porque se você tem condições de realizar seguindo aquilo ali, aqui pode fazer e o movimento devolva, o investimento que foi dado para a sociedade.” (ENTREVISTA – 009)

O entrevistado acima afirma que embora não seja ideal, o modelo burocrático é o mais viável para a finalidade da política pública em referência que é o fomento de projetos culturais que se dá por meio de destinação de erário público aos contemplados. Esse ambiente regulado por normas legais, editais, prazos, e etc. garante, de acordo com o verificado, uma utilização mais ampla e democrática de acesso. Porém, embora fora dito anteriormente que ele é construído em conjunto, a entrevistada abaixo afirma que há itens que não tem como se

47 distanciar, uma vez que ele segue estrutura de edital. Ressalta-se que editais do local tem como base normativa a Lei das Licitações na parte que esta aborda sobre concurso. Segue a fala:

Os editais a gente constrói coletivamente quando a gente apresenta, ele abre para propostas. Mas na verdade, na verdade, pouca coisa se mexe. Porque você não tem como fugir da estrutura do edital. Então pouca coisa você só define algumas regras do jogo. Mas a estrutura de edital a gente não consegue muito mexer (ENTREVISTA – 003)

O crescimento da participação social se mostrou diretamente associado ao processo de formação dos agentes culturais. A qualificação destes possibilitou uma melhor compreensão em relação à importância do atendimento às exigências burocráticas estabelecidas nas leis para que se possa ter acesso aos recursos públicos, bem como, houve o entendimento de que esta mesma burocracia possibilita transparência e condições de igualdade aos participantes de um edital de fomento.

“E eu acho que o fomento, o edital, os editais constantes fizeram com que as pessoas se aprimorassem, as pessoas faziam a especialização em gestão e produção cultural, as pessoas foram atrás de um encargo cultural, as pessoas foram atrás de vários outros editais para entender e participar desse jogo. Um jogo que se a gente pega e separa da cultura, os editais era um jogo que já estava posto pelo Poder Público há muito tempo nas licitações públicas, nós é que não tínhamos a prática de participar disso” (ENTREVISTA – 005)

A fala do entrevistado aponta que o modelo implantado gerou pessoas especializadas no modelo burocrático aplicado a cultura e que este é similar às licitações públicas. Indica o estabelecimento de um modelo que gerou pessoas com formação com especialização e gestão cultural, revelando uma prática instituída.

Nesse sentido, Abrucio & Loureiro (2018) afirmam que quando a burocracia se estabelece plenamente, ela se situa entre as estruturas sociais mais difíceis de serem destruídas, configurando-se um meio de transformar ação comum em ação societária, racionalmente ordenada. Dessa forma, constitui um instrumento de poder, de dominação, pois, ninguém pode ser superior à estrutura burocrática de uma sociedade.

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