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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.2.5. Clientelismo

O início da “política de editais” no município de Manaus através dos órgãos de gestão da do poder executivo do município de Manaus ligados à cultura teve início meados dos anos 2000 com o projeto “Valores da Terra” da extinta Fundação Villa-Lobos. Até aquele momento, desde a antiga Secretaria Municipal de Cultura, Desporto e Lazer – SEMCLA a forma de apoio às manifestações culturais e artísticas ocorria através de “apoio direto” mediante demanda no gabinete do secretário ou gestor da pasta (COSTA, 2011).

Embora houvesse a presença de editais esporádicos, a influência para obtenção de recursos para execução de projetos era presente, com forte característica de clientelismo partidário, como relata o entrevistado abaixo:

“mas nas gestões anteriores do xxxxxxxxxx e tudo, eu via que era muito isso, descaradamente dessa forma e o xxxxxxxxxxxxxxr me apoiava, porque ele era amigo do xxxxxxxxxx e eu sou assessor do xxxxxxxxxxxx há 11 anos, o xxxxxxx mandava mensagens para o xxxxxxxx e o que eu pedia para o xxxxxxxxx, o xxxxxxxx liberava, mas por conta dessa relação política, não é?” (ENTREVISTA – 008)

A relação de clientelismo se faz presente devido a um determinado nível de lealdade entre patrão e cliente, baseada em distribuição de recompensas materiais ou simbólicas e que estão à margem do sistema jurídico. Para Ottman (2006), muitas carreiras políticas brasileiras são sustentadas no clientelismo, citando como exemplo a eleição de membros do legislativo, os quais direcionam o orçamento para subsidiar ações assistenciais privadas de sua base eleitoral.

49 IMAGEM 03 Exemplo de pedido de apoio que foi atendido de acordo com a conveniência do gestor

Fonte: arquivo da entidade

A partir de 2015 em diante, a maneira com o qual o incentivo, apoio e/ou financiamento de projetos se deu unicamente por meio de editais. Suprimindo as práticas não institucionalizadas.

50 IMAGEM 04 – Comissões de avaliação técnica e de seleção de editais

Fonte: arquivo da entidade

Os entrevistados expuseram que a utilização desse mecanismo ofereceu aos interessados a oportunidade de participação nas seleções independente de conhecimento ou proximidade de gestores ou figuras políticas com poder de influência. Sobre esse tipo de práticas, falam os entrevistados:

“Antigamente a gente tinha muita a questão do apadrinhamento político, a força política que a gente praticamente exigia na questão da execução dos nossos, das nossas demandas para as comunidades. E isso também foi afastando, isso foi enfraquecendo, tanto é que o quadro atual do nosso folclore retrata, nós deixamos enfraquecer esse movimento. Porque a questão política ela atrapalha um pouco no crescimento dessas, das demandas reais da nossa comunidade. A gente praticamente era atendido, quem tinha força política.”(ENTREVISTA – 012)

“acho que durante muito tempo quando não tinha os editais, existia a política de balcão, né, que é usado ali, inclusive isso é bastante repetitivo o ponto, né, que a gente ainda vê muito, principalmente nas periferias, ali o papel daquele que é o líder da comunidade, que dialoga com o vereador que foi eleito dali da área, que muitas vezes consegue (...) Mas enfim, a gente sabe como é que isso funciona de certa forma também, né? (ENTREVISTA – 013)

51 Com o processo sendo institucionalizado na capital amazonense, seguindo o modelo que vinha acontecendo em outras partes do país, uma nova geração de artistas, produtores, agentes e demais atores que compõem o campo já iniciam suas atividades profissionais tendo conhecimento dos meios pelos quais podem fazer uso, independente de classe social, conhecimentos com pessoas influentes ou favorecimento diferente de práticas passadas.

“Eu escuto falar que antes, que quando eu comecei a entrar no mundo da arte, já estava rolando os editais federais, do pró-arte, que era uma coisa, pelo menos a Selma que trabalhou muito comigo, falava que isso aí não existia, ou era lá no balcão, você conhecia alguém para conseguir alguma verba ou algum apoio. Então eu não consigo falar de antes, que eu já cresci sabendo que isso existia e que era algo que eu poderia usar” (ENTREVISTA – 009)

Diante dos dados coletados nas análises documental e entrevistas e tendo por base a teoria institucional, verificou-se que a política pública com finalidade de institucionalização de processos de decisão de destinação de fomento aos projetos culturais na cidade de Manaus teve direta participação da sociedade quando da sua elaboração e implantação de seu modelo. Participam ativamente os artistas, produtores culturais, os representantes do Poder Executivo municipal como diretores e técnicos, além de demais membros da sociedade civil organizada se assim o desejassem. A participação se deu pessoalmente nas reuniões, oficinas e/ou treinamentos além da forma virtual na plataforma da própria instituição (meios esses tidos como burocráticos) e, retornos a sociedade se deram por meio de atos formais da entidade, publicados tudo com vistas a legitimação do modelo.

Ademais, o modelo de editais possui dentre suas características uma disputa com regras claras e públicas com critérios técnicos; publicidade de informações; transparência, oficinas participativas e cursos de formação; presença de audiências públicas; construção participativa de destinação de valores e segmentos contemplados; e, conta com a sociedade como um todo sendo receptora dos benefícios. Porém, devido aos procedimentos e rituais burocráticos, há demora no repasse dos recursos aos contemplados. O modelo discricionário não possui os itens supracitados, privilegia um pequeno grupo para recebimento de repasse, entretanto, possui uma maior agilidade no repasse dos recursos devido a não utilização de normas e processos burocráticos.

52 No que concerne a diferenciação dos modelos, a institucionalização apresentou, até o momento maiores benefícios para os atores do campo da cultura. Entretanto, a busca por legitimidade e atendimento as demandas dos stakeholders envolvidos afastam a eficiência no que diz respeito a agilidade do repasse financeiro para execução dos projetos, que por conta da burocracia conforme citada no parágrafo anterior, demoram meses para serem realizados.

A escassez de documentos limitou a análise aos anos 2013 a 2018 e alguns entrevistados afirmaram que em período anterior ao estipulado, era comum a prática do “toma lá, dá cá” no financiamento de projetos culturais, o que caracteriza não formalização de processos. Embora não seja o modelo ideal, de acordo com entrevistado, o modelo burocrático é o que melhor permite o uso racional do erário público e mais adequado para o caso estudado.

Como pontos relevantes da percepção social dos envolvidos figuram a transparência, a formação como forma de inserção social, a burocracia como ferramenta de democracia, clientelismo enquanto prática que limita o acesso de forma justa, devendo ser evitado e, como um dos mais importantes a Cultura como item essencial, devendo o Estado garantir sua presença e promoção.

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