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Considerando o mercado como a zona de contato entre o produtor (autor/texto/editor) e o consumidor (leitor), é preciso levar em conta a distribuição e os pontos de venda dos livros. A distribuição é feita por diversos canais, como feiras, Internet, marketing direto, bancas, porta-a-porta, supermercados, igrejas, e, é claro, as livrarias. Geralmente, dependendo do tamanho da editora e seu departamento comercial, há a opção de se contratar uma grande distribuidora ou outra independente, ou mesmo a venda direta para as livrarias, podendo ser ou não por consignação. Segundo Earp e Kornis, é difícil precisar o número de livrarias no Brasil (por volta de 1.500 estabelecimentos), pois não há um levantamento preciso. O fato concreto é a concentração de 90% delas na região Sudeste, segundo os pesquisadores. Em muitas cidades brasileiras, não há nenhuma livraria propriamente, mas apenas um local no qual se vendem livros, geralmente escolares. Os livreiros são representados pela Associação Nacional de Livrarias (ANL), que vem organizando-se diante de problemas do setor, como a concorrência com as grandes redes. Problemas como a venda de outros artigos, como suprimentos de informáticas e produtos audiovisuais, ou a oferta de grandes descontos no preço de capa. Em reportagem recente142, o presidente da entidade, Eduardo Yasuda, afirma que a maior parte das livrarias não tem como concorrer com as grandes redes, que podem dar descontos maiores para o consumidor final. A entidade começa a articular a criação da lei do preço único para o livro. Tema controverso: alguns países adotam essa política (Alemanha, Áustria, Holanda, Espanha, França), que estabelece um teto máximo para o desconto a ser dado para o consumidor final.

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Bourdieu, “Sistemas de ensino e sistemas de pensamento”, p. 214.

141Rildo Cosson, em seu livro Letramento literário, problematiza as relações entre Literatura e Educação

no Brasil, o valor da literatura em nossa sociedade e as possibilidades de ensino de literatura, mesmo considerando-se os fatores mediadores na escolha das obras, como o cânone e a indústria editorial.

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Segundo Yasuda, a lei, a partir de um acordo entre editores e livreiros, garantiria a manutenção das pequenas livrarias e editoras, além de diversificar o mercado. Também, a médio prazo, baratearia o livro, pois, com mais livrarias, as tiragens aumentariam, o que faria diminuir o preço da edição. Contudo, nem os estudos econômicos do BNDES têm uma posição definida sobre o assunto, que divide opiniões em todo o mundo. De qualquer maneira, a concentração em grandes redes tem sido notória em quase todos os setores econômicos, e no setor editorial não é diferente, inclusive na ponta de venda, que é a livraria.

Até mesmo dentro de uma livraria há decisões importantes a respeito do posicionamento de seus produtos. Critérios como espaço a ser ocupado, lançamentos, divulgação de resenhas positivas, estoque são os habituais. Existem práticas, assumidas por algumas editoras e livrarias, nas quais as livrarias estabeleceriam preços para colocar livros em um lugar de destaque na vitrine ou nas estantes da entrada, conforme apontou reportagem da Folha de S. Paulo.143 Tanto a Livraria Cultura quanto a Fnac assumem a prática, bem como a Editora Sextante e a Ediouro. Importante dizer que outras empresas lamentam a prática, como a Editora Record e a Liga Brasileira de Editores, que reúne pequenas editoras. Sérgio Herz, diretor da Livraria Cultura, afirma que “o espaço vendido é minoritário em relação ao destinado à indicação editorial da rede.”144Os não-defensores da prática acham que o livro não deve ser tratado como uma mercadoria qualquer, como um produto de gôndola de supermercado, pois trata-se de um produto diferenciado. Nas polêmicas a respeito da comercialização do livro, como a do preço único e as práticas das grandes redes, aparece o ponto nevrálgico da discussão sobre esse mercado: a duplicidade de seu objeto, ora mercadoria, ora bem cultural, que deve ter leis de defesa contra a mercantilização excessiva. Contudo, é vendido e tem seu preço.

Como a livraria é um dos agentes do mercado, também trabalha com nichos de potenciais consumidores, divididos em faixas e poder aquisitivo. Cada vez mais, a pequena livraria de rua cede lugar às grandes redes localizadas em shopping centers, distantes dos bairros de periferia. Neste processo de mediação, o leitor é localizado na hierarquia social, em crescente especialização, como aponta Tânia Pellegrini. Ela destaca, por exemplo, que o público de classe média das revistas de atualidades, introduzidas no Brasil na década de 60 (Realidade, Veja, IstoÉ, Visão), passou a ver

143LIVRARIAS cobram para o destaque nas vitrines. Folha de S. Paulo. 12 mar 2006. Ilustrada. P. E1. 144

como um valor importante acompanhar os lançamentos do mercado, uma vez que “esta descobriu então que, para estar bem informada, deveria incluir, no panorama semanal de novidades, algum livro recém lançado, possivelmente um ‘novo’ e ‘moderno’ romance de um talento apenas descoberto ou de algum autor consagrado e até mesmo um texto de ‘denúncia’ do estado das coisas”145.

Além das livrarias, há a venda direta, ou porta-a-porta. A Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL) reúne editoras, atacadistas e varejistas desse setor, cujo público-alvo são os consumidores de baixa renda, que dividem suas compras em várias prestações e não tem acesso ao crédito formal, como os cartões. Segundo Earp e Kornis, a ABDL reúne editoras pouco conhecidas da classe média e alta, como Difusão Cultural do Livro, Centro Difusor de Cultura e Ridel, sendo os livros mais vendidos as obras infantis, a Bíblia, livros de culinária, livros para pesquisa escolar, manuais práticos e manuais de cuidados.146 Segundo a pesquisa do BNDES, são obras baratas, com custos editoriais e gráficos mais baixos, que trabalham com tiragens altas, com possibilidade de realizar vendas a longo prazo. É um nicho de mercado distante das instâncias legitimadoras do campo literário, como lista de mais vendidos, resenhas, prêmios etc. São livros não-escritos para seus pares. Há poucos trabalhos dedicados a essas editoras, como a Editora Luzeiro, voltada à literatura de cordel, livros de piadas e obras dedicadas a ensinar a escrever cartas de amor, e as Edições O Livreiro, que tem livros muito vendidos, como O Livro de São Cipriano e Livros de Sonhos. Jerusa Pires Ferreira, pesquisadora dessas editoras, afirma que “ao fazer-se o cálculo dessas tiragens e percentuais do público leitor, sobretudo em relação aos das editoras que atendem às classes mais abastadas e ´instruídas´, percebe-se a importância desta análise, como primeiro passo, para que se possa saber, de fato, a quantas anda o livro no Brasil e para pensar numa nova história do livro.” 147 É oportuno lembrar, a título de exemplo, a pesquisa de Ecléa Bosi com operárias148, na década de 1970. Os livros citados por suas entrevistadas foram comprados, em sua maioria na porta da fábrica, de uma Kombi, ou então em bancas de jornal: “Na maior parte dos casos, é o livro que se põe no caminho da operária, e não ao contrário. A escolha é restrita ao que se apresenta.”149 E, nesse

145Id., p. 162. 146

Earp; Kornis, op.cit. p.,51.

147Ferreira, “Livros e editoras populares”, p. 115. Ver também da autora “Os livros de sonhos - texto e

imagem”.

148Ver Bosi, Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias. 149

caminho, entre sua casa e a fábrica, não há as livrarias tradicionais, e se houvesse, o acesso aos livros ali expostos seria economicamente difícil.

O campo literário brasileiro e seus diversos agentes, como as casas editoriais, os canais de distribuição e de venda de livros, as instituições governamentais, bem como o público, foram analisados neste capítulo em sua perspectiva diacrônica. De uma produção e circulação incipiente até os primeiros best-sellers, as mulheres têm buscado a sua inserção de forma gradativa no mercado editorial. Das proprietárias de periódicos femininos, às primeiras editoras mulheres de cunho militante e feminista, até às contemporâneas “empresárias”, a presença feminina vêm se ampliando, ainda em negociação com os estereótipos de gênero.

Nesse aspecto mais “comercial” do campo literário, a participação das mulheres amplia-se continuamente, de produtoras a público potencial, com todo o recorte social que é devido. E essa participação está intimamente ligada ao próprio acesso à alfabetização, à possibilidade de serem autoras e leitoras, e profissionais de mídia que, em última instância, têm feito a ligação entre esses dois pólos do sistema literário. Esse é o tema do próximo capítulo.