• Nenhum resultado encontrado

3. CRÍTICA LITERÁRIA FEMINISTA

3.2. Feminismo(s) e Estudos Feministas

Ao falar da inserção das mulheres no campo literário brasileiro, é preciso resgatar os movimentos feministas como forças atuantes e, assim, chegar ao desenvolvimento de sua vertente de crítica literária. Aqui, o plural é proposital, pois é impossível dizer que existe um feminismo, ou mesmo um movimento de mulheres. Até mesmo essa última divisão é importante de ser delimitada, pois não são necessariamente sinônimos. É fundamental frisar que a própria (in)definição do termo constitui a sua história, a sua peculiaridade e a sua força. Múltiplo e plural, as suas facetas traduzem os

15Id, p.138. Nesse livro, Eagleton também ressalta as “falhas” da teoria cultural, como em relação a

temas amplos como verdade, objetividade, morte e sofrimento, entre outros.

16Hall, “Estudos culturais e seu legado teórico”, p. 209. 17

diversos caminhos trilhados a fim de denunciar a hierarquização entre o masculino e o feminino e pensar formas de emancipação feminina.

Se o trabalho de resgate feito pelas primeiras acadêmicas feministas, em suas diversas áreas, mostrou nomes isolados como Olympe de Gouges, Cristine de Pisan e Mary Wollstonecraft, a idéia de um movimento coletivo começa no século XIX. Kate Millet18 destaca que o Iluminismo, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial pouco contribuíram para melhorar a vida das mulheres. Apenas nas primeiras décadas do século XIX, pode-se destacar o início de um movimento de igualdade de direitos entre os sexos, na Inglaterra e nos Estados Unidos, sendo, no último, incensado pelo movimento abolicionista, que reuniu mulheres em torno da causa. E, em 1848, em Seneca Falls, no Estado de Nova York, deu-se a primeira convenção de mulheres de feição internacional, uma vez que inglesas, proibidas de se reunirem em seu país, participaram do evento. A partir daí, a vertente anglo-americana uniu-se em torno da causa da extensão do direito de voto para as mulheres. Kate Millet aponta que essa reunião em torno do sufrágio universal teria “aburguesado” o movimento, pois terminava por não discutir a situação das mulheres trabalhadoras, em especial das operárias, bastante aviltadas em seus direitos. Há observações a serem feitas a respeito dessa primeira “onda”. Se, por um lado, havia a luta por igualdade no campo da representação política tradicional, por outro lado, as mulheres fizeram parte de denúncias de abuso nas relações de trabalho, greves e movimentos organizados em seus respectivos setores.

Tal divisão entre as instâncias e formas de luta pela emancipação das mulheres aparece também no Brasil, no mesmo período. A entidade feminista de maior expressão no início do século XX foi a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), fundada por Bertha Lutz, em 1922. Antes da FBPF, houve o Partido Republicano Feminino, fundado em 1910 por Leolinda de Figueiredo Daltro, também com o intuito de reivindicar o sufrágio feminino. A escritora Gilka Machado foi uma de suas militantes. Anos depois, Bertha Lutz, bióloga do Museu Nacional do Rio de Janeiro, formada na França, cria, juntamente com outras mulheres de classe média e alta, a FBPF, cuja principal frente de reivindicação era o voto feminino, além de maiores oportunidades de emprego e de educação. Organizada em várias comissões e congregando entidades de vários Estados brasileiros, a Federação organizou

18

conferências e petições. Segundo Susan Beese, a FBPF, apesar de falar “em nome” de mulheres de outras classes sociais, mantinha-se distante, uma vez que suas táticas de buscar alianças diplomáticas com homens e mulheres da elite terminavam por distanciá- las de operárias e camponesas. A obtenção do direito de voto às mulheres em 1932 teve influência direta das campanhas da FBPF, mas a repressão política do Estado Novo e a distância de confrontos com a Igreja e outras estruturas mantenedoras do patriarcado no Brasil terminaram enfraquecendo os ideais mais ambiciosos da entidade.

Em seu livro sobre a “modernização” do sistema de gênero no Brasil nas primeiras décadas do século XX, Susan Beese19ressalta seu processo ambíguo. Houve a conquista de certos direitos, como o voto (restrito aos alfabetizados) e o acesso à educação (que ainda marginalizava mulheres trabalhadoras, em sua maioria analfabetas). Contudo, a ideologia dominante da imprensa, do Estado, da Igreja, dos educadores e profissionais da saúde exortava os deveres das mulheres em relação à manutenção dos valores tradicionais dentro da família de modelo patriarcal.

Nesse quadro, o próprio movimento de mulheres era múltiplo. Uma das causas mais prementes vinha do movimento operário. A indústria têxtil, cuja mão-de-obra era composta em sua maioria de mulheres e crianças na década de 1910 e 1920, era um dos focos de mobilização das militantes comunistas, socialistas e anarco-sindicalistas. Margareth Rago destaca o posicionamento das anarquistas que, diferente das outras correntes de esquerda que não priorizavam as questões femininas, traziam, na luta cotidiana, o discurso antipatriarcal e pelo fim da opressão sexual, sendo seu feminismo libertário: “Contrariamente às feministas liberais, as anarquistas não reivindicavam o direito de voto, por considerarem que de nada adiantaria participar de um campo político já profundamente atravessado pelas relações de poder, social e sexualmente hierarquizadas.”20 Teresa Cari, Tecla Fabri, Maria Lopes são nomes citados pela estudiosa do período pelos seus manifestos na imprensa anarquista. Um nome também destacado é de Maria Lacerda de Moura, citada em capítulo anterior por sua obra literária. Segundo Margareth Rago, ela fez a ligação entre o mundo das elites intelectuais e artísticas e o do operariado. Além de publicar, fazia palestras nos círculos operários. A sua trajetória torna-se bastante interessante pelo seu rompimento com o feminismo de Bertha Lutz, com quem tinha fundado, em 1919, a Liga pela Emancipação Intelectual Feminina. Assumiu uma posição mais radical, defendendo o

19Ver Beese, Modernizando a desigualdade. 20

fim do capitalismo e do modelo de casamento burguês, bem como pregou o amor livre, tanto em artigos quanto em seus romances. Patrícia Galvão também foi uma contundente crítica ao feminismo sufragista de sua época através de sua coluna “A mulher do povo” e de sua militância inicial no Partido Comunista Brasileiro. Chegou a trabalhar como operária e também se afastou do anarquismo de Maria Lacerda.

Como no resto do mundo, muitas das conquistas episódicas dos movimentos feministas no Brasil foram freadas por conta do Estado Novo. O nazismo, o fascismo, o totalitarismo estalinista, bem como a Segunda Guerra Mundial, terminou por eclipsar a primeira “onda” feminista. Kate Millet chega a chamar o período de 1930 a 1960 de “contra-revolucionário.”21

Na perspectiva dominante de pensar o feminismo através de “ondas”, esse período seria marcado por um recuo. Contudo, houve, por exemplo, movimento de mulheres em causas diversificadas. No Brasil, durante o Estado Novo, houve a União Feminina, ligada à Aliança Nacional Libertadora, colocada na clandestinidade, e depois extinta, com a maior parte de suas dirigentes presas. Depois de 1945, estabeleceram-se o Comitê de Mulheres pela Democracia, a Associação Feminina do Distrito Federal e a Federação das Mulheres do Brasil. Algumas dessas organizações eram ligadas a partidos políticos e, entre suas atividades, estavam manifestações pela democratização, pela paz, ampliação de direitos, revisão do Código Civil, além de apoio a greves operárias. Importante destacar que algumas dessas entidades congregavam donas-de- casa, operárias, funcionárias públicas, profissionais liberais, entre outras.22 Logo, não houve um cessar de reivindicações e organização de mulheres no período.

Nesses anos começam a parecer obras específicas, em âmbito internacional, sobre as relações de gênero. Obras acadêmicas que terminaram por subsidiar o próprio movimento nos anos seguintes. Destacam-se as pesquisas no campo da Antropologia, principalmente de Margareth Mead. Ela publica, em 1935, Sexo e temperamento, e depois, em 1949, Macho e fêmea: um estudo dos sexos num mundo em transformação. Com seu trabalho de campo em sociedades da Nova Guiné, ela trouxe idéias culturalistas a respeito da diferença sexual: “Todas as sociedades humanas criam e mantêm divisões do trabalho e expectativas artificiais para os sexos, limitando a

21 O seu livro, Política Sexual, é publicado em 1970, fruto de sua tese de doutoramento, analisa as

motivações do recuo feminista, em seu caráter ideológico. Foi um dos responsáveis teóricos da chamada “segunda onda”.

22

humanidade de um ou outro.”23 Também é de 1949 O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, obra basilar dos estudos sobre as mulheres.

De viés filosófico, a autora francesa discute a razão pela qual não existiria reciprocidade na relação de alteridade entre homens e mulheres. Para ela, o sujeito justifica sua existência a partir do momento que tenha projetos que o façam transcender. O conflito principal para a mulher seria realizar-se existencialmente sendo colocada como o Outro, seja nas abordagens da biologia, da psicanálise, do materialismo histórico, que ela discute. Partindo dessa premissa, ela comenta a situação das mulheres, através de períodos históricos do Ocidente (Egito, Grécia, Roma, o Cristianismo, os povos germânicos, a Idade Média, o Renascimento, a Revolução Francesa, a Industrialização, as Guerras Mundiais), defendendo que seria necessário para a emancipação feminina a sua saída da esfera da reprodução para a da produção. Contudo, a emancipação econômica só traria, para Simone de Beauvoir, a libertação para as mulheres, se as outras esferas – sociais e psicológicas – se alterassem também: “O que falta essencialmente à mulher de hoje, para fazer grandes coisas, é o esquecimento de si: para se esquecer, é preciso, primeiramente que o indivíduo esteja solidamente certo, desde logo, de que se encontrou. Recém-chegada ao mundo dos homens, e mal-sustentada por eles, a mulher está ainda ocupada com se achar.”24 Essa citação resume bem a idéia central da filósofa, pois enquanto se esforça para não ser o Outro, a mulher chega a qualquer ação, já “estafada”, segundo suas palavras. E para superar tal alteridade, as mudanças teriam que ser globais. Escrito como obra de filosofia existencialista, O segundo sexo levou muitos anos para chegar a ser “adotado” pelo movimento feminista, o que ocorre apenas nos anos 1960. Teria que haver uma própria maturação das mulheres enquanto leitoras e freqüentadoras de bancos universitários.

Antes de entrar na questão de epistemologia feminista, é preciso destacar essa entrada progressiva de mulheres nas universidades, fenômeno que vinha desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Aliada aos movimentos crescentes de direitos civis, ao longo da década de 1960, começa a surgir uma teoria feminista menos episódica, a ser discutida adiante. Voltando ao movimento de mulheres, que começa a dialogar com obras teóricas (e vice-versa), é inegável a importância do livro de Betty Friedan, A

23 Mead, Macho e Fêmea, p. 279. Miriam Grossi destaca os seus trabalhos como pioneiros e

paradigmáticos da perspectiva culturalista dos estudos de gênero. Ver Grossi, “Estudos sobre mulheres ou de gênero? Afinal o que fazemos?(teorias sociais e paradigmas teóricos)”.

24

mística feminina, de 1963. Ela discute o “problema que não tem nome”, ou seja, a

insatisfação que acometia mulheres casadas, especialmente na década de 1950, nos Estados Unidos. Por meio de diversas entrevistas, análise de revistas dirigidas ao público feminino, revisão crítica da sociologia funcionalista norte-americana, da teoria freudiana e de Margareth Mead, Betty Friedan denuncia a crise de identidade feminina, ou seja, a “mística”: a discrepância entre a realidade das vidas cotidianas e a imagem da “dona-de-casa feliz”, divulgada em diversas esferas. Para ela, o fato das mulheres estadunidenses estarem se casando cada vez mais cedo, abandonando sua profissão ou sua educação para criar seus filhos, trazia-lhes uma insatisfação, pois não desenvolviam todas as suas capacidades humanas.25 A trajetória do livro e da pesquisadora, resgatada por Ana Rita Duarte, mostra esse diálogo entre prática e teoria. Torna-se best-seller nos Estados Unidos, como se catalizasse algo que estava a ponto de explodir entre as mulheres de classe média no país. Com Betty Friedan à frente, é fundada a Organização Nacional de Mulheres (NOW), em 1966, que buscava denunciar as práticas sexistas e a objetificação das mulheres em diversos níveis, bem como pleitear oportunidades iguais de trabalho e educação, legalização do aborto e abertura de creches. 26 A NOW foi criticada, posteriormente, por não considerar questões de classe e de raça, reunindo mulheres brancas e de classe média. Naquele momento, contudo, sua atuação colocou em pauta, nas ruas e nos meios de comunicação, questões específicas e, de certa forma, o livro de Betty Friedan popularizou conceitos. Tal popularização também suscitou, na própria mídia, um antifeminismo radical, sendo a própria Friedan adjetivada como “feia”, “lésbica mal-amada” etc.27

No Brasil, a chamada “segunda onda feminista” teve peculiaridades pelo fato da concomitância temporal com a Ditadura Militar. Nesse sentido, muitas das reivindicações estavam intrinsecamente associadas ao retorno da democracia, e várias militantes participavam de organizações de esquerda, que nem sempre se abriam às questões de gênero. Também é inegável a participação da Igreja Católica progressista, que apoiava organizações de bairro. O “Movimento do Custo de Vida”, por exemplo, (depois “Contra a Carestia”) foi o primeiro movimento popular pós-AI-5 e era dirigido por mulheres de bairros da periferia paulistana, apoiado por setores católico e sindical.

25Ver Friedan, The feminine mystique.

26Ver Duarte, “Betty Friedan: morre a feminista que estremeceu a América”. 27

28

Como resume Chyntia Sarti, o “tom predominante foi de uma busca de alianças entre o feminismo, que buscava explicitar as questões de gênero, os grupos de esquerda e a Igreja Católica, todos navegando contra a corrente do regime autoritário. Desacordos eram evitados, pelo menos publicamente. O aborto, a sexualidade, o planejamento familiar e outras questões permaneceram no âmbito das discussões privadas, feitas em pequenos ´grupos de reflexão´, sem ressonância pública.”29Se, por um lado, a expansão do mercado e do acesso à educação superior, além de novos costumes comportamentais (oscilantes, é claro), permitia a setores da classe média repensarem sua relação com a família, a sexualidade e o corpo, por outro lado, o desencanto com a falta de democracia levou algumas dessas mesmas mulheres à luta política, clandestina e até armada, lembra a pesquisadora. Muitas das experiências e expectativas dessas “mulheres que foram à luta armada”, vão ser resgatadas depois, como lembram as ex-guerrilheiras Vera Magalhães e Yeda Salles em seu depoimento conjunto:

Para nós, mulheres, a militância era uma faca de dois gumes: era uma forma de afirmação social e era também uma vivência de confusão entre a recusa à dominação e o reconhecimento das diferenças. A tentativa de uma troca igual quase sempre dava em uma troca desigual. Chamávamos nossos namorados de companheiros e essa palavra significava tudo que desejávamos. Mesmo que nós, mulheres, nem eles, homens, tivéssemos conseguido realizar o companheirismo e muitas frustrações tivessem se acumulado.30

O lado mais violento das assimetrias de gênero também foi vivido por essas mulheres submetidas à tortura, desde violência sexual até manipulação psicológica de seus vínculos com seus filhos, submetidos também a interrogatórios, na análise de Cynthia Sarti. No exílio, muitas vão ter contato com outras formas de relações de gênero, com o movimento feminista, com a psicanálise, e/ou com a pesquisa acadêmica, sendo fundamental a sua volta para o incremento dos feminismos, depois da Anistia.

Voltando um pouco no tempo, o fato da ONU ter proclamado 1975 o Ano Internacional da Mulher gerou uma série de eventos sobre o tema. Por exemplo, acadêmicas retornadas de seus doutoramentos no exterior, e que vinham se reunindo desde 1972, promovem o tema da mulher na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Também ocorre na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) a semana de debates “O papel e o comportamento da mulher na realidade brasileira”, que reuniu vários segmentos sociais, em 1975. A partir desse debate, surge o

28Teles, op.cit., p. 78.

29Sarti, “O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisando uma trajetória”, p. 39. 30

Centro da Mulher Brasileira, no Rio de Janeiro, entidade pioneira à época.31A partir daí formam-se entidades e ocorrem eventos em várias partes do país, desde o Movimento Feminino pela Anistia, os Congressos da Mulher Paulista, com sua primeira edição em 1979, os jornais Brasil Mulher, Nós Mulheres, Mulherio. Segundo Chyntia Sarti, após o início da redemocratização no país, na década de 1980, houve uma atomização do feminismo em diferentes frentes e com uma atuação mais profissionalizada, muitas vezes institucionalizada, em diversos órgãos estatais, como as delegacias, secretarias e conselhos.

O discurso feminista não se separa de sua prática política. Nas palavras de Terry Eagleton, para o feminismo enquanto projeto de emancipação política – “os modos de sentir e formas de representação são, a longo prazo, quase tão cruciais quanto a provisão de creches e o atendimento infantil, ou pagamentos iguais para os sexos”.32 Para ele, o movimento trouxe uma forma diferente das políticas tradicionais de classe. A diferença para pensadoras feministas estaria na palavra “quase” utilizada pelo crítico. Para boa parte da teoria feminista, o local de fala, a capacidade de alterar modos de representação e de significação fazem parte da mesma luta pela emancipação, assim como melhorias infra-estruturais, citadas por Eagleton. Essa seria fundamentalmente a diferença entre participar de um movimento de mulheres e ser feminista. Ou então, entre fazer uma pesquisa sobre mulheres e fazer uma pesquisa feminista. Daí a emergência dos “Estudos Feministas” que

se apresentam como críticas epistemológicas dos vieses sexistas do saber e de sua pretensa neutralidade; como refutação dos modelos teóricos dominantes, propostos para pensar e dizer as mulheres e suas vidas; como interrogação sobre a condição das mulheres e sua posição na história; como escrita literária para escapar ao fechamento e à exclusão da linguagem androcêntrica; como reflexões políticas engajadas em prol de um ideal democrático e de transformação das instituições sociais que legitimaram e atualizaram, no decorrer do tempo, a construção social e cultural dos sexos.33

Hoje um dos campos mais férteis do feminismo é a sua própria revisão, que é a marca de sua epistemologia, ou seja, “aceitar o desconforto de ter certezas provisórias; inscrever no próprio processo de investigação a autocrítica constante – mas fazer tudo isso de tal forma que não provoque o imobilismo ou o completo relativismo”.34 Ou seja, é a construção de um conhecimento explicitamente interessado. Para Rita Terezinha

31Essas referências encontram-se em Schumaher; Brazil, Dicionário Mulheres do Brasil, p. 233. 32Eagleton, Depois da teoria, p. 76.

33Descarries, “Teorias feministas: liberação e solidariedade no plural”, p.11. 34

Schmidt35, a crítica feminista está no centro de uma proposta de mudança epistemológica, pois traz, em seu bojo, uma perspectiva de pesquisa mais humanizada. Em primeiro lugar, centra-se na crítica do modelo científico tradicional, no qual há desvinculação do sujeito e do seu objeto empírico de pesquisa, em uma tentativa de diminuição da carga de subjetividade. Para ela, o sujeito feminista reivindica a sua posição específica numa determinada formação sociopolítica e histórica. Recusa-se a uma pretensa neutralidade, pois o seu desejo de conhecimento é comprometido com as mudanças eventuais que sua pesquisa possa efetuar sobre as condições reais de existência. Assim, o objeto do conhecimento também se transforma de algo já formatado para aquilo que está sendo permanentemente reconstruído. E, a fim de fortalecer tal método, enfatiza a necessidade da manutenção de um diálogo intersubjetivo permanente entre vários sujeitos de pesquisa.

Os Estudos Feministas são, nesse sentido, marcadamente multidisciplinares. No Brasil, por exemplo, são organizados em núcleos, grupos de pesquisa, publicações, redes e encontros. Segundo Eva Blay, os núcleos de pesquisa foram uma estratégia feminista para driblar tanto a burocracia quanto o preconceito relativo à temática de gênero.36Para ela, é notória essa exclusão acadêmica, quando só há uma pós-graduação

stricto sensu, em nível de mestrado e doutorado, em “Mulheres, gênero e feminismo” na

Universidade Federal da Bahia. Se a pesquisa acadêmica nos campos da mulher e do gênero é derivada do movimento feminista, e consolida-se, no Brasil, desde os primeiros anos da década de 1980 37, é também importante frisar que ainda há resistências nas diversas universidades para incorporar, nos currículos regulares,