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2 DA EXPANSÃO DA FIGURA DO WHISTLEBLOWER: ANÁLISES

2.1.3 Em busca de uma definição jurídica comum

Como visto, o whistleblower nada mais é do que um agente denunciante, porém, a terminologia própria se explica: há características específicas que o definem enquanto

whistleblower. Nota-se que o não envolvimento na cadeia criminal é crucial, não cumprindo

com esse requisito, pode-se falar, a depender do caso, em um possível colaborador premiado, mas jamais em whistleblower.

A segunda, deve haver uma relação entre o sujeito denunciante e a empresa ou a administração pública; isto é, a posição de insider é determinante. A figura do whistleblower deve, necessariamente, pertencer à organização, daí, seu caráter de fonte interna.

A terceira, o fato de obrigatoriamente o denunciante não poder desempenhar dentro da organização a que pertence funções de controle, investigação e denúncia, nem ter o dever de comunicação de determinada irregularidade. É dizer que não pode ser um compliance officer, cuja contratação consiste exatamente em cumprir com essas funções de controle, tampouco um superior hierárquico para com seus subordinados, haja vista que essa figura detém, de antemão, em decorrência do cargo, a obrigação de controle laboral dos seus funcionários.

Ademais, cumpre trazer a definição dos autores Carlos Carranza e Sébastian Micotti, os quais pontuam que o whistleblower se trata de uma pessoa física que, em princípio, tem conhecimento de informações privilegiadas e, por ter testemunhado práticas ilícitas, visa atrair a atenção para tais atos que, frequentemente, não deixam vítimas diretas, suscetíveis de prestar queixa ou de realizar per se a denúncia. Tal qual ocorre, notadamente, nos casos de crimes de fraude, de corrupção, dentre outros. Asseveram esses autores:

O whistleblower é uma fonte interna que dispara o alarme. Ele é uma pessoa física que, em princípio, tem conhecimento de informações importantes e privilegiadas. Ele é frequentemente testemunha direta de omissões, de ações ilegais ou manobras ilícitas, ou moralmente contestáveis, etc., de seu empregador ou no seio da

organização em que trabalha. Seu papel é importante porque ele visa a atrair atenção sobre atos que frequentemente não causam vítimas diretas, suscetíveis de prestar queixa ou de iniciar uma ação judicial. Tal é notadamente o caso em matéria de fraude, de corrupção, de atentados contra o meio-ambiente, de violação de regras de segurança que protegem o público, etc.148149

Além disso, colocam que a diferença deve residir essencialmente na posição do

whistleblower de descobrir fatos pertinentes e passíveis de denúncia no seu meio de trabalho

— o que não significa testemunhar diretamente tais acontecimentos.150 Por esse motivo, também, a própria Organização Internacional do Trabalho traz uma definição própria de

whistleblowing: consiste na comunicação por empregados ou antigos empregados de práticas

ilegais, irregulares, perigosas ou antiéticas por parte dos empregadores.151

Há uma definição relativamente mais antiga e, desse modo, mais abrangente, em um estudo sobre a gestão do empregado whistleblower, no qual se aponta que a noção de

whistleblowing caberia para definir acontecimentos aparentemente díspares. Conceituou-se whistleblowing na recusa de um empregado em cometer um ato ilegal para o seu empregador,

ou no empregado que relata uma impropriedade percebida a seu supervisor, ou no funcionário que relata tal impropriedade percebida a uma agência governamental, ou, ainda, na ação judicial iniciada por denúncia do empregado contra o seu empregador informando que esse apresentou alegações falsas ao governo.152

Outra definição do conceito, mais vinculada à perspectiva de denúncias internas, isto é, dentro da empresa, vem de Valerie Junod. Para essa autora o whistleblowing está definido como o ato de reportar informação relacionada a possíveis casos (passado, presente ou futuro) de violações éticas ou legais ocorrendo dentro de uma empresa. Nota-se que ela aborda um desdobramento interessante em seu artigo, pois alerta, de início, que considera irrelevante a

                                                                                                                 

148 CARRANZA, Carlos Jaïco; MICOTTI, Sébastian. Whistleblowing: Perspectives en droit suisse. Genève:

Schulthess Médias Juridiques SA, 2014, p. 7, tradução nossa.

149 Texto original : Le whistleblower est l’auteur de l’alarme de source interne. Il s’agit d’une personne

physique qui, en principe, a connaissance d’informations importantes et privilégiées. Il est souvent témoin direct des omissions, des agissements illégaux ou manœuvres illicites, ou moralement contestables, etc., de son employeur ou au sein de l’organisation de celui-ci. Son rôle est important, car il vise à attirer l’attention sur des actes qui les plus souvent ne causent pas de victimes directes, susceptibles de porter plainte ou d’ouvrir une action en justice. Tel est notamment le cas en matière de fraude, de corruption, d’atteintes à l’environnement, de violation des règles de sécurité protégeant le public, etc.

150 CARRANZA, Carlos Jaïco; MICOTTI, Sébastian. Whistleblowing: Perspectives en droit suisse. Genève:

Schulthess Médias Juridiques SA, 2014, p. 9.

151 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. ILO Thesaurus. Disponível em:

<http://www.ilo.org/thesaurus>. Acesso em: 15 nov. 2016.  

152 ADLER, James; DANIELS, Mark. Managing the whistleblowing employee. The Labor Lawyer, v. 8, n. 1,

questão de saber se a informação transmitida pelo whistleblower era considerada (ou não) confidencial pela empresa.153

Cumpre apontar uma definição advinda da doutrina nacional, já que na publicação conjunta de Renato de Mello Jorge Silveira e Eduardo Saad-Diniz, sobre a intersecção entre

compliance, direito penal e lei anticorrupção, os autores abordam os mecanismos de denúncia.

Nessa linha, apontam para a questão do incentivo à prática de denúncias internas nas empresas, destacando uma concisa definição da figura:

Declaradamente, passa-se a estimular o caráter de denúncias internas às empresas. Aí, a presença da noção mencionada de whistleblowing, que diz, mesmo, respeito à noção de quem toca o apito, quem realiza, em outras palavras, a denúncia.154

Nota-se que a incorporação de sistemas de compliance no setor privado influencia as práticas de denúncias internas no seio da administração pública e vice-versa. Constata-se isso na evolução legislativa dos Estados Unidos, país que, movido por escândalos fraudulentos de empresas de grande porte, optou por expandir a proteção e o incentivo aos whistleblowers não apenas se restringindo ao setor público ou ao setor privado, de modo a ser o mais abrangente possível. Portanto, conclui-se que, hodiernamente, a incorporação de mecanismos de denúncia se trata de uma realidade e vem a fomentar o atual debate sobre a criação (ou não) de legislação nesse sentido, conforme aborda-se a seguir.