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Quando falamos a respeito de smartphones e tecnologias digitais, é quase impossível não mencionar a internet. E, geralmente quando se fala sobre a internet, existe a tendência de se referir a esta como ‘mundo virtual’ ou ‘espaço virtual’. Em contraponto, as interações que acontecem fora desta esfera seriam definidas como ‘mundo real’ ou ‘espaço real’.

No entanto, estes termos, ‘real’ e ‘virtual’ podem confundir e criar uma interpretação superficial ao se debater essas temáticas. Afinal, o que seria o ‘real’ e como ele se difere do ‘virtual’? Além disso, o próprio uso da palavra ‘espaço’ também requer uma definição específica. Principalmente nesta dissertação, que pretende comparar a ambiência das cidades com a ambiência da interweb.

Os conceitos de realidade e virtualidade ainda são temas constantemente debatidos entre diferentes autores. Não pretendo, neste capítulo, presunçosamente e convenientemente fechá-los em

59 uma definição que seria mais apropriada a esta dissertação, mas sim apresentar motivos pelos quais não posso ou prefiro não usá-los.

Primeiramente, o uso da palavra real, por si só já traz à tona diversas perguntas. Afinal, o que seria o real e a realidade?

A primeira definição que me vem à cabeça quando penso em algo real é a de que esse algo existe. Muitas vezes, no entanto, a palavra real é usada de uma forma limitada, quando fazemos a sugestão de que este algo precisa existir em um campo físico, ou material, para ser considerado real.

No filme de Andy e Lana Wachowski, The Matrix (1999), o personagem principal Neo, também parece se confundir sobre estes conceitos de realidade. No filme, Neo é exposto à informação de que o mundo como até então conhecia, se tratava de um programa de computador, chamado Matrix, e que durante toda sua vida, seu corpo estava inerte em um pequeno casulo, ‘conectado’ a este programa. Em determinada cena, Neo pergunta a Morpheus se a cadeira que toca e as coisas que vê, uma vez que está conectado à Matrix, seriam reais ou não.

A essa pergunta, Morpheus responde: “O que é real? Como você define o real? Se você está falando sobre o que você pode sentir, o que você pode cheirar, o que você pode provar e ver, então, real são simplesmente sinais elétricos interpretados pelo seu cérebro.”55

A resposta de Morpheus põe em evidência a questão da materialidade e da nossa percepção desta, no contexto do real. Nem tudo que faz parte da nossa realidade, como seres humanos, pode ser percebida pelos nossos sentidos, no entanto, não deixam de ser reais. Se para ser considerado real, algo precisasse ser tangível ou apresentar alguma característica física, grande parte dos conceitos que consideramos como fazendo parte da nossa realidade, seriam descartados. Nossos sentimentos, por exemplo.

O conceito de virtual também gera alguns debates. Muitas vezes encarado, erroneamente, como o oposto de realidade, a virtualidade é julgada como algo que não existiria. No entanto, a própria origem da palavra nos diz o contrário. A palavra virtual se originaria do latim virtus, que significa força ou potência. Segundo Pierre Lévy, virtual é aquilo “que existe em potência e não em ato”, no entanto, ainda existe, portanto fazendo parte da nossa realidade (Lévy, 1996).

O termo ciberespaço, talvez fosse uma escolha mais óbvia, no entanto, talvez esta também necessite cuidado pelo uso da palavra ‘espaço’, pois esta pressupõe uma potência de lugar. Segundo Yi- Fu Tuan, o espaço pode-se tornar um lugar “à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor”(Tuan, 1983, p. 6). O lugar está mais intimamente ligado à pessoa e seu corpo de forma emocional que o espaço. Não é que não possamos sentir essa ligação no mundo online, mas esta ligação, na maioria das vezes, já se encontrava estabelecida anteriormente. Podemos ver isto no livro de Sherry Turkle, ‘Alone Together’, no qual ela descreve a viagem de sua filha Rebecca à Paris e de como ela mantinha um constante contato com seus amigos e familiares através das mídias móveis. Sobre isso, Turkle diz: “Quando eu cresci, a ideia da ‘aldeia global’ era uma abstração. A minha filha vive algo concreto . Emocional, social , onde quer que ela vá, ela nunca sai de casa.”56(Turkle, 2011, p. 156)

55 “What is ‘real’? How do you define ‘real’? If you are talking about what you can feel, what you can smell, what you can taste and see, then, ‘real’ is simply electrical signals interpreted by your brain.” – Tradução própria.

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“When I grew up, the idea of the 'global village' was an abstraction. My daughter lives something concrete. Emotionally, socially, wherever she goes, she never leaves home” – Tradução própria.

60 A conexão descrita por Turkle, contudo, é em relação às pessoas, e não ao espaço em si. Supondo que sua filha mantivesse contato com os amigos através da rede social Facebook, por exemplo, e a um determinado dia, todos seus contatos decidissem sair ou ‘migrar’ para outra rede social. É bem provável que a conexão emocional que Rebecca sentia por este ‘endereço online’ já não tenha o mesmo significado. Além disso, obviamente, a condição da internet é justamente concebida por uma ‘falta de localidade específica’ em termos geográficos ou uma falta de construção espacial física.

Como é colocado por Willian J. Mitchell, em ‘City of Bits’, a internet nega a geometria espacial, quando estamos na internet, não conseguimos descrever suas proporções, ou dizer um estranho como chegar lá, diferente de uma praça ou uma rua. Além disso, como o autor bem coloca, algumas coisas podem parecer ambíguas na internet, como um email, por exemplo, Mitchell diz: “Meu nome é wjm@mit.edu ( embora eu tenha muitos pseudônimos ) .... Agora, eu acabei de dizer que wjm@mit.edu era o meu nome, mas você pode igualmente bem afirmar ( ou igualmente opor ) que este era o meu endereço . As categorias são confundidas devido às redefinições simultâneas de espaço, identidade pessoal, e subjetividade que estão emergindo conforme a rede cresce”57(Mitchell, 1997, p. 8)

Apesar das palavras ‘espaço’ e ‘lugar’ funcionarem bem ao descrever a cidade física, ao mesmo tempo, é preciso encontrar uma palavra que possa servir tanto para a fisicalidade da cidade, quanto para a internet, em momentos de comparação entre as duas.

Para Mitchell, a internet é um ambiente, pois é “nenhum lugar em particular, mas todos os lugares ao mesmo tempo (...) você não vai para ele, você efetua um logon a partir de onde quer que você esteja fisicamente”58.Esta palavra não se limita só ao ambiente físico, mas inclui também aspectos sociais, culturais, etc. A palavra ambiente, segundo dicionário59 pode ser:

1. Que envolve ou está à volta de alguma coisa ou pessoa;

2. Que é relativo ao meio físico ou social circundante (ex.: música ambiente; temperatura ambie nte);

3. Conjunto das condições biológicas, físicas e químicas nas quais os seres vivos se desenvolvem; 4. Conjunto das circunstâncias culturais, econômicas, morais e sociais em que vive um indivíduo (ex.: ambiente familiar; ambiente laboral; ambiente descontraído);

5. Espaço físico delimitado (ex.: ambiente fechado).

Podemos então dizer, que transitamos entre ambientes offline, enquanto vivemos nossa rotina diária na fisicalidade da cidade, e online, quando estamos conectados à internet. E claro, podemos ter a experiência de ambos simultaneamente, os que através do smartphone tem acontecido com mais frequência. Dessa forma, se propõe o seguinte diagrama baseado naquele elaborado por Peter Anders60.

57 “My name is wjm@mit.edu(though I have many aliases)....Now, I just said that wjm@mit.edu was my name, but you might equally well (or equally inappositely) claim that it was my address. The categories are conflated due to the simultaneous redefinitions of space, personal identity, and subjectivity that are emerging as the network grows” – Tradução própria.

58 “nowhere in particular but everywhere at once. You do not go to it;you log in from wherever you physically happen to be” – Tradução própria.

59

"ambiente", em Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/ambiente [consultado em 27-03-2015].

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Figura 39- diagrama sobre nomenclatura e relação entre ambientes online e offline. Imagem: Alícia Medeiros

Sendo assim, se procura nesta investigação, a utilização dos termos ambientes online e offline ao tratar destas duas esferas de forma comparativa. No entanto, sabe-se que popularmente, as designações ‘virtual’ e ‘real’ continuarão sendo usadas, o que aqui, seria considerado uma brecha para falhas na interpretação da relação entre estes.

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