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Apesar da já mencionada facilidade e possibilidades na interação entre público e obra proporcionada pela net e aparelhos móveis, há de se considerar outras questões no uso desta tecnologia ou do contexto da produção do espaço público urbano.

Aspectos que questionam justamente os conceitos de espaço e suas intermitências entre o online e offline, instigaram diversos artistas, não só os que trabalhavam com a web, mas também aqueles que trabalhavam sobre ela. Neste capítulo, iremos discutir os glitchs52, as falhas, ‘defeitos’ e efeitos colaterais destes aparelhos e das cidades, e seu contexto no âmbito da arte para o espaço público através destes aparelhos. Como estes glitchs contribuem para o processo criativo?

É importante deixar claro, que o pensamento envolvendo os pontos aqui abordados, foi um processo que se deu ao longo da investigação, e é vista aqui como elementos conclusivos da investigação.53

(Des) Interação

Anteriormente foi discutido como a individualização no espaço público aparece bem antes da criação dos smartphones, e apesar de estudos como o de Scott Campbell levantarem a possibilidade destes aparelhos gerarem diálogo entre estranhos no espaço público, há de se considerar que existem também estudos como o de pesquisadores da universidade de Washington que acreditam que a percepção do usuário sofre uma queda, no que o professor de psicologia Ira E. Hyman Jr chama de “cegueira por desatenção", o que significa que usuários olham para os seus arredores, enquanto utilizam o aparelho, mas nada do que é visto é registrado conscientemente (Pope, 2009).

"É uma enorme queda de sensibilização para o ambiente ao seu redor. Isso mostra que, mesmo durante uma tarefa tão simples como caminhar, o desempenho cai quando se fala no telemóvel. Eles são mais lentos, menos conscientes de seu entorno e mudando de rumo com mais frequência. Isso mostra o quão pior seria se eles estivessem dirigindo um carro, o que é uma tarefa mais complexa de gerir. "54(Ira E. Human Jr. em Pope, 2009)

É claro que o uso de telemóveis enquanto conduzimos veículos é de extrema preocupação. No entanto, estatísticas mostram que mesmo caminhar ao usar o telemóvel pode ser perigoso. Segundo artigo (Ritchell, 2010), pouco mais de mil pedestres visitaram salas de emergências nos USA por terem tropeçado ou esbarrado em algo durante suas caminhadas, por falta de atenção ao interagirem com

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Segundo artigo de Jonas Downey, o Glitch pode ser definido como “Uma avaria , acidente ou problema técnico menor; um obstáculo : um falha computacional ; uma falha de navegação ; uma falha nas negociações.”(Downey, 2006) – Tradução Própria. Muitos artistas digitais inclusive trabalham com a chamada ‘Glitch Art’, que utiliza as falhas (muitas vezes gráficas) de dispositivos digitais como expressão artística, como o coletivo Jodi.

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Esse comentário é mais pertinente ao subcapítulo “Uma Busca por termos mais apropriados”, na pg.58 deste documento. 54

“It’s a huge drop off of awareness of the environment around them,” Dr. Hyman said. “It shows that even during as simple a task as walking, performance drops off when talking on the cellphone. They're slower, less aware of their surroundings and weaving around more. It shows how much worse it would be if they were driving a car, which is a more complex task to manage.” – Tradução própria.

57 seus smartphones. As telas de aparelhos midiáticos comercializados foram, ao longo do tempo, diminuindo cada vez mais, proporcionando assim uma espécie de ‘tela pessoal’, na qual o usuário pode procurar o conteúdo de sua escolha, ou manter conversas intimas em espaços públicos, captando assim maior atenção dos usuários.

Para alguns artistas que atuam no espaço público, tal desatenção pode representar certo obstáculo aos seus trabalhos, mas para artistas que já questionam estas temáticas, estes aspectos se tornam fonte de inspiração. O fotógrafo Joseph O. Holmes, por exemplo, criou a série fotográfica “Texters”, na qual registra pessoas distraídas pelo seu aparelho em ambiente público. Já o artista Aram Bartholl, durante suas viagens de trem e metrô, filmou pessoas a jogar games em seus smartphones. A obra intitulada “Unknow Gamer”(2014), foi apresentada como uma instalação em vídeo em uma exibição, utilizando smartphones como suporte. Sobre a obra o artista diz:

“Para mim, essa peça apenas mostra, também, que todos nós estamos olhando para telefones, todos nós estamos olhando para essas janelas o tempo todo e nós não nos importamos muito mais o que está ao nosso redor.

Eu também realmente não quero julgar sobre isso, porque eu também estou fazendo a mesma coisa e eu não acho que é um mau sinal da sociedade ou algo assim.

A contradição é que a industrialização ampliou as cidades e ser anônimo na cidade não é algo antigo, certo? Ainda têm uns duzentos anos. Porque antigamente, todo mundo conhecia todo mundo quando vivíamos em vilas ou em uma pequena cidade. Isto é como uma ideia moderna, e eu realmente não posso dizer exatamente o que acontece agora. Mas estamos neste espaço anônimo e ao mesmo tempo, temos todas essas ligações privadas em diferentes aplicações de chat, de forma paralela. Você está falando no whatsapp com todas essas pessoas de uma forma muito particular e ao mesmo tempo.(...) e também para mim essa coisa do 'Unknown Gamer’ é que este é o momento agora. Porque nós ainda podemos ver o que a outra pessoa está vendo, mas isso vai mudar muito em breve com os óculos (Google Glass / HoloLens da Microsoft), então você não será mais capaz de ver o que eles veem, esta será uma mudança ...” (Aram Bartholl, em entrevista anexada neste documento, p. 98/99)

Figura 37- Série Fotográfica, Texters, de Joseph O. Holmes, 2010. Fonte: https://www.flickr.com/photos/joeholmes

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Figura 38 - Instalação em Vídeo "Unknow Gamer", de Aram Bartholl, 2014. Fonte: http://www.datenform.de/

Seguindo esta temática, foi desenvolvido o Projeto Smart Blindness, pois como foi visto aqui, muito se tem debatido a cerca da tecnologia do smartphone e seu papel na sociabilidade do ser humano. A constante obsessão por estes aparelhos tem sido vista como alienante e individualista. Estaria o mundo digital nos cegando em relação ao mundo físico e às relações offline? 'Smart Blindness' é um projeto que questiona esta relação. Adiante se encontra uma descrição mais aprofundada deste projeto (§3.3 84). No livro de projetos, anexo a este, se encontra também alguns estudos e exercícios como “Drawing Architecture”, que influenciaram a escrita deste capítulo (Glitchs) como um todo.