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Buscando soluções: por uma dicotomia igualitária para homens e mulheres

Se as análise feministas dos problemas relacionados à dicotomia público/privado são amplamente diversas, diversas também são as soluções propostas na busca pela equidade entre homens e mulheres, especialmente no que se refere a uma participação política equitativa. Desde às defesas à politização das questões privadas, do insulamento dos espaços públicos com a moral mais generosa basilar nas relações privadas, ou simplesmente pela completa supressão da divisão entre público e privado, as feministas sempre tentaram não somente criticar as coisas postas, mas também apresentar uma via possível de mudança.

33 Se hoje nos parece pouco provável vermos levantadas bandeiras em defesa da completa intervenção do estado nas relações e decisões mais intimas do âmbito privado, e se a privatização do público não parece uma solução possível, parece que as propostas feministas caminham na busca por um equilíbrio, uma terceira via.

Nesse sentido, não nos parecem somente compatíveis, mas complementares e igualmente importantes a necessidade de uma completa reestruturação das relações familiares, de uma redistribuição igualitária dos afazeres domésticos e de uma concomitante reestruturação do espaço público (PHILLIPS, 1991; PATEMAN, 1993); e a promoção de políticas públicas e instituições que possibilitem que os diferentes papéis a serem desempenhados pelas pessoas sejam livres de predeterminações baseadas em seu gênero, ou que ao menos se garanta a proteção das vulnerabilidades decorrentes do exercício de determinadas responsabilidades (OKIN, 1991) e a proteção da privacidade enquanto a possibilidade da autonomia de decisões sobre os próprios corpos, e enquanto espaço de promoção do desenvolvimento das capacidades pessoais e do desenvolvimento de relações íntimas de afeto (COHEN, 1997; OKIN, 2008).

Retomando nossa preocupação principal neste trabalho, nos parece claro que a concretização das propostas apresentadas são fundamentais para possibilitar que as mulheres se integrem e participem da política, como os homens. Contudo, como veremos nos capítulos seguintes, há mecanismos presentes nas instituições formais da política (sistema e legislação eleitoral, configurações partidárias, recrutamento partidário e divisão dos recursos entre candidatos, processo de nomeações etc.) que nos ajudarão a entender de maneira mais completa os obstáculos ainda enfrentados pelas mulheres para ocuparem efetivamente os espaços públicos e as transformações necessárias para que isto ocorra.

Mas o que está em jogo, quando defendemos uma maior presença das mulheres no espaço público? Somente as mulheres podem defender e representar seus próprios interesses? Existem interesses próprios às mulheres? Podemos falar em democracia e justiça, quando a metade da população não participa efetivamente das decisões que afetam suas vidas? No próximo capítulo tentaremos, responder a essas questões.

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CAPÍTULO 2

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.

(Adélia Prado - Com licença Poética)

No capitulo 1, pudemos discutir porque as mulheres estão ausentes da política institucional. Vimos que historicamente o papel desempenhado pela mulher na reprodução serviu como justificativa para que fossem condicionadas a permanecer presas ao espaço doméstico. Vimos ainda que, apesar dos inúmeros avanços obtidos pelo movimento feminista, a divisão sexual do trabalho doméstico e do trabalho remunerado é ainda um obstáculo para a real efetivação dos direitos políticos formalmente conquistados.

Também assinalamos que a luta pela inclusão política não é recente no movimento feminista. Se o objetivo de inclusão política defendido pelas sufragistas continua presente com a atual defesa da criação de mecanismos que favoreçam essa inclusão – políticas de cotas, por exemplo –, as justificativas que fundamentam a inclusão variaram ao longo da historia do feminismo e da teoria política feminista.

Este segundo capitulo será divido em duas partes. Na primeira, iremos discutir duas das correntes presentes na teoria política feminista que justificam a necessidade de se defender a participação das mulheres na política. Na segunda parte, traremos alguns dados específicos do contexto brasileiro sobre essa participação.

De acordo com Phillips (1991), há usualmente três caminhos para justificar a paridade entre homens e mulheres na política. O primeiro conjunto de argumentos é centrado em uma preocupação estritamente numérica da participação política das mulheres. Se na sociedade as mulheres representam aproximadamente metade da população, há uma expectativa probabilística de que as mulheres ocupem a metade dos cargos de poder. Se isso não ocorre, como é o caso da maioria das democracias atualmente, é porque há um problema colocado, um problema de justiça. Essa primeira justificativa parte, portanto, do pressuposto de uma representação por espelho, ou descritiva, na qual o conjunto dos representantes deve formar um “microcosmo” do conjunto dos representados.

O segundo conjunto de argumentos considera que a inclusão das mulheres na política traria à política valores, experiências e um tipo de conhecimento diferenciado, tornando-a mais “humanizada”. Como veremos com mais detalhes adiante, autoras, como Ruddick (1995) e Gilligan (1982), defendem que o papel desempenhado pelas mulheres a partir da

35 divisão sexual do trabalho e a experiência advinda desse papel devem ser levadas para o espaço político. Para as autoras dessa corrente, a entrada das mulheres na política deve ser defendida, pois elas tornariam a política menos agressiva, menos vinculada a interesses individuais e mais preocupada com cuidado com os outros.

O terceiro conjunto de justificativas para a inclusão das mulheres na política considera que a opressão sofrida por elas devido ao seu posicionamento na estrutura social de uma sociedade androcêntrica conforma um coletivo cujos interesses, objetivos e perspectivas devem estar presentes na política.

Analisaremos mais detalhadamente a seguir a segunda e a terceira corrente de justificativas para a maior participação das mulheres na política, pois elas serão úteis em nossa análise. A primeira justificativa, da representação por espelho, não se sustenta, pois há uma infinidade de grupos que também não estariam representados descritivamente nos espaços de poder, e não por isso é considerada legitima e importante a inclusão de cada um deles. Como critica Phillips,

Devemos eleger estudantes, pensionistas, desempregados, em números que espelhem sua proporção na sociedade? Devemos ter representação proporcional de cada categoria profissional, cada minoria lingüística, racial e religiosa? Devemos realizar a cada cinco anos pesquisas sobre o número de lésbicas e gays para garantir que tenham uma representação justa no parlamento? E o que dizer sobre altura, peso, cor do cabelo, preferências musicais, esportivas ou literárias? A idéia é patentemente absurda. (PHILLIPS, 1991, p.65, tradução nossa)

Podemos adiantar que a argumentação central deste trabalho é alinhada à terceira justificativa. Defenderemos que a inclusão das mulheres nos espaços de poder é fundamental para alcançar uma real democracia, uma democracia justa. E que considerando as continuidades e os impactos recíprocos entre as desigualdades estruturais encontradas tanto no espaço público quanto no privado demandam políticas que promovam a igualdade em ambos.

Na segunda parte do capitulo, iremos traçar um panorama da participação das mulheres na política formal no Brasil, trazendo um rápido recorrido sobre a evolução dessa participação, com ênfase nos últimos resultados das corridas eleitorais à luz da política de cotas.

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2.1. A diferença moral entre homens e mulheres como justificativa para a entrada das