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1. F UNDAMENTAÇÃO T EÓRICA

1.2.8. Joan Bybee

Bybee (2003c, p.602) atesta que não é suficiente definir a gramaticalização como um processo pelo qual um item lexical torna-se um morfema gramatical, e destaca o papel das construções particulares em que esse item ocorre. Por isso, considera mais preciso dizer que a

construção com itens lexicais particulares torna-se gramaticalizada, em vez de dizer que um item lexical torna-se gramaticalizado.

Para a autora, a gramática está em constante mudança, sendo criada e perdida gradualmente ao longo de trajetórias previsíveis e universais da linguagem, ou seja, esse processo ocorre espontaneamente e de maneira similar em todas as épocas e línguas. A autora cita algumas características referentes ao processo de GR:

1. Palavras e sintagmas que sofrem gramaticalização são reduzidos foneticamente, por meio de reduções, assimilações e eliminações de consoantes e vogais, produzindo seqüências que exigem menos esforço muscular (lei do menor esforço) como, por exemplo, “going to”, do inglês, que se tornou “gonna”, e em alguns contextos já está se reduzindo a “I’m (g)onna”.

2. Significados concretos que entram no processo tornam-se generalizados e mais abstratos e, como resultado, tornam-se apropriados em uma crescente gama de contextos. Por exemplo, os usos de “be going to”, nas sentenças abaixo, mostram o caminho de abstratização do significado:

(01) movimento: We are going to Windsor to see the King.12 (02) intenção: We are going to get married in June.13 (03) futuro: These trees are going to lose their leaves.14

12 Nós vamos para Windsor ver o rei. 13 Nós vamos casar em junho.

3. A freqüência de uso das construções gramaticalizadas aumenta radicalmente conforme a gramaticalização se desenvolve, fazendo crescer também os tipos de contexto em que as novas construções são possíveis. Como exemplo, a mudança de “be going to”, que parte de um sentido literal de movimento no espaço, como em (01), para contextos em que a noção de movimento é inexistente, como em (02) e (03). Como a construção se torna apropriada para mais tipos de sujeitos e verbos, seu uso fica mais freqüente na língua.

4. As mudanças na gramaticalização realizam-se muito gradualmente e são acompanhadas por muitas variações na forma e na função. A variação na forma já foi exemplificada com “be going to” e “gonna”, enquanto que a variação na função pode ser explicada também pelos três exemplos acima, de “movimento”, “intenção” e “futuro”, todos ainda possíveis em usos do inglês moderno.

De acordo com Bybee (2003a), dentre milhares de palavras que uma língua possui, apenas palavras de um grupo reduzido são selecionadas para participar do processo de gramaticalização. Pesquisas nessa área fizeram interessantes observações sobre os itens lexicais que são candidatos a esse processo. Heine et al. (1991), por exemplo, perceberam que os termos desse grupo são culturalmente independentes, ou seja, universais para a experiência humana. Desse modo, pode-se afirmar que os conceitos abstratos, como os gramaticais, têm suas fontes diacrônicas em experiências físicas mais concretas.

Além disso, ela afirma que o fator essencial no desenvolvimento de construções gramaticais é a linguagem em uso, já que os significados e as funções das construções não são fixos e categóricos, mas permitem uma variação, que leva a uma gradual mudança pelo tempo. Por meio de uma abordagem cognitiva da linguagem, Bybee teoriza que as construções gramaticais, unidades automatizadas e convencionalizadas, surgem pelas

freqüentes repetições dos segmentos mais lexicais, e seus significados mudam através dos processos de generalização e inferência pragmática15.

Em seu artigo “Mechanisms of change in Grammaticalization”, Bybee (2003c) ressalta o papel da freqüência nas várias mudanças que as construções gramaticais sofrem. Ela afirma que uma das mais notáveis características dos morfemas gramaticais é sua freqüência textual extremamente alta se comparada com morfemas tipicamente lexicais. Tendo em vista que morfemas gramaticais, geralmente, se desenvolvem de morfemas lexicais durante a gramaticalização, um traço marcante desse processo é o crescimento da freqüência.

Assim, Bybee (2003c, p.603) reconhece a função crucial da repetição na gramaticalização, que passa a ser caracterizada como um processo pelo qual “uma seqüência de palavras ou morfemas freqüentemente usada torna-se automatizada como uma unidade de processamento simples”. Ela argumenta que a repetição ocasiona as seguintes mudanças no processo:

(i) a freqüência do uso leva ao enfraquecimento da força semântica pelo hábito.

(ii) propicia mudanças fonológicas de redução e fusão das construções em gramaticalização. (iii) o aumento da freqüência condiciona uma maior autonomia para a construção, o que significa que os componentes individuais da construção enfraquecem ou perdem sua associação com outras ocorrências do mesmo item.

(iv) a perda de transparência semântica que acompanha a divisão entre os componentes das construções em gramaticalização e os seus componentes lexicais permite o uso do sintagma em novos contextos com novas associações pragmáticas, levando à mudança semântica.

(v) as constantes repetições promovem uma preservação de características morfossintáticas mais antigas.

No entanto, Bybee adverte que embora a repetição seja universal no processo de gramaticalização, e suas conseqüências para a representação cognitiva sejam os maiores fatores na criação da gramática, a freqüência sozinha não pode dar conta de todos os universais da gramaticalização. Não é somente o fato da repetição que é importante, mas, além disso, é o que é repetido que determina os caminhos universais de mudança.

Segundo Bybee (2003c), os universais da linguagem, tradicionalmente entendidos, são generalizações entre línguas, e suas explicações são baseadas comumente em princípios funcionais

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