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4. A NÁLISE DOS D ADOS

4.2.2. Parâmetros de Lehmann

É muito raro encontrar um fenômeno lingüístico ao qual podem ser aplicados todos os parâmetros que identificam a gramaticalização. Por isso, nem todos os parâmetros

75 Conferir essas hipóteses na seção 1.2.4 do primeiro capítulo.

76 Heine e Reh (1984), que tratam dos estágios finais do processo, pontuam que, com o tempo, uma forma

gramaticalizada torna-se altamente sintaticizada, deixando de carregar significância semântica ou significado pragmático. Essa afirmação pode parecer incoerente com um dos objetivos da pesquisa: investigar o processo de pragmatização. Todavia, essas informações não são incompatíveis, pois o enriquecimento e fortalecimento pragmático configuram-se como as motivações que disparam o processo de gramaticalização, não os seus resultados (HOPPER & TRAUGOTT,1993).

77 Segundo Barreto (1998), a conjunção que, partícula multifuncional desde o latim vulgar, é o elemento

subordinativo por excelência, capaz de transformar vocábulos ou combinações de vocábulos de categorias gramaticais diversas em conjunções.

apresentados por Lehmann são pertinentes à análise da gramaticalidade dos perífrases investigadas. Dentre eles, alguns merecem destaque nesta pesquisa78.

O peso sintagmático de um signo, isto é, o seu domínio estrutural, refere-se ao

nível da estrutura gramatical do sintagma com o qual o item apresenta relações gramaticais. Segundo Lehmann (1995), o domínio estrutural tende a diminuir com o aumento da gramaticalização79. A aplicação desse parâmetro correlaciona-se positivamente com a análise de agora que e já que. Houve diminuição do peso sintagmático (redução do nível estrutural) nesse percurso de gramaticalização, que parte dos advérbios agora e já, que escopam uma oração com o que – como em (15a) e (16a) – em direção às perífrases agora que e já que, cujo domínio estrutural é uma oração simples – como em (15b) e (16b):

(15) a. Mesmo agora + que eu perdi a autoridade, sempre fica o prestígio. (SAR)

b. Agora que + ele se foi, tenho medo de parar de crescer. (HPP)

(16) a. E já + que estamos tocando nisso... eu não queria falar mais sobre esse

assunto mas, diante das circunstâncias, tenho que dizer que é melhor que você nesse momento esteja de bem com sua mulher80. (PD)

b. Já que + não conseguira fazer a contento o que partira para fazer, ia

escrever sobre isso, uma espécie de desabafo feminino. (SL)

A coesão de um signo com outros signos no paradigma, nos termos de Lehmann, é denominada paradigmaticidade. O aspecto mais superficial da paradigmaticidade é o

tamanho absoluto do paradigma, o qual se integra, gradualmente, no processo de gramaticalização. Isso é verificado no percurso de gramaticalização das perífrases em análise, visto que o paradigma das conjunções, do qual fazem parte as formas gramaticalizadas agora

78 O parâmetro integridade (peso paradigmático) foi analisado em um primeiro momento, mas descartado

posteriormente, por não se aplicar a este estudo.

79 Tabor e Traugott (1998) demonstraram que o inverso também pode ocorrer (cf. seção 1.2.3.). 80 Nesse caso, já pode ser parafraseado por agora e escopa a oração “que estamos tocando nisso”.

que e já que, constitui-se um grupo mais coeso e fechado do que o paradigma de agora e já –

o dos advérbios, classe com ampla variedade de formas e significados.

A conexidade de um signo – sua coesão sintagmática – diz respeito ao grau com

que ele se une a outros signos no sintagma. O exame da conexidade de um elemento gramatical ocorre mediante um critério sintático, pelo qual se verifica a possibilidade de inserção de material entre ele e a palavra justaposta. Nas unidades de níveis menores, há uma diminuição da inserção de material lingüístico; esse fato é confirmado na formação das perífrases conjuncionais agora que e já que, que apresentam um aumento de conexidade com o avanço da gramaticalização, haja vista a cristalização dos dois elementos (advérbio + que) como constituintes de um todo de sentido. Casos como (17a) e (18a), que ainda não formam perífrases, são exemplos menos gramaticalizados – pois permitem a inserção de material

(19) – Agora que o senhor enxerga a gente, o senhor conta história de índio? (BH)

(20) Mas ela se apaixonou, já que o amor também não respeita razões. (BRI)

A variabilidade paradigmática de um signo corresponde à possibilidade de se

usarem outros signos no seu lugar. Essa liberdade de escolha tende a diminuir com itens mais gramaticalizados. Embora integrem o paradigma dos conectores, menos amplo do que o dos advérbios, as perífrases estudadas ainda permitem várias paráfrases no novo domínio funcional, com em (21) e (22):

(21) Agora que você está mais tranqüila, Deolinda, eu creio que já posso ir. (I)

Como você está mais tranqüila, Deolinda, eu creio que já posso ir. Já que você está mais tranqüila, Deolinda, eu creio que já posso ir.

(22) O lavrador passou a visitar seus vizinhos para consolá-los e ajudá-los, já que

tinham se mostrado solidários com ele em todos os momentos. (HPP)

... uma vez que tinham se mostrado solidários com ele em todos os momentos.

... pois tinham se mostrado solidários com ele em todos os momentos.

... visto que tinham se mostrado solidários com ele em todos os momentos.

Como não foi feito um estudo comparativo com as formas concorrentes de agora

que e já que, não pôde ser investigado se esse é um parâmetro aplicável à gramaticalidade

dessas locuções. Esse parâmetro equivale ao princípio de especialização de Hopper, segundo o qual, à medida que a gramaticalização avança, a variedade de escolhas formais diminui e um pequeno número de formas selecionadas assume significados semânticos mais gerais.

A variabilidade sintagmática de um item, por sua vez, remete-se à facilidade com

que ele pode mover-se dentro de um contexto, isto é, à sua mutabilidade posicional em relação aos constituintes que fazem parte da construção. A posição mais fixa de um elemento

é indício de baixo grau de autonomia e alto grau de gramaticalização. Assim, esse parâmetro é pertinente a esta pesquisa, uma vez que, com o avanço do processo de mudança, a variabilidade das perífrases diminuiu e as fronteiras com outros elementos se tornaram mais integradas ou fixas, consoante o que prevê Lehmann (1995). Essa mudança é observada nos exemplos abaixo81; em (23a) e (24a), as unidades apresentam maior variabilidade posicional, pois não constituem ainda perífrases e possuem a mutabilidade sintática característica dos advérbios que as originaram. Já em (23b) e (24b), percebe-se a posição mais fixa das locuções, as quais já estão integradas e assumem o lugar sintático característico das conjunções, introduzindo orações:

(23) a. Doc.: bom Fábio éh:: eu queria agora82 que cê me falasse... que cê me

desse assim éh:: uma idéia de como é o seu dia-a-dia... desde a hora que você acorda até... até o final do dia mesmo (AC-039)

b. Agora que ele morreu, não posso deixar que fique azucrinando a paz da

cidade. (PD)

(24) a. Doc.: e hoje tua mãe ainda tá com ele?

Inf.: não ele faleceu... [Doc.: hum] já faz:: dez ano já que ele faleceu (AC-032)

b. Doc.: uhum ((concordando)) o Jane então… voltando aqui pro descrever AINda… já que cê já descreveu o sítio descreva pra mim um pouquinho da sua

casa assim de tudo que você lembrar... (AC-066)

As ocorrências em (a) apresentam contextos importantes, pois talvez sejam pistas do surgimento das perífrases. Em (23a), agora está entre o predicado encaixador e complementizador; já em (24a), o advérbio já está entre o nome e o relativizador. Exemplos desse tipo foram freqüentes nos textos pesquisados, principalmente com agora que.

81 Os exemplos orais indicados para explicar esse parâmetro foram baseados na audição das gravações, que

validaram a classificação das unidades como advérbios ou como perífrases conjuncionais.

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