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1. F UNDAMENTAÇÃO T EÓRICA

1.2.5. Paul Hopper

De modo similar a Lehmann (1995[1982]) e a Heine e Reh (1984), Hopper (1991) apresenta princípios gerais por meio dos quais as formas lingüísticas usadas para falar sobre o mundo das idéias e para exprimir relações gramaticais emergiram de palavras mais concretas e entidades mais claramente definidas. Ele ressalta que a gramaticalização, concebida como a transformação de itens e sintagmas lexicais em formas gramaticais, é, atualmente, foco de muitas pesquisas que fazem não só estudos empíricos, mas também debates internos sobre os conteúdos e limites do próprio termo. Para ele, o processo de gramaticalização está diretamente relacionado à natureza dinâmica da gramática.

Em seu artigo “Emergent grammar”, de 1987, Hopper questiona a concepção tradicional que considera a gramática como um conjunto de regras que operam em categorias fixas e pré-estabelecidas. Sua concepção de gramática vai de encontro à noção de uma sincronia estável, de uma gramática em que as estruturas lingüísticas são distintas do discurso. Ao introduzir o termo Gramática Emergente, ele propõe que a gramática, à semelhança da cultura, deve ser vista como um fenômeno social que está em constante processo, emergindo continuadamente.

Hopper argumenta contra o hábito geral de compreender o enunciado em termos de padrões fixos de regras. A noção de gramática emergente está estritamente relacionada com o discurso, pois a estrutura, ou regularidade da língua, surge no discurso e é moldada por ele. Por conseguinte, a gramática não deve ser concebida como um molde fixo para a enunciação, pois suas formas refletem a experiência do falante, bem como suas avaliações da situação comunicativa. O autor ressalta que o adjetivo emergente não é usado para se referir à origem ou genealogia, nem à questão histórica de “como” a gramática surge, antes está

relacionado ao movimento contínuo em direção à estrutura, que é sempre provisória, sempre negociável na interação entre os interlocutores.

De acordo com o lingüista, a doutrina da Gramática Emergente expõe propostas distintas das apresentadas pela gramática tradicional e pressupõe os seguintes fatores:

(1) As regularidades no discurso são de diferentes tipos e de natureza dinâmica, já que há um movimento contínuo entre um tipo de discurso e outro. Como conseqüência, nenhuma ligação pode ser traçada entre as regularidades emergentes designadas como “gramaticais” e outras regularidades referidas como retóricas, formulaicas.

(2) Pelo fato de a gramática estar sempre emergindo, pode ser dito que ela nunca existe por completo, está sempre sendo transformada. Em outras palavras, não existe “gramática”, mas apenas gramaticalização, caracterizada pelo movimento em direção à estrutura.

(3) O principal projeto descritivo da Gramática Emergente é identificar estratégias recorrentes na construção do discurso, estratégias que têm generalidades lingüísticas e que se movem em direção à gramaticalização.

Segundo Heine et al. (1991b, p.77), esse modelo pode ser conciliado com a perspectiva de que a gramaticalização é um continuum, em vez de um processo discreto, uma abordagem que vê a atividade lingüística como “um movimento contínuo em direção à estrutura”.

Conforme Neves (1997a), o caráter gradual do processo é acentuado por Hopper, que buscou descrever princípios que regem a gramaticalização e respondem à questão do “mais” ou “menos” gramaticalizado, não do “dentro” ou “fora” da gramática. Ao apresentar seus princípios, ele declara que sua intenção é suplementar os parâmetros de Lehmann, que caracterizam os estágios mais avançados do processo, quando a gramaticalização é inequivocadamente reconhecida.

Desse modo, Hopper (1991, p.22) enfatiza os estágios mais incipientes, menos acessíveis do processo e apresenta as seguintes tendências na emergência das unidades gramaticais:

I. Estratificação: dentro de um amplo domínio funcional, novas camadas

estão emergindo continuadamente. Quando isso acontece, as camadas mais antigas não são necessariamente descartadas, mas podem continuar a coexistir e a interagir com as camadas mais novas.

Dessa forma, a gramaticalização não acarreta, imediatamente, a substituição de um item pelo outro, mas promove a coexistência de camadas novas e antigas num mesmo recorte sincrônico, ocasionando a variação lingüística. Um exemplo6 de estratificação é o

comportamento da forma a gente no português falado, posto que essa expressão compete, funcionalmente, com os pronomes eu e nós.

II. Divergência: quando uma forma lexical sofre gramaticalização para um

clítico ou afixo, a forma lexical original pode permanecer como um elemento autônomo e sofrer as mesmas mudanças de um item lexical comum.

Isso quer dizer que a gramaticalização de uma forma não implica o desaparecimento de seu uso lexical; ao contrário, pode resultar em pares de formas que apresentam etimologia comum, mas que são divergentes funcionalmente. Assim, o item lexical gente permaneceu como um item lexical autônomo, e, como tal, sujeito a novas mudanças.

6 Os exemplos dessa seção foram recortados de Omena e Braga (1996, p.75-83), que examinaram a

III. Especialização: dentro de um domínio funcional, em um determinado

estágio, pode existir uma variedade de formas com nuanças semânticas diferentes; à medida que a gramaticalização ocorre, essa variedade de escolhas formais estreita-se e um pequeno número de formas selecionadas assume significados semânticos mais gerais e mais gramaticalizados.

Esse princípio corresponde proximamente à obrigatoriedade que Lehmann se referiu e tem como indício, segundo Gonçalves (2003), o aumento na freqüência de uso da forma mais gramaticalizada. No que se refere ao emprego das formas nós e a gente, Omena e Braga (1996) observaram que a ocorrência da nova forma tem predomínio (69%) sobre a primeira.

IV. Persistência: quando uma forma se gramaticaliza, passando de uma

função lexical para uma função gramatical, contanto que seja gramaticalmente viável, alguns traços do significado lexical original tendem a permanecer na nova forma gramatical e detalhes de sua história lexical podem refletir-se em sua distribuição gramatical.

A persistência é característica dos primeiros estágios da gramaticalização em que o significado contextual original das formas permanecem, mesmo que elas mudem de uma função lexical para uma gramatical, dando origem a formas polissêmicas. O traço de coletividade do substantivo gente permanece no seu emprego como pronome; tal fato contribui para uma referência indeterminadora, visto que é mais provável o uso da forma a

gente na referência a um grande grupo indeterminado de pessoas do que a um pequeno grupo

determinado.

V. Descategorização: formas que sofrem gramaticalização tendem a perder

ou a neutralizar as marcas morfológicas e as propriedades sintáticas características de categorias plenas, como nome ou verbo, e assumir

características de categorias secundárias, como adjetivos, partículas, preposições, etc.

Assim, advérbios, auxiliares, preposições e outras “categorias menores” sempre derivariam de categorias principais, como nome ou verbo, mas nunca o contrário. Com relação à gramaticalização da forma a gente, percebe-se que gente possui todas as características de um substantivo, ao passo que a forma gramaticalizada a gente apresenta uma variação sintática “a gente vamos”, que mostra sua integração ao sistema pronominal ao concordar com a primeira pessoa do plural.

Hopper (1996) identifica, ainda, duas dimensões nas quais se assentam os estudos da gramaticalização: a lexical/ etimológica, que recorre a aspectos semânticos e cognitivos para explicar o que é gramaticalizado; e a discursivo/ textual, que se preocupa em analisar os contextos discursivos em que o gramaticalização ocorre. Conforme ele ressalta, uma dimensão complementa a outra, a primeira explica o que é gramaticalizado enquanto que a segunda ilustra como isso ocorre.

De modo semelhante, Hopper e Traugott (1993, p.2) afirmam que a gramaticalização pode ser estudada a partir de dois pontos de vista: diacrônico e sincrônico. A abordagem histórica investiga a origem de formas gramaticais e os caminhos típicos que elas percorreram para sofrer as mudanças. Na perspectiva sincrônica, por outro lado, a gramaticalização é vista como um fenômeno sintático e pragmático do discurso, estudada do ponto de vista dos padrões difusos da linguagem, em que um mesmo elemento pode adquirir múltiplas funções. Concluem que a gramaticalização é ao mesmo tempo um contínuo

sincrônico e um processo diacrônico, já que aquele não pode ser bem situado sem recorrer a

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