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A Câmara e as patentes

No documento michellecardosobrandao (páginas 83-88)

3. O HOMEM BOM EM VILA DO CARMO: PERFIL SOCIAL E ECONÔMICO

3.1. A COMPOSIÇÃO DA CÂMARA: os homens bons de Vila do

3.1.4. A Câmara e as patentes

Importante dizer que as Câmaras tinham um papel fundamental no que respeita à organização das Ordenanças; se por um lado incidiam na escolha dos mais aptos aos postos, por outro seus oficiais eram também elegíveis ao mesmo(RODRIGUES, 2003, p. 245).

Tal relação entre estas duas instâncias não acaba por aí, a presença de militares nos ofícios camarários é, sem dúvidas, fruto do contexto da região do Carmo (não só dela, mas das diversas partes do Império lusitano); uma vez que além da recente descoberta da região ter-se realizado à custa de sangue e fazendas de indivíduos dotados de homens e armas, o período fora marcado por diversos motins, assinalando então a necessidade de tais indivíduos na manutenção da governabilidade local.

Assim, tudo isso não seria possível sem o suporte de homens cujo poder de mando e autoridade eram características inerentes. Não obstante, a escassez do aparelho burocrático fez com que os monarcas se apoiassem nesses indivíduos, cujo poder e autoridade somados à sua força militar lhe assegurariam, em boa medida, a governabilidade local.

Sendo assim, muitas vezes a criação e/ou comando das Tropas de Ordenanças, Tropas de linha – Dragões que em Minas aparecem só depois de 1719 - e milícias eram resultantes de iniciativas individuais, o que sem dúvidas era fator de prestígio, principalmente somado à posse de armas, outro fator nobilitante(RODRIGUES, 2003, p. 111) realçava a distinção de determinado indivíduo entre os demais.

Em estudo sobre as Ordenanças em Vila Rica, Ana Paula Pereira da Costa assinala que a posse de uma patente atribui poder ao indivíduo em duas instâncias: uma que se refere à escolha dos mais aptos ao serviço - incidindo na construção de uma rede de influências bastante importante na localidade – e outra referente à obtenção de foro nobre (COSTA, 2006).

Não obstante, estar entre os principais da terra, fazendo-se presente no exercício nas Ordenanças ou de outras tropas militares, era fator extremamente contribuinte à obtenção de distinção e prestígio. Assim como observou Fernanda Fioravante para Vila Rica (FIORAVANTE, 2008), também acreditamos que a presença de militares na Câmara do Carmo denota que nos anos iniciais o que contava para um indivíduo ser escolhido como camarista e, portanto, ser visto como principal, em boa medida era a autoridade que se atestava também em virtude da posse de uma patente.

Neste contexto, dos 102 oficiais atuantes na Câmara do Carmo no período entre 1711- 36, identificamos 20 que ostentaram algum tipo de patente militar entre os 27 para os quais

obtivemos qualquer tipo de informação, além daquela referente à atuação na Câmara do Carmo. Embora não tivéssemos encontrado nenhuma informação sobre a existência de patente entre 82 dos oficiais que analisamos, isso não significa necessariamente que estes não a tivessem, mas que não foram assinaladas menções a respeito. Ainda assim, dentro do

universo de informações obtidas, o número de patenteados é expressivo entre os homens bons

de Vila do Carmo, alcançando quase 75% daqueles. Vejamos a distribuição das patentes tanto de Ordenanças quanto de Auxiliares e Tropas de Linha entres os oficias do Carmo, na tabela abaixo:

TABELA 6: Distribuição de patentes entre os oficiais de Vila do Carmo, 1711-36. Número de

indivíduos Patente Porcentagem

Sargento-mor 7 35 Capitão-mor 5 25 Capitão 3 15 Coronel 3 15 Mestre de Campo 1 5 Tenente 1 5

Fonte: FRANCO, 1989; AHU- MG (vários documentos avulsos); APM. CMM 02, 05 e 06 e Inventários Post-mortem e Testamentos.

Do exposto na tabela acima é importante que teçamos alguns comentários no caso das Ordenanças. No topo da hierarquia estava a patente de Capitão-mor, cuja função era engajar a população no serviço das Ordenanças, além de visitar e determinar a formação das Companhias que ficavam sob comando do Capitão, subordinado, por sua vez, ao Capitão- mor. O Sargento-mor da comarca vistoriava as Companhias de Ordenanças sob sua administração, estando, pois, no patamar hierárquico logo abaixo do Capitão-mor, promovendo ainda o adestramento das tropas e fiscalizando a conservação do armamento (FIORAVANTE, 2008).

Tanto o Sargento-mor quanto o Capitão-mor eram escolhidos entre as pessoas “principais da terra e dignas de melhor nobreza” (SALGADO, 1985, p. 105-106) já a escolha do Capitão recaía sob o Sargento-mor, cuja aprovação deveria ainda ser realizada pelo Capitão-mor.

Seja como for, entre os oficiais da Câmara de Vila do Carmo foram encontradas patentes de bastante relevância, quer consideremos o poder de mando e a autoridade do indivíduo, quer levemos em conta o estatuto hierárquico que o patenteado adquiria ao ter acesso a determinada patente.

A maioria das patentes encontradas na Câmara em questão oscila entre Sargento-mor e Capitão-mor, isso infere uma posição de bastante destaque a tais indivíduos que alcançaram estas patentes, muitas vezes em função de suas atividades em prol da Coroa e do poder e autoridades adquiridas em função destas suas atividades. Assim aconteceu com Nicolau da Silva Bragança, Sargento-mor da Cavalaria do Ribeirão do Carmo e vereador por duas vezes na Câmara do Carmo (1726 e 1730). Em uma representação ao Conselho Ultramarino é listada as diversas vezes em que Nicolau “procedeu com toda satisfação no real serviço” estando, segundo José Rebelo Perdigão, Mestre de Campo e Auxiliares em Vila Rica, entre as pessoas: “que se acha a serviço e vassalos com suas armas atuando nas sublevações do povo

de Vila Rica e acompanhou [...] com seus negros armados [...] e sempre [...] com vigilância dos presos e condução ao Rio de janeiro [...]. Sempre foi dos primeiros que me socorreu [...] pelo que julgo merecer todas aas honras que se lhe der [...]” (AHU/MG/cx.: 1; doc.: 9).

Diante de sua inestimável atuação e seu destacado reconhecimento, Nicolau da Silva Bragança pede confirmação no posto de Sargento-mor da Cavalaria do Carmo em meados de 1738 (AHU/MG/cx.: 36; doc.: 75), obtendo-a.

Detendo-nos às patentes mais altas, destacamos a ocorrência de 12 dos 20 indivíduos agraciados estando no posto de Sargento-Mor e Capitão-mor, somando juntos 60% do total. Isso nos leva a crer que os oficiais estudados lançaram mão, muitas vezes, dos serviços que realizaram na obtenção de patentes e, mais ainda, de prestígio o que muito somou no rol de distinções que o indivíduo deveria angariar a fim de destacar-se entre os demais e obter um cargo na Câmara.

Destaca-se ainda, que levando em conta o primeiro ofício que foi exercido na Câmara pelos indivíduos que compõem nosso rol de pesquisados, predominou entre o oficialato camarista as seguintes patentes: no caso dos juízes a maior ocorrência foi da patente de Capitão-mor, enquanto no caso dos vereadores e procuradores se destacaram, quase que igualmente, as patentes de Sargento-mor e Capitão.

Isso significa dizer que há uma inerente relação entre o posicionamento hierárquico do ofício na Câmara e a distinção efetivada pela patente. Deste modo, o ofício de juiz destaca-se como o mais alto dentro da hierarquia camarária requerendo, pois, um grau de patente superior, como foi verificado em nosso estudo, isto é, a maioria dos juízes era Capitão-mor. Já no caso de vereadores e procuradores as patentes verificadas são mais baixas, assim como o grau de distinção que estes ofícios revelam. Isso não quer dizer que há uma homogeneidade entre os ofícios de vereador e procurador, pelo contrário, assinalamos que a vereança vem

primeiro que a procuradoria do Sendo, mas assim como, em relação ao ofício de juiz, estão num patamar hierárquico inferior, correspondem a patentes inferiores.

Há de se destacar ainda, que além da existência destas patentes a participação em diligências com o uso de escravos armados, em sua maioria ligadas à manutenção da governabilidade régia nos remete a uma importante forma de negociação entre a elite local e a Coroa. Seja como for, a utilização de seu “sangue e fazendas” fazem do indivíduo patenteado o preferido para o assento da Câmara em relação aos que não detiam este predicado.

A experiência vivenciada no Senado do Carmo por indivíduos patenteados é bastante próxima da verificada em outras regiões do Império português. Destacamos dois estudos neste sentido, em análise feita sobre a Câmara de Vila Rica, Fioravante (FIORAVANTE, 2008) destaca que entre os juízes a patente de Sargento-mor era a mínima exigida e no caso de vereadores e procuradores verificava-se a patente mínima de Capitão. Assinalamos ainda o caso da Câmara de Porto Alegre, em que Comissoli (COMISSOLI, 2006) verifica uma importante ocorrência de Capitães entre os oficiais camaristas.

Dito isto, a presença de patenteados entre os camaristas nas diversas regiões coloniais destacava-se, sobretudo, pelo “casamento” entre autoridade e nobreza, seja na realização de serviços em prol da governabilidade régia, seja em vias de qualificação hierárquica do indivíduo mediante os demais que não detinham tais prerrogativas. A trajetória de Manuel Pereira Ramos parece-nos emblemática neste contexto. Único fluminense observado entre os indivíduos que compõem nossa listagem de oficiais, Manuel atuou como juiz na Câmara de Vila do Carmo em 1717, tendo sido um dos primeiros mineradores de Minas, estabelecendo- se primeiramente no caminho da Bocaina, perto do Ribeirão do Miguel Garcia, na Região do Carmo; onde obteve sesmaria concedida por Antônio de Albuquerque em 1711 em virtude dos serviços realizados. Filho do capitão e vereador do Rio de Janeiro, Tomé Álvares do Couto Moreira, senhor de terras do Cabuçu e do engenho de Sacopemam, Manuel Pereira Ramos herdou do pai a casa e tornou-se senhor de engenhos de Marapicú, Cabuçu, Itaúna, Pauís e Rio Guandu. Em sua experiência na região das Minas Gerais, tornou-se em 1719 capitão-mor regente dos distritos de São Sebastião, São Caetano e Furquim, por patente do Conde de Assumar. Mas suas atividades não pararam por aí, sempre esteve atento às necessidades e ordens do governo do Rio de Janeiro tendo-o auxiliado no momento da invasão francesa à localidade, auxiliando ainda, nos trabalhos de defesa das fronteiras com Castela(FRANCO, 1989).

Conforme constatamos, assim como em outras paragens, mutatis mutantis, os oficiais camaristas do Carmo detinham certos cabedais sociais como a atuação na conquista e/ou povoamento, poder e autoridades reconhecidas localmente e reiterados pela Coroa, e a posse de patentes, por exemplo, que os qualificavam, provendo-os de dignidades e distinguindo-os do ponto de vista de um estatuto nobiliárquico, dos demais homens da sociedade. Isso lhes garantia mais que um ofício na Câmara; possibilitavam-nos arrogarem para si o título de nobreza da terra, membros de uma elite local forjada, sobretudo, em virtude dos serviços realizados em nome de “Sua Majestade” e que em boa medida foram “moeda de troca” na obtenção de mercês e benesses reais. Nas palavras de João Fragoso, este grupo “combinava

pelo menos três ingredientes”: “conquista (povoamento), mando político e presença na

câmara ou outros cargos administrativos”(FRAGOSO, 2001, p. 52).

Não obstante, é necessário ainda chamarmos a atenção para o modo como este grupo de indivíduos se portava do ponto de vista econômico, reiterando seu status nobre diante da sociedade da qual fazia parte. Basta lembrar que ter prestígio e reputação não significava necessariamente ter cabedal econômico, mas o viver “à lei da nobreza” era essencial a este grupo que respirava autoridade e distinção social.

3.2. DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA DOS OFICIAIS CAMARISTAS E A FORMAÇÃO

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