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Ocupação dos ofícios: freqüência e rotatividade nos postos

No documento michellecardosobrandao (páginas 73-80)

3. O HOMEM BOM EM VILA DO CARMO: PERFIL SOCIAL E ECONÔMICO

3.1. A COMPOSIÇÃO DA CÂMARA: os homens bons de Vila do

3.1.2. Ocupação dos ofícios: freqüência e rotatividade nos postos

A Câmara de Vila do Carmo era composta por seis oficiais eleitos anualmente por Pelouro; isto é, o número de oficiais se compunha de dois juízes, um procurador e três vereadores. Nestes termos, a instituição disponibilizava ao ano seis ofícios, o que para nosso recorte temporal (1711-36) equivale a um total de 156 ofícios disponíveis para ocupação durante os 25 anos que compreendem o período que nos dedicamos a estudar.

Por si só, tais dados nos apontam para a identificação de um grupo de indivíduos duplamente restrito, ao passo que ao integrar o grupo de homens bons o indivíduo já se diferenciava do ponto de vista do seu status dos demais e ainda, por outro lado, o fato do número de homens bons ser inferior ao número de ofícios disponíveis nos remete a mais um patamar de restrição.

Isto significa dizer que alguns destes indivíduos foram eleitos mais de uma vez, retratando uma proporção de pouco mais de 1,5 ofícios para cada homem bom identificado no período. O que, como outros trabalhos, confirma a existência de restrição do acesso aos

ofícios na Câmara (BOXER, 1966; VIDIGAL, 1998; FRAGOSO, 2000; GOUVÊA, 1998 e COMISSOLI, 2006), revelando certa “tendência oligárquica” no poder municipal potencializada, inclusive, pelo poder central que se mobilizava para que de fato os ofícios na Câmara fossem ocupados pelo homens bons da localidade(MONTEIRO, 1998, p. 289).

Embora não seja o nosso objetivo, uma discussão teórica a este respeito é interessante assinalarmos o modo como a historiografia vem se dedicando ao estudo da temática oligarquização das Câmaras no cenário do Império português. Assim como aponta Comissoli (COMISSOLI, 2006, p. 80-81) tal estudo vem ocorrendo a partir de dois horizontes

analíticos: o primeiro que dá conta do assunto à partir do número de cargos exercidos ao

longo dos anos e o segundo a partir da sucessão patrilinear dos ofícios ocupados.

Neste sentido, Capela e Borralheiro ao estudarem a Câmara do Amarante puderam verificar a existência de uma forte concentração de mandatos exercidos por poucos homens bons, ligando-se, pois “a oligarquização ao número individualmente desempenhado” (COMISSOLI, 2006, p. 80-81) por cada oficial. Ainda em perspectiva semelhante, Luis Vidigal, em estudo sobre a Câmara de Portimão, observa que somente aqueles nomes que foram citados por quatro ou mais vezes na lista de elegíveis podem ser considerados de fato como influentes no grupo oligárquico local, sobretudo porque tal oligarquização dependia dos eleitores; grupo que influenciava efetivamente na formação do seguimento responsável pelo governo local; definindo, portanto, em quem concentraria a maior parte dos cargos.

Há também de se ressaltar destacado estudo sobre a Câmara de Porto Alegre, em que Comissoli aponta a análise destas oligarquias camarárias a partir do conceito de bando forjado por João Fragoso. Neste sentido, o estudo é direcionado a partir da análise de um grupo que compartilhava interesses de cunhos econômicos ou políticos aproximados e relacionavam-se, entre si. Tal aspecto independeria do número de vezes em que o indivíduo esteve na Câmara ou mesmo se houve a existência de formação de carreira camarista em uma família. O ponto chave da discussão de Comissoli seria a relação baseada em laços e redes de poder na Câmara em função do benefício do grupo.

Seja como for, optamos por apresentar em nossa análise, o motivo pelo qual ocorreu a freqüência de determinados indivíduos nos ofícios da Câmara do Carmo, bem como o modo que se processou a rotatividade nesses ofícios e a ascensão na hierarquia camarária; a fim de analisarmos o motivo da formação de determinado grupo no poder, e não, como tal grupo se beneficiou deste arranjo social. Isto equivale a dizer que estaremos neste capítulo sempre nos remetendo aos fatores de geração do grupo analisado e não nas suas formas de articulação em

primazia, ou seja, visamos constatar o homem bom marianense através do estudo de variáveis como a que estamos discutindo.

Sendo assim, embora havendo cerca de 1,5 cargos disponíveis por indivíduo eleito, foi possível verificar a existência de uma distribuição desigual da ocupação dos ofícios entre os indivíduos constatados como eleitos durante o período analisado. A saber, tem-se:

TABELA 3: Freqüência e rotatividade nos ofícios da Câmara Carmo, 1711-36. Número de ocupação de ofícios Número de indivíduos Percentagem de indivíduos reincidentes 1 70 - 2 22 21,5 3 7 6,9 4 ou mais 3 2,9 Total 102 100 Fonte: APM. CMM 02, 05 e 06.

Observa-se que uma significativa maioria não reincidiu na ocupação de ofícios, ou seja, 70 dos 102 oficiais eleitos para a Câmara no período analisado ocuparam-na apenas uma vez; o que corresponde a 68,6% dos homens bons estudados. A partir daí verifica-se uma demarcada percentagem de reincidência inversamente proporcional ao número de vezes que o oficial esteve no Senado da Câmara do Carmo. Pouco mais de 20% ocuparam por duas vezes algum ofício na Câmara, há então uma importante queda para cerca de 7% de indivíduos que ocuparam por três vezes e, apenas, cerca de 3% ocupando o Senado por 4 vezes ou mais. Tais dados reiteram a restrição do grupo analisado o que significa dizer que eram poucos aqueles indivíduos providos de qualidades para o desempenho do ofício, diminuto também os que participavam efetivamente das vereações e mais que isto, menor ainda, o número de indivíduos reincidentes no oficialato camarista.

Mas tal restrição no que se refere ao grupo analisado tem mais a ver com a restrita dimensão e população dos municípios e a um fenômeno incentivado pela Coroa a fim de criar grupos bem definidos detentores de poder local, ao passo que estes e a Coroa se correlacionam (MONTEIRO, 1998), que com a força destes potentados locais.

Assim, o fato de existir a maior reincidência de alguns (poucos) indivíduos nos ofícios da Câmara do Carmo parece ser fruto, em primazia, do contexto local no que concerne à escassa população propícia para tanto; principalmente se levarmos em conta que embora

invadida por inúmeras pessoas de diversos lugares, na região do Carmo havia gente de todas as categorias, tratando-se ainda de uma localidade de recente elevação à categoria de Vila.

Não obstante, a recorrência de determinado indivíduo mais de uma vez na Câmara pode nos apontar para a existência de determinadas e importantes distinções por partes deles em relação aos demais, tornando-os mais propícios ao cargo; salvas ocasiões que os “demais” indivíduos não tivessem permanecido na localidade, isto é, tenham ido à procura de melhores condições de obtenção de “ganho”. Dois casos são emblemáticos em relação a esta assertiva, a saber, o de Rafael da Silva e Souza, cinco vezes no Senado do Carmo e o de Jacinto Barbosa Lopes, o qual compôs o quadro de oficiais apenas por duas legislações.

O Capitão-mor Rafael da Silva e Souza fora da leva dos reinóis que chegaram à região do Carmo nos primórdios da sua descoberta e ocupação, tendo ainda, sido o primeiro a obter patente de Capitão-mor em Vila do Carmo. Algo muito importante tendo em vista o fato de tratar-se de um cargo vitalício e o mais elevado da hierarquia militar das Ordenanças, o qual poderia ser ocupado apenas pelas “pessoas principais” da localidade como estabelecia a legislação; atestando, portanto, prestígio e distinção ao seu ocupante. Não obstante, Rafael carregou também a primazia no ofício de juiz da Câmara da primeira Vila de Minas Gerais.

A sua escolha para ocupação de tais cargos está ligada ao prestígio que este indivíduo obteve em função de seus diversos serviços realizados em prol de Sua Majestade, e ainda, pelo fato de suas ações concatenarem com a obtenção de autoridade e poder reconhecidos localmente e em boa medida reiterados pelo rei.

Sem dúvidas o referido Capitão-mor teve papel fundamental no apoio aos governadores de Minas, sempre atuando com “satisfação [nas] muitas diligências para

sossego e conservação daqueles povos, com despesa de suas fazendas [...]” (AHU/MG/cx.: 1; doc.: 31) destacando-se, sobretudo, em momentos de tensão.

Ao que parece sua atuação foi bastante significativa no combate contra os paulistas na ocasião da Guerra dos Emboabas, embora tivesse atuado em Guarapiranga quase exclusivamente no apaziguamento (FRANCO, 1989) ao proteger a localidade daqueles que se levantaram contra a Coroa, o Capitão-mor Rafael toma para si o direito de arrogar-se fiel à Sua Majestade. Isto se ratifica não só neste, mas ainda no momento e que houve a invasão dos franceses no Rio de Janeiro, tendo o Capitão-mor “marchado acompanhado de

seus negros armados, com fidelidade e obrando para si e para os seus” (AHU/MG/cx.: 6;

doc.: 6). Não somente, também na ocasião do levante de Vila Rica, o Capitão-mor Rafael esteve a serviço de Sua Majestade e fiel ao Conde Assumar.

Todos estes serviços, somados à prerrogativa de estar entre os primeiros povoadores da localidade, fazem-no um indivíduo proeminente na hierarquia social, do ponto de vista do seu status obtido graças a estes predicativos que o tornou, mais que a outros, apto à vereança por cinco vezes, e mais que isto, ao mais alto ofício desta instituição, o de juiz; elevado era o seu grau de destaque.

Nestes termos, o paulista Jacinto Barbosa Lopes também nos pareceu bem enquadrado nos parâmetros de qualificação ao exercício na referida Câmara. A distinção que arregimentou ao longo de sua vida o possibilitou ocupar o Senado do Carmo por duas vezes, a primeira em 1711, como vereador e a segunda em 1718, como juiz; e tudo indica que só não veio fazer parte do oficialato camarista do Carmo novamente por ter indo embora da região.

Nascido em São Paulo, “era filho do português Francisco Barbosa Rabelo e uma paulistana, os quais lhe deixaram de herança, entre outros bens, dinheiro amoedado”21, o qual lhe foi bastante útil em sua promissora carreira de desbravador e conquistador de regiões sertanistas.

Sua expressão política também parece ter sido fruto de herança, visto que o avô Gonçalo Lopes foi procurador da Câmara paulista em 1658, assim como seu pai, Francisco ocupou o ofício de vereador; o que faz de Jacinto Barbosa Lopes, cria de uma família de “homens bons nobilitados pelos cargos municipais”.

Entre os fundadores de Vila do Carmo, Jacinto esteve presente na primeira vereação da Vila que parece ter sido, em boa medida, resguardada aos fundadores/conquistadores daquela terra. Em 1714 obteve patente de Capitão mor da Vila de Itu, voltando em 1716 à Vila do Carmo como Cobrador dos Quintos. Deste modo, sua permanência na região mineira estendeu-se até 1718 quando retornou à vereança no Carmo, ocupando o posto de juiz do Senado da Vila. Tudo isto nos parece bastante importante para ratificar a obtenção de predicativos singulares por parte de Jacinto, tendo em vista suas atuações junto à administração pública e ao real serviço.

Contudo, a permanência de Jacinto Barbosa Lopes na região de Minas Gerais não se estendeu muito a partir daí, uma vez que “por volta de 1719/1720 esteve envolvido nos conflitos referentes à sedição de Vila Rica contra a implantação da Casa de Fundição de ouro”.

21

Informações gentilmente cedidas pelo Doutor Carlos Alberto Rosa, professor da Universidade Federal do Mato Grosso.

Diante deste ocorrido e do capital tanto simbólico, quanto econômico que havia adquirido ao longo de sua vida, Jacinto Barbosa Lopes chegou em 1721 às minas de Cuiabá, “já bastante experimentado no jogo político, formou num local conhecido por Forquilha um arraial com Igreja em louvor à Nossa Senhora da Penha de França”.

Sua trajetória é visivelmente emblemática no que se refere à reincidência em postos na Câmara. Sobretudo porque uma vez obtendo os predicativos necessários para ocupá-la, Jacinto distinguiu-se entre os demais homens da localidade em virtude de suas atuações em prol da Coroa, bem como do exercício em cargos públicos e da atuação na conquista, não podendo efetivar a ocupação do Senado por mais vezes em função de ter optado por deixar a região de Minas Gerais, o que ainda nos leva à formulação de outra hipótese, pois a grande rotatividade na câmara, sobretudo nos anos iniciais, pode ainda ter sido fruto da necessidade de deslocamento que esses desbravadores tinham, visto que estavam ainda tentando de firmar, buscando boas oportunidades de estabelecimento como elite e de obtenção de status, como o fez Jacinto Barbosa Lopes, que após explorar todos os recursos possíveis optou por deixar a região.

Deste modo, muito embora não haja uma oligarquização dos oficiais camaristas assentes na baixa recorrência de indivíduos capazes para tanto, a reincidência de determinados indivíduos em diversos ofícios ocorre também em virtude de ao longo de sua trajetória, tais indivíduos terem arregimentado atributos, incremento social e econômica, consolidando-se na região, o que ampliavam as possibilidades de torná-lo, mais vezes, um oficial da Câmara.

Tais atributos agiram também na conformação da carreira hierárquica do indivíduo dentro da Câmara, isto é, foi possível visualizar que a obtenção de prestígio no decorrer da vida de determinados indivíduos os possibilitavam o retorno à Câmara, ocupando, porém, um ofício superior. Assim, muitos ascenderam de procurador a vereador e, deste, a juiz. Deste modo, chamamos a atenção para a tabela abaixo:

TABELA 4: Evolução na carreira de oficial camarista em Vila do Carmo, 1711-36.

Fonte: APM. CMM 02, 05 e 06. Evolução na ocupação de ofício (P: procurador, V: vereador, J: Juiz) Número de indivíduos Percentagem em relação ao total de reincidentes P-V 7 21,9 V-J 16 50 V-V 5 15,6 J-J 4 12,5 Total 32 100

Dos 32 indivíduos que conseguiram retornar ao ofício camarário, verificamos que metade deles conseguiu a ascensão no que respeita à carreira camarista, passando de vereador a juiz (incluindo neste caso, o de um indivíduo que passou pelas três maiores instâncias de poder na Câmara: isto é de procurador ascendeu a vereador e, finalmente, atingiu o posto de juiz). Enquanto que cerca de um quarto daqueles 32 oficiais atingiu o ponto médio na governação, isto é, a ocupação do ofício de vereador, tendo sido, estes, advindos da procuradoria do Senado.

Ademais, como ressalta Maria de Fátima Gouveia (GOUVEIA; FRAZÃO, e SANTOS, 2004) o exercício administrativo pode ser considerado uma estratégia que vincula saber e poder, visto que a ocupação de diferentes cargos por um mesmo indivíduo indica o acúmulo de informações e experiências. Isto também se aplica, a nosso ver, àqueles indivíduos que por mais de uma vez e em diferentes postos, atuou como oficial da Câmara.

Embora tenha havido a permanência de um total de pouco mais de 28% de indivíduos que reincidiram na ocupação do mesmo posto que já havia ocupado anteriormente, verificamos que o alcance de um melhor posicionamento hierárquico na Câmara foi o caminho encontrado pela maioria dos oficiais, que entre outras formas, buscaram nesta, meios de obtenção de possibilidades em ampliar privilégios e obter maior distinção dentro da instituição camarária..

Basta lembrar que a atuação como juiz além de ser a mais renomada na Câmara conferia a quem exercia tal função o poder de legislar sobre a população da localidade, aplicando assim, a justiça, mas acima de tudo isto, cabia a ele a fiscalização dos demais oficiais, o que lhe permitia o acesso a informações que poderiam ser bastante úteis neste contexto.

Dos 32 indivíduos que detectamos como reincidentes na ocupação de um ofício na Câmara de Vila do Carmo, apenas um como assinalado, Teodósio Ribeiro de Andrade, experimentou todos os ofícios, isto é, passou pelos três cargos mais altos na Câmara, a saber: iniciou sua carreira em 1721 como procurador, no ano seguinte passou a exercer a função de vereador e seis anos mais tarde, em 1728, tornou-se juiz.

A progressão de sua carreira e a reincidência na ocupação de ofícios na Câmara podem ser bem explicadas considerando-se a projeção social que Teodósio poderia ter adquirido ao longo de sua trajetória ou ainda há a possibilidade da existência de uma provável relação com o número de indivíduos capazes para tanto.

Segundo a legislação que incidia sobre as eleições na Câmara, as Ordenações Filipinas (Livro 1º, Título LXVII) a reeleição era proibida, sendo que o indivíduo só poderia retornar ao Senado em quaisquer dos ofícios após três anos contados a partir do dia que deixou de servir, tal questão poderia ser revogada, entretanto, em lugares onde não se poderiam encontrar tantas e tais pessoas, sendo que neste caso o indivíduo poderia ser oficial um ano sim e outro não.

Levando-se em conta a presença de Teodósio em anos consecutivos na vereança, existe a possibilidade de não ter-se encontrado pessoa adequada ao exercício do ofício, muito embora, isso só fosse legítimo tendo um intervalo de pelo menos um ano no exercício camarário.

Seja como for, Teodósio Ribeiro de Andrade era provido de determinadas distinções que faziam dele um legítimo homem bom do Carmo, independente do número de vezes que tenham participado da vereança; afinal é notória a necessidade de incorporar ao Senado apenas os “principais da terra”, muito embora não tenhamos encontrado nenhuma informação sobre este indivíduo a não ser a sua presença na Câmara de Vila do Carmo.

No documento michellecardosobrandao (páginas 73-80)