• Nenhum resultado encontrado

O Código Civil Brasileiro – 2002

No documento Deveres parentais imateriais (páginas 42-45)

3. EMBASAMENTO NORMATIVO EM VIGOR A PARTIR DE 1988

3.3 O Código Civil Brasileiro – 2002

No Código Civil de 2002, chama-se atenção além da utilização da nova expressão “poder familiar”, a forma como do direito de família foi tratado, pois o Livro IV, destinado ao tratamento do direito de família, foi dividido em dois Títulos, o primeiro para o direito pessoal e o segundo para o direito patrimonial, onde o primeiro, pelo menos da forma como foi colocado, mereceu tratamento prioritário. Entretanto, a mudança de expressão e da disposição dos artigos não alcançou o seu contéudo, que se manteve semelhante ao Código de 1916. Alertando Maria Berenice Dias96 que a lei civil não contemplou vários deveres dos pais em relação aos filhos, como foi o caso do “dever de lhes dar amor, carinho e afeto”, dentre tantos outros, que nos capítulos seguintes serão lembrados.

Então, em cotejo com o Código Civil de 1916 e a Lei do Divórcio, o Código Civil de 2002 trouxe as seguintes modificações: a mudança terminológica de pátrio poder para poder familiar; o exercício conjunto do poder familiar, pelo pai e pela mãe, ao invés do exercício exclusivo pelo pai, como era disposto originariamente pelo Código de 1916 ou em colaboração com a mulher, posteriormente, com a edição da Lei do divórcio; a exclusão definitiva do tratamento desigual e a utilização da expressão filhos ilegítimos; acrescentou ao texto de 1916, mais uma hipótese de extinção do poder familiar, qual seja,

96

por decisão judicial e outra hipótes de perda familiar, que foi por ato judicial (se incidir, reiteradamente, em falta aos deveres inerentes aos pais). O mais se manteve inalterado97.

Comparando-se com o ECA, adverte Paulo Lôbo, que “o Estatuto ressalta os deveres dos pais, enquanto o novo Código, repetindo o anterior, opta pelas dimensões do exercício dos poderes”98

. Então, no Estatuto está previsto, em seu artigo 22, expressamente os deveres: “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação, cabendo-lhe ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. Já no Código Civil de 2002, em seu artigo 1.634, o exercício do poder, nos termos a seguir:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida Civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Logo, em síntese, os direitos e deveres parentais de natureza pessoal ou imaterial previstos no Código de 2002, correspondem aos deveres dos pais ou responsáveis em relação aos filhos: de criá-los, educá-los, tê-los na companhia e guarda, de representá- lo e assisti-lo nos atos da vida civil; bem como aos direitos dos pais de exigir obediência e os serviços próprios de sua idade e condição. Poderia ter sido mais completo, em conformidade com a Constituição, que é bem mais ampla.

O dever de criar, educar e a guarda serão abordados adiante, em conformidade com a Constituição Federal. Restando a apreciação quanto ao dever de assistir e representar o filho nos atos da vida civil. Então, de acordo com os artigos 3º, 4º e 1634º, V do Código Civil, os filhos com idade até os dezesseis anos incompletos, não emancipados, serão representados para a prática de todos os atos da vida civil, pelos pais ou responsáveis. Já os menores entre dezesseis anos completos e dezoito anos incompletos serão assistidos pelos pais nos atos da vida civil. Significando nesta última hipótese que podem praticar os atos da vida civil acompanhados pelos seus pais e, em sua falta, por seu responsável.

Quanto aos direitos relacionados aos pais de exigir obediência e os serviços próprios de sua idade e condição, é necessária uma reflexão. Pois, em nome deste direito,

97

LÔBO, Paulo. Poder Familiar. Revista Síntese de Direito de Família. São Paulo, n. 67 – Ago-set/2011 – Assunto Especial – Doutrina. CD-Rom.

98

pode-se tentar esconder a exploração do trabalho infantil. A este respeito, também se posicionou Paulo Lôbo:

Tenho por incompatível com a Constituição, principalmente em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 227), a exploração da vulnerabilidade dos filhos menores para submetê-los a "serviços próprios de sua idade e condição", além de consistir em abuso (art. 227, § 4º). Essa regra surgiu em contexto histórico diferente, no qual a família era considerada, também, unidade produtiva e era tolerada pela sociedade a utilização dos filhos menores em trabalhos não remunerados, com fins econômicos. A interpretação em conformidade com a Constituição apenas autoriza aplicá-la em situações de colaboração nos serviços domésticos, sem fins econômicos, e desde que não prejudique a formação e educação dos filhos99.

É comum observarmos crianças ajudando os pais em atividade comercial, em feiras livres, em lanchonetes, bares, no comércio ambulante, no corte da cana-de- açúcar, nas atividades rurais, no sertão, enfim, o trabalho infantil ainda está bastante presente em nosso país. Não podendo este artigo servir de alicerce para se permitir tal prática. Contudo, faz parte da formação de um filho ensiná-los as atividades domésticas básicas relacionadas à limpeza, à organização, ao acondicionamento dos alimentos, das roupas limpas e sujas, dentre tantas outras tarefas domésticas. Isto também é educação.

Tais dispositivos sintetizam o complexo de direitos fundamentais relacionados à criança e ao adolescente, necessários ao seu pleno desenvolvimento, a ser promovido pela família, em especial pelos pais durante o exercício do poder familiar, independentemente de vínculo de conjugalidade, união estável, ou qualquer tipo de união. Então, para melhor compreensão da extensão e profundidade de tais direitos, especialmente aqueles de contéudo imaterial, passa-se a analisá-los sob o ângulo dos genitores que tem o dever legal de implementá-lo.

99

LÔBO, Paulo. Poder Familiar. Revista Síntese de Direito de Família, 2011 – Assunto Especial – Doutrina. CD-Rom.

No documento Deveres parentais imateriais (páginas 42-45)