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Código Criminal de 1830 e o Código de Processo Crime de

SISTEMA PENAL E DA JUSTIÇA NO BRASIL

1.1. Código Criminal de 1830 e o Código de Processo Crime de

O Código Criminal do Império do Brasil foi promulgado em 16 de dezembro de 1830, que, após sua revisão passou a se chamar Código de Procedimento Criminal de Primeira Instância ou Código de Processo Crime, em 1832, com disposição provisória acerca da administração da justiça civil. A antiga Relação fora substituída pela Casa de Suplicação, que ficava sob as ordens do Superior Tribunal de Justiça.

O Código Criminal do Império do Brasil instituiu a pena privativa de liberdade para a maioria dos crimes e aboliu definitivamente a pena de morte, os castigos físicos e os julgamentos sem processo, exceto no caso dos escravos; definiam também um sistema de graduação das penas, ou seja, as penas deviam ser proporcionais à gravidade do delito e à responsabilidade do delinqüente.

O Código Criminal foi criado para coibir os levantes urbanos, as lutas pela posse de terra, combater a insurreições de escravos, destruição de quilombos, distribuição e ocupação da população do Império, vigiar os ditos “vadios” e “desordeiros”. Em todos esses casos, o Império poderia agir aplicando as penas previstas pelo Código: morte, prisão perpétua ou temporária, com ou sem trabalho e banimento. Essas penas visavam a regulamentação da ordem, fazendo valer à toda sociedade quer seja ela livre ou escrava. Esse Código vigorou no Brasil por 60 anos, chegando até a República.

O Código criado revogava o Livro V das Ordenações Filipinas; foi inspirado na Escola de BeccariaTPF

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FPT e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 27 de agosto de 1789, e estava fincado em quatro princípios gerais: o do UpreestabelecimentoU

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CARRILLO, op. cit., v. II, pp. 487-488.

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Cesare Bonesana, conhecido por Marquês de Beccaria, foi estudioso e crítico do Sistema Penal. Nascido em Milão no ano de 1738, em sua obra Dos delitos e das penas, propunha uma mudança na legislação Penal da época, divulgando idéias como o fim dos suplícios, o fim dos julgamentos secretos e contra a prática dos confiscos dos bens do condenado. Morreu em Milão em 1794.

das penas, previsto em seu artigo 33 (“nenhum crime podia ser punido com penas que não estivessem estabelecidas em lei”), este artigo tem por base o artigo VII da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (a lei não deve estabelecer senão penas estritas e evidentemente necessárias e ninguém pode ser castigado senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada).

Art. 7. Nenhum homem pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e segundo as formas por ela prescritas. Aqueles que solicitam, expedem, executem ou fazem executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas todo cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente: ele se torna culpado pela resistência.TPF

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O segundo princípio era o da Uproporcionalidade das penas aos crimesU, o que Foucault também chamava de “Regra da Quantidade Mínima”TPF

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FPT, onde explica que, um crime é cometido porque traz vantagens. Se a idéia do crime fosse ligada à idéia de uma desvantagem um pouco maior, ele deixaria de ser desejável e que, para que o castigo produzisse o efeito que se devia esperar dele, bastava que o mal que o causasse ultrapassasse o bem que o culpado retirou do crime.

O terceiro consagrava a Uimprescritibilidade das penasU, ou com as palavras dos juristas: as penas impostas aos réus não prescrevem em tempo algum. E, por fim, o quarto princípio era o da Uacumulação das penasU, dizia que, se o réu tivesse praticado mais de um crime, as penas fixadas para cada um deles seriam cumpridas uma após a outra.

A isenção da pena era concedida apenas aos crimes praticados para evitar mal maior, em defesa própria, em defesa da própria família, em defesa da pessoa de um terceiro ou, ainda, em resistência à execução de ordens legais. Nesses casos, compreendem-se aqui, também, os crimes passionais, em defesa da própria honra ou da honra da família, e os crimes classificados como leves, que correspondem ao não cumprimento de Posturas criadas pelas Câmaras Municipais.

A pena de galés que era aplicada como comutação da pena de morte ou (em grau mínimo) para os crimes de perjuro, pirataria ou de ofensa física irreparável da qual

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GANDMAISON, Oliver lê Cour (org). Les Constitutions Françaises. Paris: Editions la Déscouverte, 1996.

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resultasse aleijão ou deformidade. Os punidos com ela deviam andar com calcetaTPF 57

FPT no pé e corrente de ferro, além de serem obrigados a trabalhos públicos.

A pena de prisão era estabelecida para a quase totalidade dos crimes. A de banimento, consistia em autêntica captis diminutio do status civitatis posto que privava o condenado dos seus direitos de cidadão, além de impedi-lo de residir no território do Império. É curioso, contudo, observar que não se encontra no código qualquer crime para o qual fosse estabelecida tal pena.

Outra pena era a de degredoTPF 58

FPT, que obrigava o punido a residir em determinado lugar e por certo tempo (art. 51) e estava cominada para réus que cometessem estupro de parente em grau em que não fosse admitida dispensa para o casamento (art. 221) ou para quem sem legitimidade ou investidura legal, exercesse comando militar ou conservasse a tropa reunida abusivamente (art. 41).

A pena de desterroTPF 59

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consistia na saída do condenado do local onde foi praticado o delito, do de sua principal residência e do ofendido, era aplicada nas hipóteses de conspiração, abuso de autoridade, crime de estupro e de sedução de mulher com menos de dezessete anos.

A perda de exercício dos direitos políticos era uma espécie de pena acessória, aplicada enquanto durassem os efeitos da condenação às galés, à prisão, ou do desterro (art. 53).

A pena de perda do emprego destinava-se aos funcionários públicos que cometessem os crimes de prevaricaçãoTPF

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, de peitaTPF 61

FPT, de excesso ou abuso de autoridade, dentre outros. Já a pena de suspensão de emprego era estabelecida para as hipóteses, por exemplo, da prática de concussão.

A pena de açoites só podia ser aplicada aos escravos e desde que não condenados à pena capital, ou de galés, ou ainda, por crime de insurreição. Havia ainda a pena de multa que consistia no pagamento de pecúnia e era aplicada aos condenados à pena maior, quer por crimes públicos, particulares ou policiais.

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Calceta – Argola posta nos pés presas por correntes para impedir a fuga. In: XIMENES, Sérgio.

Dicionário da Língua portuguesa. São Paulo: Ediouro, 2000.

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Degredo (ê) Sm: Expatriação; obrigado a residir em outra pátria que não seja a sua de origem. In: Idem, ibidem.

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Desterro (ê) Sm: Saída; banimento do local. In: Idem, ibidem.

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Prevaricação: 1. Falta ao dever, ou aos deveres de seu cargo ou profissão. 2. Torcer a Justiça. 3. Perpetrar adultério. In: BUARQUE DE HOLANDA, Aurélio. Minidicionário século XXI: Minidicionário

da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

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Praticamente dois anos após a promulgação do Código Criminal, adviria o Código de Processo Criminal de Primeira Instância com Disposição Provisória Acerca da Justiça Civil (lei de 29 de novembro de 1832) ou, como é mais conhecido, Código de Processo Criminal de 1832, inspirado por dois modelos: o inglês e o francês, onde acolhia o princípio romano (Sentença de Paulus) de que o ônus da prova caberia a quem alega (Incumbit Probatio, qui dicit, non qui negat), ao pé da letra, incumbe a prova a quem diz (alega) e não aquele que nega.

O “novo” Código reservava aos juízes de paz, papel de grande relevo na administração da justiça, eles substituíam os antigos juízes ordinários, sendo igualmente cargos eletivos da esfera municipal. Eles deixam de conduzir as Câmaras, que passavam para as mãos do vereador mais votado e passavam a ocupar a função de buscar a conciliação:

Art. 160. Nas civis, e nas civilmente intentadas, poderá as partes nomear juizes árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes.

Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará processo algum.

Art. 162. Para este fim haverá juizes de paz, os quais serão eletivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os vereadores das comarcas. Suas atribuições, distritos serão regulados por lei.TPF

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A esse juizado cabia a conciliação para não se chegar ao processo de fato, prezando a negociação amigável, não podendo nenhuma das partes recorrer do processo. Essa nova medida podia ser encarada como um dos termos do bem viver, onde o Estado procurava incorporar as tradições, assimilar as virtudes e registrar os comportamentos dos pobres, evitando os conflitos. Era a forma encontrada pelo Estado de adequar a vida tradicional com seus direitos e deveres. O Estado passava a processar as condutas ou a negação delas que iriam constituir o criminoso. Como disse Foucault, num estudo sobre as transformações do sistema jurídico-penal mundial:

o crime ou a infração penal é a ruptura com a lei; lei civil explicitamente estabelecida no interior de uma sociedade pelo lado legislativo do poder político. Para que haja infração é preciso haver um poder político, uma lei e que essa lei tenha sido haver infração.TPF

63 FPT TP 62 PT

Código de Processo Penal de 1832.

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Tendo em vista os termos do bem viver, vários debates jurídicos foram realizados e junto com eles várias leis, decretos e posturas foram surgindo, tendo em vista o direito consuetudinário, ou seja, com vigência no comportamento e cotidiano urbano. Certos costumes como: formas de tratamento, noções de higiene, medidas preventivas contra doenças, saneamento e respeito à propriedade privada, passam a ser regidos pela ordem que deve ser unificada em cada município e quando se tratava do Código Penal, em todo território nacional, sempre obedecendo aos moldes impostos pela elite imperial e sob vigilância do poder público, que cabia a ele identificar os indivíduos e lugares tidos como “periculosos”. Nesses termos temos: os “vadios”, bêbados por hábito, prostitutas, mendigos, tabernas, casas de negócio, botequins, etc. Para fiscalizar a ação desses agentes, foi criada a Instância Policial e, a partir daí, aprimoram-se a criação das prisões, casas de correção e penitenciárias.