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O descaso e a preocupação com a reforma penal

POBREZA, CRIME E DOENÇAS

3.3. O descaso e a preocupação com a reforma penal

Em 1826, Salvador não possuía iluminação e nas sombras da noite pairavam sobre a cidade a impunidade dos crimes, escândalos amorosos e levantes de escravos e nas prisões isso não era diferente, pelo contrário, as péssimas condições de iluminação proporcionavam rixas, desordens, embriagues e assassinatos.

Conforme a comunicação de V.V.S.Sª, em oficio de 18 do corrente, fico ciente de ter essa Câmara mandado fornecer uma caneca de azeite de peixe, por mês, à prisão da galé em quanto nela estiverem o de que falei em oficio de 15 do passado.TPF

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O álcool entrava nas prisões por maior que fosse a vigilância empregada e concorria para a criminalidade ali existente. Sua introdução era quase feita com a cumplicidade dos soldados e marinheiros, que dele ficavam com a maior parte e cujo excesso era sinônimo de macheza e de virilidade. A aguardente nacional tão usado pelas camadas mais pobres da sociedade, se estendia também às mais elevadas. Nas forças armadas ele substituía o vinho português e constava no rol da ração fornecida aos marinheiros. Em pouco tempo esse consumo se transformava em vício e era responsável pela maior parte dos episódios de indisciplinas que se produzia nesses locais. Verdadeiros alcoólatras eram mantidos no quadro ativo da marinha desse período. Tal situação não era restrita à Bahia, essa prática era comum em todo o Brasil.

Ilmo e Exmo. Snr. Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Exa. Que hontem pelas 5 horas da tarde havendo-se embriagado o imperial marinheiro que se achava de guarda neste Arsenal e cometido ainda outras faltas foi prezo pelo Sargento Comandante da Guarda a minha ordem havendo eu ordenado que mesmo da prisão fosse ele fazer os sentinelas que lhe pertencem por não recair o serviço sobre os demais praças aconteceu que achando-se de sentinela no cais da ribeira nova desertara das 7 as 9 horas da noite d’ali desapareceu. Ds. Guarde a V. Exmª. Inspeção do Arsenal da Marinha 15 de abril de 1842. Ilmo. Snr. Marquês de Pranaguá – Antônio Joaquim do Couto.TPF

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As Câmaras Municipais estabeleciam uma relação muito estreita entre saúde e sociedade. A ação do poder municipal na área da saúde corria como uma ação fiscalizadora dessas atividades, no que diz respeito à limpeza da cidade, à inspeção sanitária dos navios através do Provedor da Saúde, do comércio de alimentos, aos

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APMBa. Sessão Polícia. Ofícios expedidos à Câmara Municipal de Salvador.

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Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro. Oficio de 15 de abril de 1842 (existe cópia no livro nº 8.952, p. 25).

cuidados com o isolamento dos doentes, às cadeias e toda sua rede de manutenção. As resoluções da Câmara chegavam à população através de Posturas publicadas em editais, no intuito de promover melhores qualidades de vida à população.

Remeto a V. Mês por copia a representação, que em data de 11 do corrente me dirijo o Juiz de paz da freguesia de Pirajá, na qual expõe a necessidade que tem das posturas dessa Câmara na que diz respeito à parte policial, e que no seu distrito haja um Juiz Nentenário, para que tenha essa efetiva execução alei de 15 de outubro de 1827... Ao Palácio do Governo da Bahia, 21 de julho de 1828.TPF

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No que diz respeito a uma ação mais enérgica das autoridades contra o foco de desordens que se abatia sobre a cidade, a medicina passou a impor novas concepções acerca da moradia e a edificação de casas, segundo os membros da comissão de saúde. Começou então a discutir entre a classe médica o problema da moradia e suas aglomerações como forma de causar riscos epidêmicos, reforçado pela Teoria dos Miasmas, que dizia do risco de contaminação através do ar trazido pela putrefação de cadáveres, matéria pútrida dos lixos, mangues, pântanos, curtumes, chiqueiros, valas, etc.

A política de saúde pública adotada na província da Bahia foi aplicada entre 1822-1889, cuja preocupação era baseada nas doenças infecto-contagiosas, onde era promovida desinfecção local e remoção dos doentes para o isolamento do Monte Serrat e as outras instituições hospitalares. A falta de serviço de água e esgoto trazia epidemias e surtos que assolavam a província e amedrontava a população, sendo necessário no século XIX, a criação de um serviço médico hospitalar, como o Asilo da Mendicidade, Asilo S. João de Deus, o isolamento do Monte Serrat e isolamento dos Lázaros, enfermaria dos variolosos do Barbalho e Instituto vacínico.TPF

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A concepção de hospital no início do século XIX, era visto como local de albergue, de conforto aos despossuídos, de amparo aos pedintes e de socorro. O serviço médico-hospitalar desse período se preocupava em manter a cidade livre das epidemias, tornando a área de comércio um local “fora de risco”, por esse motivo não se criara na cidade nenhum hospital, temendo por em risco toda a população: único hospital permitido era aquele que isolava o doente do convívio social. O hospital do isolamento do Monte Serrat, fora criado para excluir ou separar os doentes dos sãos. Ele era fundamental na política de isolamento, era na verdade, local de confinamento.

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APMBa. Sessão Polícia. Ofícios expedidos à Câmara Municipal de Salvador.

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A cidade crescia desordenadamente e isso fez com que as epidemias se propagassem e crescesse a necessidade de fiscalização do espaço urbano e controle dessas epidemias. Diversos estudiosos como: José Cândido da Costa, Antonio Januário de Faria, Domingos Rodrigues de Seixas, entre outros, saíam para a Europa para buscar recursos científicos para combatê-las.

Na maioria das freguesias de Salvador era possível perceber casas pobres e ricas, pois ainda não havia distinção entre bairros “nobres” e “populares”. Essa não separação foi inclusive apontada pela autora Kátia Mattoso como uma “completa promiscuidade social”.TPF

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FPT As casas mais pobres eram pouco arejadas, quentes e úmidas, algumas feitas de adobe ou taipa, muitas não tinham piso o que facilitava a aglomeração de lixo. Depois da habitação, estudava-se a morte e o cemitério. Só depois é que as preocupações médicas se voltavam para as doenças contagiosas e os cuidados necessários diante disso. Sobre os cemitérios Philippe Àries descrevia na Europa:

Mas era necessário afastar primeiro o horror difuso que mascarava todo o resto. Esse horror fixou-se no cemitério. Para o procurador geral de 1763, o cemitério não aparece como um lugar de veneração e de piedade. Virá a sê-lo mais tarde, sem dúvida, mas por enquanto é um foco de podridão e de contágio.TPF

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Nesse contexto, as cadeias desse período também passaram a ser alvo de preocupação por parte dos cientistas da época, que, nas suas visitas, faziam relatos sobre a insalubridade desses locais e as várias doenças que acometiam essa população e o perigo que causavam à sociedade, sendo pontuadas um maior índice de doenças de pele, por falta de higiene pessoal e dos locais; doenças respiratórias e febres de toda natureza, devido à umidade desses ambientes e a síflis que desde a colonização já se fazia presente em nossa cidade, como afirma Gilberto Freyre em Casa-Grande e Senzala:

De todas as influências sociais talvez a síflis tenha sido, depois da má nutrição, a mais deformadora da plástica e a mais depauperadora da energia econômica do mestiço brasileiro. Sua ação começou ao mesmo tempo que a da miscigenação; vem das primeiras uniões de europeus, desgarrados à toa pelas nossas praias, com as índias que iam elas próprias oferecer-se ao amplexo sexual dos brancos... costuma-se dizer-se que a civilização e a sifilização andam juntas: o Brasil, entretanto, parece ter-se sifilizado antes de se haver civilizado.TPF

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MATTOSO, op. cit., p. 440.

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ÀRIES, Philippe. História da morte no Ocidente desde a Idade Média. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p. 130.

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