• Nenhum resultado encontrado

POBREZA, CRIME E DOENÇAS

3.2. Um Trágico Relato

Os lugares que serviam de prisão não abrigavam quaisquer condições de salubridade, sendo a “presiganga”, o navio presídio, o pior desses lugares. A fragata “Piranga”, usada nas causas da Independência, tornou-se prisão oficial desde 1824 e exerceu sua função por mais de dez anos, aterrorizando as pessoas da Bahia. Essa masmorraTPF

188

FPT abrigou os implicados na Sabinada, cerca de 980 homens que dividiramos horrores dessa reclusão.

A fragata se encontrava em estado podre, com vários rombos em seu casco, o que fazia dela um lugar úmido, escuro, quente e imundo, tão imundo e tão quente que os seus presos permaneciam quase nus, padecendo de todo tipo de enfermidades como sarnas, chagas, erisipelas e doenças respiratórias. Essas doenças eram comuns tendo em vista a falta de higiene desses locais, a água servida, inclusive para beber, era apanhada

TP

187

PT

APMBa. Sessão Polícia. Ofícios expedidos À Câmara Municipal de Salvador.

TP

188

PT

em chafarizes, a comida era de péssima qualidade, o local era mal iluminado e de pouca refrigeração. Os grilhões feriam as pernas dos detentos que, sem cuidados médicos e de higiene, acabavam por transformar as chagas em doença crônica. O asseio quase não era feito nessas unidades prisionais e o médico da galé quase não os visitava.

Nos porões desse navio eram jogados os presos mais rebeldes, aqueles que tentavam fugir. Esses presos viviam com cerca de 30 a 40 polegadas de água nesse porão que também era habitado por répteis venenos e prejudiciais à saúde. Dizia Cipriano Barata sobre a “presiganga” que “apesar dos tapumes de carvão pesado com sebo, e chapas de chumbo e outros remendos, faziam aumentar as águas e os perigos dobrando sua insegurança.”TPF

189 FPT

A presiganga também apelidada de “touro de pirilo”, “retrato do inferno”, “cárcere horrível da inquisição”, despertou até a atenção da imprensa que em nota ao jornal “Portacolo”, de Nicolau Tolentino Cirilo Canamerim, em 18 de agosto de 1832, escrevia:

É tempo já de dizermos alguma coisa sobre a “presiganga”, esse cárcere atroz criado pela mais abominável tirania e conservado pelo atual governo, como que de propósito para servir aos traidores unitários Caramurus e de horroroso espetáculo aos estrangeiros, que devem levar às regiões mais remotas do mundo uma notícia vergonhosa do atrasamento da nossa civilização... a presiganga é como um rochedo que existe no meio do oceano, inacessível à comunicação dos homens: ali nem se podem ir letrados, nem procuradores, nem amigos, nem mesmo parentes dos presos que se alimentam apenas com a mesquinha ração da Santa Casa... Eis aqui brasileiros, o que é o resumo da obra prima do ex- presidente Paim, demônio mil vezes mais feroz e pérfido que os Vianas, Camamus, Cesinbras e tantos quantos monstros que têm devorado a miserando Bahia.TPF 190 FPT TP 189 PT

ALMEIDA, Cipriano Barata de. Dissertação abreviada sobre a horrível masmorra chamada –

Presiganga – existente no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro. 24 de maio de 1829.

TP

190

PT

(www.google.com.br/imagensfragata)

No seu requerimento ao Presidente da Província da Bahia, Pinheiro de Vasconcelos, datado de 08 de agosto de 1832, Cipriano Barata pedia sua transferência “sem perda de tempo” da presiganga por se achar doente, para a Fortaleza do Mar ou do Barbalho. Nesse documento ele faz graves críticas à presiganga e ao seu comandante Tenente Caetano Alves de Sousa, chamando aquele local de “espelunca marítima de horrorosa carnificina.”TPF

191 FPT

Em outro texto, escrito em 24 de maio de 1829, e que consta no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, intitulado “Dissertação Abreviada sobre a horrível masmorra chamada – presiganga – existente no Rio de Janeiro”, Cipriano Barata relata a realidade da Nau Príncipe Real:

O delinqüente quando chega à presiganga é logo posto à ferros. É enviado ao convés para desfiar estopa. No dia seguinte mandam-no trabalhar na pedreira do dique. Os presos acordam com a alvorada e se demora a levantar-se é logo surrado com cipó grosso. Às oito horas almoçam, o almoço é composto de carne magra com mau cheiro, sem sal e mal cozida e pirão de farinha de mandioca caroçuda e às vezes com bolor... o jantar é servido ao meio-dia e voltam a cear às 18 horas... quando voltam ao navio são postos a ferro novamente e dormem em meio a parasitas que os picam...

As presigangas eram lugares de tanto pavor que optamos por apresentar o relato de Juvenal GreenhalghTPF

192

FPT sobre o ocorrido no Pará, no brigue diligente de 4,5m de largura e 2,5m de altura, aos protestos que fizeram os detentos, do desconforto em que TP 191 PT Idem, ibidem, p. 207. TP 192 PT

se achavam tolhidos uns contra os outros, sem quase se poderem mover em dia de calor equatorial, respondeu a guarda militar fechando a boca da escotilha. Ai, já também faltando-lhes o ar e com apenas uma tina de água poluída para saciar a sede, cada vez mais devoradora, desidratados pelo suor em que se esvaiam, tomaram-se de pânico coletivo.

Desesperados até a loucura, atirando-se uns contra os outros, pisando-se, mordendo-se, ferindo-se, aos gritos de maldição e socorro, procuravam todos os meios de sair daquele inferno ou de atingir a tina de água salvadora. Durou essa tragédia algumas horas até que o ruído do tumulto, que aos guardas divertia, foi aos poucos amortecendo. À noite quando tudo parecia ter sossegado, os presos já em repouso, também os guardas se acomodaram para dormir.

No dia seguinte, pela manhã, ao abrir-se a escotilha, jaziam empilhados uns sobre os outros, nas mais trágicas posições e trejeitos: 252 cadáveres, encontrando posição que os colocara fora do tumulto e com algum ar para respirar, haviam apenas sobrevivido quatro dos detentos, dos quais dois faleceram dois dias depois do sofrimento padecido.

A presiganga era o lugar ideal para disseminação das doenças, todo tipo de chagas se viam nesses locais e, também, se alastravam pela cidade, tendo em vista a falta de higiene comum à população baiana. Apesar de Affonso Ruy e Juvenal Greenhalgh afirmarem que só existia uma presiganga na Bahia, a fragata “Piranga”, o silêncio dos documentos deixam crer que outras presigangas haviam na Bahia, situadas na ribeira das Naus, local de enseada, onde eram levados os navios passados à reserva ou para reformas dessas embarcações.

No Levante dos Periquitos (1824), quando a nova divisão administrativa do Brasil deu à Bahia categoria de província do Império e promoveu a mudança do major José Antonio da Silva Castro por um oficial militar português, o coronel Manuel Joaquim Pinto Paca, causando a amotinação dos soldados dos periquitos contra o comandante d’Armas da Província da Bahia Felisberto Gomes Caldeira, alguns insurretos foram presos na corveta “Jurujuba”TPF

193

FPT, que podia ser outra presiganga.

TP

193

PT