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Código de Ética profissional dos assistentes sociais de 1975

CAPÍTULO 2 A ÉTICA PROFISSIONAL E O SERVIÇO SOCIAL

2.2 Os Códigos de Ética do Serviço Social, 1947 a 1986

2.2.3 Código de Ética profissional dos assistentes sociais de 1975

As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por significativas manifestações expressas por dois vieses, de um lado o Estado ditatorial que se apresenta estruturado a partir de uma articulação político-militar que engendra caminhos e descaminhos, rompendo as possibilidades democráticas de um Estado de direito. E de outro lado a população que se organiza em grupos, fazendo das manifestações sociais a arena para as vozes reprimidas diante da coerção, a censura e outras faces da violência.

O Serviço Social na primeira metade da década de 1970 já experimenta outros caminhos teóricos e práticos na articulação da profissão com as exigências apresentadas na cotidianidade, repleta de contradições. Como apresentado na seção anterior, neste período há a aproximação da profissão com as correntes fenomenológicas, estruturalistas, marxistas e sistêmicas que se apresentam no interior das academias e nos programas de intervenção, como foi o Método de BH e o Desenvolvimento de Comunidade.

Frente os avanços vividos pela profissão no debate da possível teorização da profissão, intrinsecamente articulada com as Ciências Sociais, como também para outras práticas profissionais, o Código de Ética de 1975 aprovado em 30 de janeiro representa um retrocesso para a categoria, pois princípios como democracia e o pluralismo apresentados no Código de 1965 foram suprimidos. Distante da mão invisível9 do Estado, vivenciava-se neste contexto um Estado interventor, coercivo e

que buscava organizar a sociedade utilizando todos os caminhos necessários, inclusive as profissões, como pode ser visto na Introdução do Código de 1975:

Exigências do bem comum legitimam, com efeito, a ação disciplinadora do Estado, conferindo-lhe o direito de dispor sobre as atividades profissionais — formas de vinculação do homem à ordem social, expressões concretas de participação efetiva na vida da sociedade. (CFAS, 1975).

O posicionamento do Estado neste momento é de total intervenção sobre qualquer forma de manifestação social, seja ela formada por grupos políticos, vertentes culturais, por segmento e/ou categorias, pois representavam a degradação da sociedade e da moral. Para conter essas manifestações e estruturar o Estado e a

9 Termo criado por Adam Smith em sua obra A riqueza das nações. O termo referencia o mercado

sociedade civil foram criados os Atos Institucionais, leis desenvolvidas como normas a serem seguidas e cumpridas por todos.

O Código de Ética de 1975 traz em suas linhas a força do Estado e a reatualização do conservadorismo (PAULO NETTO, 2005a). A categoria profissional está diante da possibilidade de outras perspectivas teóricas que possibilitariam a articulação entre o trabalho prático profissional e o debate teórico condizente a realidade social e a apreensão da questão social e sua particularidade brasileira. Mas à categoria é apresentado nesse código o personalismo como concepção que "[...] permite ver a pessoa humana como centro, objeto e fim da vida social." (CFAS, 1975). Para Barroco (2006) o personalismo, representado por Emmanuel Mounier, apresenta uma perspectiva teórica eclética que apropria de vertentes como o neotomismo, o existencialismo, a fenomenologia e o marxismo para interpretar e se posicionar diante da realidade social. Sua finalidade "[...] como movimento das ideias se propõe à humanização da existência, ou seja, a uma ação ética valorizada da pessoa humana." (BARROCO, 2006, p. 132). O que leva a compreensão da existência no campo da metafísica, com isso "[...] não aceita a fundação material da existência humana; por sua herança fenomenológica, recusa a objetividade da razão teórica." (BARROCO, 2006, p. 134).

A fenomenologia está presente na profissão como uma alternativa de intervenção, uma metodologia baseada na psicologização da prática profissional. O Código de Ética de 1975 traz como dever do assistente social "[...] esclarecer o cliente quanto ao diagnóstico, prognóstico, plano e objetivos do tratamento, prestando à família ou aos responsáveis os esclarecimentos que se fizerem necessários." (CFAS, 1975). Para Barroco (2006, p. 139) esta proposta traz implicações ético-políticas,

[...] ao abstrair os usuários de sua sociabilidade e das determinações históricas que são concretude à sua existência social e ao abordar aos seus problemas a partir das representações dos profissionais, permite que a intervenção seja subordinada aos juízos de valor do profissional, que julga e encaminha a solução dos problemas segundo avaliações subjetivas e abstratas.

O debate sobre a fenomenologia no Serviço Social foi levado para o Encontro de Sumaré em 1978, como apresentado na seção anterior. A busca por repostas diante da prática profissional e uma fundamentação teórica era constante, a

categoria profissional expressava de forma diferente a visão de homem e mundo e a apreensão da realidade social. Enquanto parte da categoria buscava o retrocesso em práticas conservadoras, retomando pressupostos éticos e morais numa base tradicionalista; outra parte amadurecia o debate da Teoria Crítica, não apenas no campo acadêmico, mas também no exercício profissional como desenvolvido no Método de BH.

É relevante apontar alguns elementos apresentados no código em estudo que estiveram nos códigos anteriores, como também estarão nos subsequentes, elementos que expressam compromisso com a categoria e com os usuários. Destacam-se o sigilo como direito do assistente social e acesso ao aprimoramento profissional (CFAS, 1975); além de "[...] participar de programas de socorro à população, em situação de calamidade pública." (CFAS, 1975). É vedado ao assistente social "[...] exercer sua autoridade de forma a limitar o direito do cliente de decidir sobre sua pessoa e seu bem-estar." (CFAS, 1975).

O contexto histórico em que se promulga esse código era marcado por embates políticos e ideológicos, que para a profissão expressou o momento de levar adiante uma tentativa de romper com as amarras postas por um Estado ditador, que ao final da década de 1970 encontrava-se em crise, e de uma camada profissional que buscava reviver os conceitos tradicionalistas que estiveram (e ainda estão) no cerne da profissão.

Esse contexto repleto de contradições inerentes a sociedade, e assim como ela presentes na própria profissão, considerando que a profissão é expressão de uma necessidade da própria sociedade que surge envolto da contradição capitalista que se modela tardiamente no cenário brasileiro, o Serviço Social é movido pelo anseio de mudanças estruturais na sociedade e para isso é necessário outro posicionamento ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo que atendesse as demandas apresentadas à profissão, partindo da apreensão da questão social como eixo constituinte da desigualdade socioeconômica e da divisão de classes sociais.

O posicionamento profissional nessa perspectiva é elucidado no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais em 1979, momento em que a categoria assumi o compromisso com classe trabalhadora e seus interesses e "[...] a decisão pela construção de um novo projeto para o Serviço Social brasileiro, implicando na consolidação de um perfil profissional diferenciado [...]." (ORTIZ, 2010a, p. 186).

Desencadeando a aprovação do currículo mínimo para os cursos de Serviço Social em 1982 e a revisão do Código de Ética em 1986, documentos que expressam a materialização do acúmulo teórico da categoria e da consciência política frente à realidade brasileira.