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Código de Ética profissional dos assistentes sociais de 1986

CAPÍTULO 2 A ÉTICA PROFISSIONAL E O SERVIÇO SOCIAL

2.2 Os Códigos de Ética do Serviço Social, 1947 a 1986

2.2.4 Código de Ética profissional dos assistentes sociais de 1986

O Código de Ética de 1986 (Resolução CFAS nº 195/1986) foi promulgado em 9 de maio daquele ano, em meio às transformações societárias que marcavam o processo de democratização do país. Momento histórico que exigiu e ao mesmo tempo contribuiu para a revisão do Código de Ética profissional frente à possibilidade de elucidar um projeto profissional que evidenciasse o compromisso ético-político, a direção social da profissão e principalmente romper com os vieses tradicionalistas e conservadores presentes nas relações profissionais.

Esse Código expressa o amadurecimento teórico e o posicionamento ídeo- político profissional diante da articulação entre as entidades representativas da própria categoria como também da classe trabalhadora. Categorias éticas são apontadas e aproximam a profissão da construção de "[...] uma nova ética que reflita uma vontade coletiva, superando a perspectiva a-histórica, onde os valores são tidos como universais e acima dos interesses de classe." (CFAS, 1986) A superação desses valores estão presentes ao considerar que "[...] as ideias, a moral e a prática de uma sociedade se modificam no decorrer do processo histórico." (CFAS, 1986).

O ponto axial da legitimação do referido código está no compromisso profissional com a classe trabalhadora, ao assumir sua condição como classe trabalhadora que se entrelaça e vive as refrações sociais provocadas pelo capitalismo. Este debate profícuo é legado da inserção profissional nas instituições e arenas políticas, na formação da consciência política.

Barroco (2006), ao analisar o referido código, aponta que sua base ético- teórica reproduz o marxismo tradicionalista10, que emerge no debate do Serviço Social a partir das décadas de 1960 e 1970, adentrando em 1980, e tendo como

10"A ética marxista tradicional deriva a moral dos interesses de classe, reduzindo seus fundamentos a ideologia. De modo geral, não consegue apreender as bases ontológicas — da ética e da moral — na práxis e na vida cotidiana; não desvela a relação ente a ética e a alienação moral; não apreende as mediações ente os interesses de classe e as escolhas ético-morais, entre o valor ético e o econômico. Isso evidencia uma ausência da dialética na sistematização ética [...]." (BARROCO, 2006, p. 158).

aporte vários marxismos, desde a vertente leninista-stalinista até Trotsky, Che e o marxismo estruturalista de Althusser.

Barroco elabora sua crítica por apreender que a forma como a ética está contemplada no Código de Ética de 1986 é mecanicista e idealista, por se fundamentar apenas ao interesse da classe trabalhadora, considerando que somente os valores éticos expressos por essa classe seja positivo. E mais:

A reflexão teórica marxista forneceu as bases para uma compreensão crítica do significado da profissão, desvelando sua dimensão político-ideológica, mas não a desvendou em seus fundamentos e mediações ético-morais; explicitou os fundamentos do conservadorismo e sua configuração na profissão, o que não se desdobrou numa reflexão ética específica. (BARROCO, 2006, p. 177).

Apesar da crítica, a autora citada não desconsidera o avanço que representou o Código de 1986, pois condicionou a ruptura da ética conservadora presente nos códigos anteriores; possibilitou negar o tradicionalismo presente nas práticas profissionais e com isso buscar uma nova moralidade profissional, a busca por um novo ethos.

Outros elementos devem ser elencados, ao tratar os sujeitos como usuários, rompendo com a perspectiva de beneficiários e clientes. Destaca-se o artigo 2º, que dispõe sobre os direitos dos assistentes sociais:

[...] livre acesso aos usuários de seus serviços; participação na elaboração das Políticas Sociais e na formação de programas sociais; acesso às oportunidades de aprimoramento profissional; participação em manifestações de defesa da categoria e dos interesses da classe trabalhadora. (CFAS, 1986).

Dos direitos dispostos nesse código, o artigo 8º que dispõe sobre as relações com as instituições destaca que "O assistente social no exercício de sua profissão em entidade pública ou privada terá a garantia de condições adequadas de trabalho, o respeito a sua autonomia profissional e dos princípios éticos estabelecidos." (CFAS, 1986).

Observa-se que os direitos tratados nesse código para os assistentes sociais expressam as possibilidades de materialização do trabalho profissional rompendo com as práticas segmentadas, pois reconhece a capacidade dos profissionais em participar da elaboração de políticas sociais e não apenas como executores terminais (PAULO NETTO, 2001). Diferente do Código de Ética de 1975, o assistente social tem o direito em participar das manifestações da categoria e da

classe trabalhadora em geral. Esses elementos são significativos na compreensão da profissão na quadra histórica em estudo, na articulação política, no reconhecimento da autonomia (relativa) e no aprimoramento intelectual. Sobre esse último é tratado como um dos deveres do assistente social, "[...] aprimorar de forma contínua os seus conhecimentos, colocando-os a serviço do fortalecimento dos interesses da classe trabalhadora." (CFAS, 1986).

O Código em análise traz claramente o compromisso da categoria profissional com a classe trabalhadora, esse posicionamento é a expressão de uma nova atitude profissional frente à realidade e a população brasileira, reconhecendo no trabalho profissional a possibilidade de articular coletivamente com outras categorias na direção social de uma mudança sociopolítica na sociedade.

As transformações societárias provocaram na profissão o despertar de sua consciência ético-política crítica, marcadas pelas manifestações da população, o acirramento das expressões da questão social, o desmantelamento das políticas públicas garantidas pela Constituição Federal de 1988 e contraditoriamente a articulação sindical da categoria ao mesmo tempo o enfraquecimento de outros sindicatos. Presenciaram o emergir de uma nova ideologia política que apresentou um Estado em colapso, que passou a utilizar da máquina administrativa para articular novos arranjos econômicos, reforçando os acordos com órgãos internacionais. Fazendo da privatização o slogan da salvação econômica do país, da crise socioeconômica que teve a classe trabalhadora em seu cerne, entre aqueles que sofreram diretamente o impacto dos planos do governo estavam os trabalhadores, os pequenos comerciantes e principalmente a parcela da população que se encontrava à margem da sociedade que formava e ainda forma o exercito industrial de reserva.

Nessa transição política que marca as décadas de 1980 e 1990 apresenta-se o neoliberalismo que seguinte à reestruturação produtiva provocaram na sociedade brasileira uma transformação significativa. O neoliberalismo marcou e marca a sociedade pelos acordos econômicos entre Estado e empresas capitalistas, por políticas públicas compensatórias e culpabilizadas de esgotarem os cofres públicos. Este é o cenário em que o Serviço Social esteve e está presente e que provocou uma revisão do Código de Ética.

Vários foram os fatores que levaram a categoria profissional a se articular e rever o Código de Ética, tais como a crise política do Estado marcada pelo impeachment do então presidente da República Fernando Collor de Melo em 1992,

acompanhada por uma recessão política e orçamentária, subordinando os direitos sociais à lógica orçamentária, para Iamamoto (2008a, p. 149) "[...] observa-se uma inversão e uma subversão: ao invés do direito constitucional impor e orientar a distribuição das verbas orçamentárias, o dever legal passa a ser submetido à disponibilidade de recursos [...]”, comprometendo o repasse de verbas via Fundos para os estados e municípios.

Além de fatores endógenos como a necessidade de apropriação teórica que respondesse e sustentasse uma fundamentação ética e moral condizente ao amadurecimento ídeo-político e teórico da profissão; a construção de um projeto profissional que atendesse as exigências da categoria e a direção social adotada entre os profissionais diante do compromisso ético-político, técnico-operativo e teórico-metodológico com a população, e concomitante a uma formação acadêmico- profissional pautada nessa perspectiva. Para Paiva e Sales (2003, p. 178) "[...] a perspectiva é, então, buscar fortalecer uma clara identidade profissional articulada com um projeto de sociedade mais justa e democrática."

Esse contexto marcou o processo de renovação do Código de Ética dos assistentes sociais em 1993, vigente até o momento (2012) passou por uma revisão em 2010, mantendo seu embasamento dentro da Teoria Crítica, articula valores éticos humanistas crítico com uma concepção política que dá margem aos profissionais se apresentarem nas esferas socioinstitucionais e se posicionarem, em constante enfrentamento à desigualdade socioeconômica, ao preconceito e a qualquer sinal de barbárie contra o ser humano.

Desse modo, cabe ao assistente social aliar sua vontade, iluminada pela ética profissional — como intencionalidade de associação, de coletividade, de compromisso — com seu saber teórico-prático crítico e, ainda, com as necessidades e possibilidades das circunstâncias, do que resultará o produto de sua ação. (PAIVA; SALES, 2003, p. 179).

Com isso, as exigências e necessidades para a revisão do Código de Ética em 1993 estão diante da articulação da dimensão ética do trabalho profissional e dos elementos ídeo-políticos que compõe a maturidade profissional neste momento histórico, presente na mediação que emerge entre as singularidades profissionais regadas de historicidade, compondo a totalidade. O estudo desse código será o objeto de análise do próximo capítulo.