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Código de Ética profissional dos assistentes sociais de 1947

CAPÍTULO 2 A ÉTICA PROFISSIONAL E O SERVIÇO SOCIAL

2.2 Os Códigos de Ética do Serviço Social, 1947 a 1986

2.2.1 Código de Ética profissional dos assistentes sociais de 1947

O Código de Ética de 1947, aprovado em 29 de setembro pela Associação Brasileira de Assistentes Sociais, foi o primeiro código da categoria. Centrado nas protoformas da profissão apresenta princípios éticos inerentes àquele contexto

histórico. Sua fundamentação teórica e o posicionamento político estão coerentes a direção social dada a profissão neste momento histórico da sociedade brasileira, sua base ídeo-política está consubstanciada com princípios éticos religiosos, tendo os valores humanista neotomistas, com influência positivista para a interpretação e posicionamento interventivo frente as transformações sociais que emergiam naquele período histórico.

Esse Código é formado por alíneas introdutórias e cinco seções que se subdividem em Deveres Fundamentais, Deveres para com o Beneficiário do Serviço Social, Deveres para com os Colegas, Deveres para com a Organização onde Trabalha e Disposições Gerais. Observa-se que para o assistente social é apresentado apenas deveres, diferente dos códigos a partir de 1975 que apresentarão deveres e direitos. Isso expressa a forma rígida e coerciva para o próprio assistente social.

Já na Introdução o respectivo código apresenta em seu inciso Iº que a "Moral ou Ética, pode ser conceituada como a ciência dos princípios e das normas que se devem seguir para fazer o bem e evitar o mal." (ABAS, 1947). Ao analisar a colocação dada sobre a moral e a ética, observa-se que não há dissociação entre elas, ambas são dadas como ciência e que se direcionam para o aspecto comportamental. Como apresentado no primeiro capítulo, ao ter como referência Sánchez Vázquez (2011), a moral expressa os valores e normas que direcionam as relações entre os sujeitos, a ética é a ciência ou a teoria que explica a moral, ou o ato moral. Essa análise do autor não traz uma indissociabilidade das categorias, pois não existe ética sem a moral.

O aspecto comportamental está presente pela própria concepção de ética e moral adotada para esse código, pois nesse momento, evidenciam-se as décadas de 1930 e 1940, com a efervescência do capitalismo e o emergir da questão social e suas manifestações e a origem da profissão, a questão social foi moralizada, ou seja, suas multiformas eram consideradas como falta de moral dos próprios sujeitos diante da ordem social que o Estado e o conjunto capitalista positivista determinavam para a organização da sociedade. Como também para a Igreja que via nestes sujeitos uma falta de princípios morais.

Essa reflexão pode ser vista também no inciso III que traz para o Serviço Social uma profissão que "[...] não trata apenas de fator material, não se limita à remoção de um mal físico, ou transgressão comercial ou monetária: trata com

pessoas humanas desajustadas ou empenhadas no desenvolvimento da própria personalidade." (ABAS, 1947). As formas de manifestação da questão social eram consideradas como mal físico, os sujeitos eram desajustados frente a organização do Estado e sociedade. Outro elemento importante a se destacar era o trato a personalidade do sujeito, característica psicologizante da profissão, influência do Serviço Social europeu, que se afirmará posteriormente com a fenomenologia.

O primeiro dever fundamental dado ao assistente social era o de "[...] cumprir os compromissos assumidos, respeitando a lei de Deus [...] inspirando seus atos ao bem comum [...]." (ABAS, 1947). Este trecho traz a perspectiva ética neotomista presente na profissão. Com participação direta da Igreja Católica no processo de formação e trabalho profissional, o Serviço Social tinha como diretrizes os dogmas da Igreja apresentados nas encíclicas papais Rerum Novarum e Quadragésimo Ano. Com isso a intervenção profissional na direção social da Igreja era a de recristianizar os sujeitos e readaptá-los a sociedade.

O bem comum presente nesse código "[...] é vinculado a um projeto social de bases reformistas que visa assegurar um consenso entre as classes, tendo em vista a aceitação, por parte dos indivíduos e das classes sociais, de sua condição ‘naturalmente dada’." (BARROCO, 2006, p. 84). A diferença entre as classes sociais era interpretada não como fruto do capitalismo, mas sim como algo natural da própria sociedade, e com isso, ambas as classes deveriam manter um consenso de sua condição dada e assim viverem harmoniosamente, sem conflitos.

A visão humanista neotomista está evidenciada na ação profissional frente o dever do assistente social em "[...] respeitar no beneficiário do Serviço Social a dignidade da pessoa humana, inspirando-se na caridade cristã." (ABAS, 1947). E "[...] manter situação ou atitude habitual de acordo com as leis e bons costumes da comunidade." (ABAS, 1947). Aos assistentes sociais eram exigidos princípios comportamentais como boa aparência, bons modos, atitude discreta frente à realidade, ser o espelho para o beneficiário do Serviço Social. Tais valores estavam presentes nas mulheres, pois acreditavam que a mulher era um ser dócil, obediente, com virtudes morais que sustentavam a constituição da família, representavam os padrões morais necessários para manter a conservação da ordem social, no enfrentamento da questão social por "[...] via da naturalização, moralização e psicologização dos problemas sociais." (ORTIZ, 2010a, p. 123).

A caridade cristã era a imagem da intervenção profissional, pois as práticas profissionais estavam diretamente ligadas às ações sociais da Igreja Católica. Nessa época (1940) já se instalava um conflito diante das ações caritativas afirmadas pela Igreja e a militância profissional, essa característica é evidenciada com a inserção do Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho. Quando as profissionais assumem novos espaços de trabalho, tornam-se assalariadas e sofrem todo o rebatimento do capitalismo que se moldava na sociedade brasileira. Segundo Ortiz (2010a) a inserção do Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho aconteceu para responder a reprodução do capitalismo, com a inserção das assistentes sociais nesses espaços legitimou-se o trabalho profissional junto as primeiras grandes instituições socioassistenciais, mas que a intervenção mesclava-se entre as práticas interventivas e ações filantrópicas.

No Código de Ética de 1947 apresentam-se elementos relevantes que apontam aspectos positivos legalmente à profissão, que nos subsequentes estarão presentes com outra redação e interpretação. Destaca-se o posicionamento sobre o sigilo profissional, trata o código: "[...] guardar rigoroso sigilo, mesmo em depoimentos judiciais, sobre o que saiba em razão do seu oficio." (ABAS, 1947). Diante do contexto social ao qual o assistente social estava inserido afirmar o sigilo nesta concretude diante de um posicionamento ético deve ser considerado como desafio, já que a profissão estava inserida em um contexto de cooptação moral, social e política, subalterna aos mandos do Estado e das instituições empregadoras.

Aponta ainda que não fosse permitido ao assistente social "[...] aceitar funções ou encargos anteriores confiados a um assistente social sem antes procurar informar-se da razão da dispensa deste, de sorte a não aceitar a substituição desde que esta implique em desmerecimento para a classe" (ABAS, 1947), neste texto observa-se que, a substituição do cargo de um profissional poderia ser assumido por outro assistente social se a dispensa do anterior não comprometesse o interesse e a integridade da categoria profissional, como também os pressupostos éticos contidos neste código.

Não era permitido aos assistentes sociais "[...] alterar ou deturpar intencionalmente depoimentos, documentos, relatórios e informes de natureza vária, para iludir os superiores ou para quaisquer outros fins"; "[...] valer-se da influência de seu cargo para usufruir, ilicitamente, vantagens de ordem moral ou material"; e, "[...] prevalecer-se de sua situação para melhoria de proventos próprios em detrimento de

outrem." (ABAS, 1947). Apreende-se neste trecho que os profissionais deveriam ater-se ao compromisso ético diante do processo de trabalho, os sujeitos usuários (naquele momento chamados de beneficiários) e para com o grupo de trabalho, não se beneficiando com fraudes, injurias e negligências, tanto no aspecto material como moral.

Esses elementos estão expressos nos códigos seguintes com outra redação, formulados com outro posicionamento ídeo-político e frente a outro contexto histórico da sociedade brasileira. Objetiva-se neste momento destacar a essência do referido código e sua materialização por meio do trabalho profissional. Não negando o posicionamento tradicionalista, conservador expressos pelo viés positivista e religioso, mas compreender que esse código era a expressão da profissão dentro um determinado contexto, em sua primeira década de existência. Elucida-se que o código em estudo é de extrema relevância para a legitimação da profissão na divisão sócio- técnica do trabalho o que permitiu o avanço do Serviço Social brasileiro.