• Nenhum resultado encontrado

1.2 A Legislação Brasileira para os Cursos d'Água Urbanos

1.2.1 Código Florestal

O Código Florestal surge em 1934 com o Decreto n. 23.793 e se torna a Lei Federal 4.774 em 1965, com a sanção do então presidente Humberto de Alencar Castelo Branco. O Código Florestal tornou-se um dos mais importantes instrumentos da política de proteção da

natureza na época, pois foi o primeiro projeto brasileiro de preservação da flora em áreas públicas, em locais que por sua beleza mereçam ser conservadas (AGLIO, 2012, p.29).

O Código traz a noção de que a conservação das florestas e dos outros ecossistemas naturais interessa a toda a sociedade, já que eles garantem os serviços ambientais básicos – como a produção de água, a regulação do ciclo das chuvas e dos recursos hídricos, a proteção da biodiversidade, a polinização, o controle de pragas, o controle do assoreamento dos rios e o equilíbrio do clima – que sustentam a vida e a economia de todo o país. Além de tudo isso, é a única lei nacional que veta a ocupação urbana ou agrícola de áreas de risco sujeitas, por exemplo, a inundações e deslizamentos de terra (SOS FLORESTAS, [201?]).

Apesar das inovações trazidas pelo Código Florestal de 1934, ele não conseguiu acompanhar as transformações sociais que se desenhariam no país ao longo de quase três décadas (AGLIO, 2012, p.32), o que levou à sua revisão em 1965. O novo documento estabeleceu limites de uso e ocupação das regiões vegetadas e definiu as Áreas de Preservação Permanente (APPs), quais sejam as margens de rios, as encostas e topos de morros e a vegetação litorânea, como mangues e restingas (PLANETA SUSTENTÁVEL, 2012).

Entretanto, Valle e Camargo (2014) afirmam que tampouco o Código Florestal de 1965 conseguiu ser implementado na prática, e apontam os motivos:

Uma das razões centrais pelas quais o Código Florestal de 1965 (e o de 1934 também) teve pouco sucesso [...] (foram milhões de hectares de desmatamentos ilegais durante sua vigência) é que, em boa parte do tempo, foi vantajoso desrespeitá-lo. Por um lado, a fiscalização era praticamente nula e as medidas punitivas totalmente ineficientes, por outro havia um conjunto de políticas públicas que induziam o produtor a adotar ações contrárias a seus objetivos. A lei florestal dizia que era proibido derrubar as matas ciliares, mas o programa Provárzeas oferecia financiamento subsidiado para que o agricultor o fizesse. A lei exigia que o produtor mantivesse 20% da vegetação nativa para manter um mínimo de equilíbrio no meio ambiente regional, mas o banco valorizava mais as áreas já desmatadas – não importa se ilegalmente – quando ia avaliar o pedido de crédito rural.

Em 2012, um novo texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados com uma série de modificações que causaram polêmicos e intensos debates públicos sobre o tema ambiental. Em outubro do mesmo ano, foi divulgado pelo Senado um resumo de como ficou o novo

Código Florestal após sanção da Lei 12.727/12. O texto foi aprovado pela presidente Dilma Rousseff com nove vetos, dentre eles o que tratava da permissão de plantio ou reflorestamento de áreas degradas das APPs com espécies frutíferas. No texto final, a principal mudança que impacta sobre as áreas de proteção dos corpos d'água urbanos estabelece o seguinte (Tabela 2):

Tabela 2 ̶ Principais aspectos do Código Florestal que envolvem os rios urbanos Artigo / Parágrafo Texto proposto Texto após veto

Artigo 4º Parágrafos 7° e 8°

As APPs de margens de rios em áreas urbanas e regiões metropolitanas poderiam ter suas áreas determinadas pelo Plano Diretor e Leis de Uso do Solo de forma independente.

A largura das APPs de margens de rios em áreas urbanas e regiões metropolitanas podem ser determinadas pelo Plano Diretor, ouvindo Conselhos Estaduais e Municipais do Meio Ambiente. No entanto, a área mínima de preservação nesses locais fica determinada no artigo 4° da lei e vale para todo o país.

Fonte: Lei 12.651, de 25 de maio de 2012.

O artigo 4o, que complementa as informações dispostas, define as Áreas de Preservação Permanente em zonas rurais ou urbanas, identificando as faixas marginais dos cursos d’água naturais perenes e intermitentes, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, como mostra a Tabela 3.

Tabela 3 ̶ Larguras dos cursos d'água e suas faixas de proteção Largura do curso d'água Faixa de preservação

10 metros 30 metros

10 a 50 metros 50 metros 50 a 200 metros 100 metros 200 a 600 metros 200 metros Superior a 600 metros 500 metros

Fonte: Lei 12.651, de 25 de Maio de 2012.

Em zonas urbanas, as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais são definidas em uma faixa com largura mínima de 30 metros, enquanto que as áreas no entorno dos

reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais são determinadas com base na licença ambiental do empreendimento.

Já as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, ficam estabelecidas com um raio mínimo de 50 metros, enquanto que no entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais não é exigida APP.

De acordo com Pereira (2013), o sucesso da aplicação da nova lei dependerá da relação desta com os aspectos sociais dos agentes envolvidos, ou seja, apenas a criação da lei em si não garante a conservação ambiental nos espaços urbanos. A discussão acerca da aplicabilidade do Código Florestal passa pela efetividade dos planos diretores e das legislações municipais de uso do solo, que devem atender aos limites da legislação federal. Entretanto, a aplicação dos limites ambientais trazidos pelo Código Florestal em áreas urbanas com ocupação consolidada é, hoje, um dos grandes desafios dos planejadores.

As hipóteses legais de intervenção em APP Urbana, permitidas pelo Código Florestal e pala Resolução 369/06 do CONAMA, são as seguintes: utilidade pública (área verde pública, obras de infraestrutura, transporte, saneamento e energia); interesse social (revegetação nativa, regularização fundiária sustentável); e intervenção ou supressão de baixo impacto (pequenas vias de acesso, ciclovia, trilhas, entre outros).

Para as áreas urbanas consolidadas nas APPs das margens de rios, por exemplo, a legislação atual, em seus âmbitos municipal, estadual e federal, não obriga, no caso de ter havido a demolição de áreas edificadas, a restituição da APP ao meio ambiente. A indicação, pura e simples, da demolição não encontra assento junto às garantias e princípios constitucionais e mesmo junto à lei ambiental (MIRANDA, 2008), deixando à vontade política dos órgãos de planejamento e de fiscalização municipais a responsabilidade sobre a coibição da ocupação privada e ilegal.