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2. ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL

2.2 O abuso do direito processual no ordenamento jurídico brasileiro

2.2.1 Código de Processo Civil de 1939

O Código Civil de 1939 foi o primeiro diploma processual a empregar a expressão “abuso do direito”, definindo-o por meio de dois dispositivos: o art. 3º e o art. 63245.

242 MIRAGEM, Bruno. Abuso de Direito: Ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas no direito privado, p. 202.

243 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Abuso de direito, p. 128.

244 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Abuso de direito processual no ordenamento jurídico brasileiro, p 64.

Dispõe o art. 3º que:

Art. 3º Responderá por perdas e danos a parte que intentar demanda por espírito de emulação, mero capricho, ou erro grosseiro.

Parágrafo único. O abuso de direito verificar-se-á, por igual, no exercício dos meios de defesa, quando o réu opuzer, maliciosamente, resistência injustificada ao andamento do processo246.

No direito processual brasileiro, Caio Mário da Silva Pereira247 analisa que o art.

3º do Código de Processo Civil de 1939 tratava a “repressão ao abuso de direito no exercício da demanda, punindo com perdas e danos a parte que procedesse em juízo, como autor, por espírito de emulação, mero capricho ou erro grosseiro; e, como réu, opusesse injustificada resistência ao andamento do processo”.

Foi a partir do Código de Processo Civil de 1939 que além de haver previsão de multas e custas diferenciadas, houve a condenação em perdas e danos para a parte que intentasse demanda por espírito de emulação, mero capricho ou erro grosseiro. Ainda também, o abuso de direito estava caracterizado no uso malicioso dos meios de defesa ou a resistência injustificada ao andamento do processo248.

Assim, existe um direito de demandar e um direito de defender-se, quando se é demandado. Aduz o civilista Everardo da Cunha Luna249 que “o abuso de direito, na

defesa, limita-se à resistência ao andamento do processo, por malícia; na promoção da ação, estende-se ao dolo e à culpa, indistintamente”.

E a redação do art. 63 complementava:

Art. 63. Sem prejuizo do disposto no art. 3º, a parte vencida, que tiver alterado, intencionalmente, a verdade, ou se houver conduzido de modo temerário no curso da lide, provocando incidentes manifestamente infundados, será condenada a reembolsar À vencedora as custas do processo e os honorários do advogado.

§ 1º Quando, não obstante vencedora, a parte se tiver conduzido de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo, o juiz deverá condená- la a pagar à parte contrária as despesas a que houver dado causa.

§ 2º Quando a parte, vencedora ou vencida, tiver procedido com dolo, fraude, violência ou simulação, será condenada a pagar o décuplo das custas. § 3º Si a temeridade ou malícia for imputável ao procurador o juiz levará o caso ao conhecimento do Conselho local da Ordem dos Advogados do Brasil, sem prejuizo do disposto no parágrafo anterior.250

246 BRASIL, Código de Processo Civil de 1939.

247 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil, p. 257.

248 SOUZA, Luiz Sergio Fernandes de. Abuso de Direito Processual: Uma teoria pragmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 91.

249 LUNA, Everaldo da Cunha. Abuso de Direito, p. 125.

Nesse dispositivo, o Código manteve a previsão do pagamento de custas e despesas para as hipóteses de lide temerária e ainda, a condenação era devida até mesmo se a parte saísse vencedora251.

Para José Olympio de Castro Filho252, a teoria do abuso no processo civil

recebeu fortes influências do direito privado, uma vez que:

Assim, transplantaram-se para o processo civil as noções de abuso, dolo, fraude, culpa para compor a figura da lide temerária, ou para focalizar os direitos, deveres, ônus ou encargos ou limites à atividade das partes, tudo visando ao mesmo objetivo de não permitir que o processo, instrumento para a realização do direito, se constituísse em elemento para prejudicar a outrem (teoria subjetivista), ou em elemento para o exercício do direito em desacordo com a sua finalidade social (teoria objetivista).

Na realidade, é o processo civil campo muito mais vasto para o exercício abusivo do direito.

De acordo com o mesmo processualista, as classificações das modalidades de abuso eram: o dolo, a temeridade, a fraude, a simulação, a emulação, o mero capricho, o erro grosseiro, a violência, a protelação do feito, a infração ao dever de veracidade e o uso anormal do poder de disposição do processo253. Assevera que a má-fé

manifestamente evidente do litigante terá de ser encontrada em sua resistência ao andamento do processo, sob tais formas de categoria254 .

Observa-se que dessa classificação o autor amplia as hipóteses de incidência dos casos de abuso do direito, pois utiliza conceitos genéricos para a aplicação da teoria, podendo esta manifestar-se de variadas formas.

Ainda, Helena Najjar Abdo255 faz algumas observações acerca do instituto

previsto no Código de Processo Civil de 1939: que nas modalidades discriminadas estão presentes os elementos básicos para a configuração do abuso do processo (aparência de legalidade, desvio de finalidade e exercício livre, não vinculado, de uma situação jurídica subjetiva); que se observam a existência de alguns elementos complementares à caracterização do abuso processual (falta de seriedade na prática do ato, ilicitude ou ilegitimidade do escopo perseguido pelo agente, lesividade à administração da justiça e a presença do elemento subjetivo, dolo ou culpa); e ainda que, diante dessa categorização se ressaltam infindáveis formais para a manifestação do abuso do processo, não havendo necessidade de uma enumeração exaustiva.

251 SOUZA, Luiz Sergio Fernandes de. Abuso de Direito Processual, p. 91. 252 CASTRO FILHO, José Olímpio de. Abuso de Direito no Processo Civil, p. 31. 253 CASTRO FILHO, José Olímpio de. Abuso de Direito no Processo Civil, p. 88. 254 CASTRO FILHO, José Olímpio de. Abuso de Direito no Processo Civil, p. 141. 255 ABDO, Helena Najjar. O Abuso do Processo, p. 145.

Conclui-se que as condutas processuais abusivas previstas pelo legislador de 1939 embora revogadas, não poderiam deixar de ser parâmetro para a análise futura do instituto do abuso do processo civil, sob pena de retroceder a evolução do instituto e incorrer na quebra do princípio da vedação do retrocesso.

Sobre o princípio observa-se que256:

O princípio da vedação ao retrocesso social tem como conteúdo a proibição do legislador em reduzir, suprimir, diminuir, ainda que parcialmente, o direito social já materializado em âmbito legislativo e na consciência geral.

Deste modo, a evolução do instituto deve pautar-se em uma análise sistêmica de toda sua história processual, na qual assumiu as mais diversas formas no Código de Processo Civil de 1939 e, como se verá adiante, foram substituídas por outras análogas nos próximos Códigos de Processo sem que se limitem sua incidência nas hipóteses literais, mas, segundo Helena Najjar Abdo, “tantas quantas permitir a criatividade da mente humana”.