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CÓPIAS PARA FINS EDUCATIVOS, DE PRESERVAÇÃO E ACESSO A DEFICIENTES

No documento Formação e Desenvolvimento de Coleções (páginas 149-169)

TÓPICO 2 – DIREITOS AUTORAIS OU DIREITOS DOS AUTORES?

5.3 CÓPIAS PARA FINS EDUCATIVOS, DE PRESERVAÇÃO E ACESSO A DEFICIENTES

Diferentemente de outros países, a legislação brasileira sobre direitos autorais permite, embora não quantifique, cópias de “pequenos trechos” de obras para fins educativos. Também há brechas, no Brasil, para a tradução de obras inteiras para o Braile. No entanto, a abertura para a aquisição de obras para fins educativos, de preservação e acesso a deficientes para por aí. E isso prejudica principalmente as instituições públicas de ensino, na perspectiva de assegurarem aos seus usuários acesso à informação, à cultura e ao conhecimento, pois não possuem a mesma capacidade financeira das instituições privadas de ensino para aquisição de obras protegidas.

Tais situações perpassam o cotidiano de todo profissional da informação.

Resta saber se, diante das leis de direitos autorais e seus impactos sobre o exercício de profissões e mesmo sobre as necessidades dos usuários, serão ou não agentes passivos no cumprimento de tais leis. Se a opção for a de ter voz ativa sobre este processo, o horizonte de debate e proposição de alternativas será promissor.

Vejamos alguns recortes de uma notícia veiculada no site Biblioo Cultura Informacional intitulado Direitos autorais: O que os bibliotecários têm a ver com isso?, reportagem de Rodolfo Targino (2016):

Digitalização em bibliotecas

Numa decisão inédita, o Tribunal de Justiça da União Europeia resolveu em 2014 que o direito dos autores pode ser flexibilizado em prol do compartilhamento do conhecimento, podendo uma biblioteca digitalizar uma obra mesmo contra a vontade do detentor dos direitos autorais e disponibilizar essa obra para o público. O imbróglio surgiu quando uma biblioteca se negou a adquirir a versão digital de determinados livros e decidiu escanear a obra para disponibilizar para os usuários em seus terminais de leitura, o que não agradou a editora que reclamou à Justiça, alegando ser a detentora dos direitos autorais.

Embora a decisão não tenha qualquer efeito no ordenamento jurídico brasileiro, serve para mostrar que as bibliotecas não estão imunes aos dilemas que colocam de um lado os detentores de direitos intelectuais e de outro os usuários que buscam acesso amplo a informação e ao conhecimento.

As fotocópias, por exemplo, são uma realidade de muitas bibliotecas que contam com uma copiadora, a famosa xerox, em seu interior o que, segundo os editores, estimula os leitores a burlar os direitos de autor [...].

Atualmente tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei (PL 3133/2012) visando alterar, atualizar e consolidar a legislação sobre direitos

autorais no Brasil. Pela proposta, não constituiria ofensa aos direitos autorais a utilização de obras protegidas, dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização do titular e a necessidade de remuneração por parte de quem as utiliza, nos casos de reprodução necessária à conservação, preservação e arquivamento de qualquer obra, sem finalidade comercial, realizada por bibliotecas, arquivos, centros de documentação, museus, cinematecas e demais instituições museológicas, na medida justificada para atender aos seus fins.

Ainda de acordo com a proposta, a reprodução necessária à conservação, preservação e arquivamento de conteúdo on-line publicamente disponível em websites, sem finalidade comercial, realizada por estas mesmas instituições, na medida justificada para atender aos seus fins, também não constituiria ofensa aos direitos autorais. Observe-se que a proposta faz referência a cópias com o propósito de conservação, preservação e arquivamento, sem citar as situações em que a finalidade é a pesquisa e o estudo, o que mais uma vez parece deixar os usuários e os profissionais desassistidos do que é ou não possível fazer quando aqueles solicitam cópias a estes [...].

No exterior

Diferente do que acontece no Brasil, a Espanha tem uma lei de propriedade intelectual, que equivale a nossa lei de direitos autorais, muito mais clara em relação à situação das bibliotecas e de outros espaços culturais.

Conforme a lei espanhola, os titulares dos direitos de autor não poderão se opor às reproduções das obras, quando estas se realizem sem finalidade lucrativa por museus, bibliotecas, fonotecas, cinematecas, hemerotecas, arquivos de titularidade pública ou integradas em instituições de caráter cultural ou científico e a reprodução se realize exclusivamente para fins de investigação ou conservação.

Ainda de acordo com a lei espanhola, museus, arquivos, bibliotecas, hemerotecas, fonotecas, cinematecas de propriedade pública ou pertencentes a entidades de interesse geral e de caráter cultural, científica ou educacional sem fins lucrativos, ou instituições de ensino integradas do sistema educativo espanhol, não exigem autorização dos titulares dos direitos ou de pagar uma remuneração para os empréstimos que realizarem.

Sobre a reprodução, o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos português considera lícitas, mesmo sem o consentimento do autor, a cópia, no todo ou em parte, de uma obra que tenha sido previamente tornada acessível ao público, desde que tal reprodução seja realizada por uma biblioteca pública, um arquivo público, um museu público, um centro de documentação não comercial ou uma instituição científica ou de ensino, e que essa reprodução e o respectivo número de exemplares não

se destinem ao público, se limitem às necessidades das atividades próprias dessas instituições e não tenham por objetivo a obtenção de uma vantagem econômica ou comercial, direta ou indireta, incluindo os atos de reprodução necessários à preservação e arquivo de quaisquer obras.

FONTE: <https://biblioo.cartacapital.com.br/direitos-autorais-2/>. Acesso em: 16 set. 2019.

O tema sobre direitos autorais e as atividades da biblioteconomia também foi assunto para a Federação Brasileira de Associações Bibliotecárias (FEBAB).

FIGURA 22 – FEBAB

FONTE: <http://bit.ly/2OTiKCs>. Acesso em: 16 set. 2019.

Para a comissão Brasileira de Direitos Autorais e Acesso Aberto da FEBAB (2018, s. p.),

somente uma reforma no atual sistema internacional e nacional de direitos autorais poderá potencializar os benefícios que as bibliotecas trazem para seus usuários no contexto da sociedade da informação e, desta forma, evitar que haja um retrocesso em direção a um cenário anterior ao analógico.

Segundo o documento, a partir da digitalização de obras e arquivos, é importante que seja permitido às bibliotecas a realização de atividades como o empréstimo digital, a cópia para preservação e a troca de documentos entre diferentes bibliotecas em território nacional e internacional. Para isso, é necessário que haja uma ampliação nas limitações e exceções aos direitos autorais que confiram segurança institucional ao trabalho das bibliotecas e permitam principalmente:

FIGURA 23 – PERMISSÕES POSSÍVEIS AS BIBLIOTECAS

o compartilhamento de recursos entre bibliotecas, incluindo o acesso transfronteiras, para fins educacionais e de pesquisa;

o empréstimo e disponibilização de materiais para a totalidade de seus usuários, dentro dos fins especificados pelas limitações e exceções;

a produção e recebimento de cópias de obras pelas bibliotecas, para fins pessoais e privados de seus usuários;

a proteção contra abusos nas licenças atualmente impostas pelos titulares de direitos autorais, que muitas vezes inviabilizam o trabalho das bibliotecas;

a possibilidade de contornar travas tecnológicas que impedem a preservação e o uso de obras adquiridas legalmente;

a preservação e a disponibilização de obras e documentos impressos que não foram adaptados para o ambiente digital, principalmente para constituição de acervos digitais e para o oferecimento de conteúdos para educação à distância;

FONTE: Adaptado de FEBAB (2018)

Podemos concluir que os direitos autorais surgiram há mais de um século com o propósito de estimular economicamente os autores de obras intelectuais a continuarem criando e expressando suas ideias. Acreditava-se que, ao adquirir um direito exclusivo as suas criações, os autores e inventores poderiam explorar comercialmente suas obras e conseguir a justa recompensa pelo seu esforço e talento, promovendo-se, assim, o desenvolvimento econômico e cultural, e o bem comum de toda a sociedade.

FIGURA 24 – PROTEÇÃO AOS DIREITOS

FONTE: <http://bit.ly/31kTW8P>. Acesso em: 16 set. 2019.

Todavia, esse mesmo bem comum e todas as inúmeras possibilidades de avanço no campo da cultura e do saber podem estar ameaçados pela proteção excessiva a essa propriedade das ideias. Um sistema que visava reconhecer o trabalho do autor, hoje impõe diversas barreiras ao acesso ao conhecimento, incluindo ao patrimônio cultural, criando entraves à inovação e à pesquisa e desestimulando os processos criativos (FEBAB, 2018).

As bibliotecas cumprem, nesse sentido, um papel fundamental no acesso ao conhecimento científico e a obras artísticas e literárias, bem como a outros materiais educacionais. Sem prejudicar a exploração comercial de uma obra, nem desmerecer o importante trabalho de um autor, dada a finalidade pública intrínseca dessas instituições, as bibliotecas oferecem serviços básicos como preservação de conteúdos de valor histórico, apoio à pesquisa e à inovação, suporte a pessoas com deficiência, entre outras atividades fundamentais para países em desenvolvimento como o Brasil, que possuem uma cultura rica, mas poucos recursos. Por isso, a FEBAB vem se posicionando para que haja uma certa flexibilidade legal aos Direitos Autorais, as chamadas limitações e exceções, para trazer um maior equilíbrio na relação entre os usuários e os criadores de obras protegidas por direitos autorais, e que permita às bibliotecas a realização plena de suas funções (FEBAB, 2018).

Dessa forma, acreditamos que a propriedade dos profissionais da informação é satisfazer as necessidades informacionais de seus usuários. Estes viram na evolução tecnológica, particularmente com o advento da internet, possibilidade de acesso e disseminação de novas fontes de conhecimento, e assim, surgimento de uma nova cultura de compartilhamento, na intenção de democratização da informação. E viram, por outro lado, tais perspectivas serem cerceadas por legislações estabelecidas antes do advento das novas tecnologias e agora revigoradas ou “atualizadas”.

Se por um lado a evolução tecnológica ampliou a possibilidade de acesso à informação, por outro, leis como as de direitos autorais e as bases de acesso restrito privatizam tal possibilidade. De quebra, colocam em xeque a própria função social do profissional da informação, mas, fundamentalmente, reduzem a informação e a cultura à condição de mercadoria.

Tal situação vem despertando um debate internacional sobre os direitos de propriedade intelectual, o acesso aberto à informação e os processos decisórios sobre acordos comerciais multilaterais e bilaterais e ajustes de legislações internas dos países.

Vem, também, propiciando a emergência de movimentos sociais contestatórios a esta

“nova ordem”.

Willinsky (2006) afirma que apenas 20% de todos os artigos de pesquisa estavam em acesso aberto, e muitos deles disponíveis apenas como manuscritos autoarquivados em sites pessoais dos autores, apesar de muitos jornais experimentarem modelos de maior acesso, como a oferta de acesso aberto a uma pequena seleção de artigos disponíveis gratuitamente. Enquanto isso, as taxas de inscrição revistas continuam a crescer, prendendo os orçamentos das bibliotecas e restringindo a circulação.

Num passado recente, as editoras, assim como as gravadoras, tinham a função de fazer o conhecimento chegar ao público. Essa mediação era necessária, pois envolvia um complexo sistema de produção, distribuição, logística, planejamento e também custos de estocagem, além das parcelas de participação dos varejistas e distribuidores. Hoje, as tecnologias de informação e comunicação quebraram essa cadeia que havia entre o produtor/autor e o leitor/consumidor.

No caso da literatura acadêmica, a difusão da obra e seu impacto são fundamentais para o autor. Raros são os autores que realmente ganham algum dinheiro das editoras. Em geral, pesquisas que custaram dezenas ou centenas de milhares de dólares, financiados pelos contribuintes, podem ter seus direitos entregues de forma praticamente gratuita para uma editora. A edição de tais obras raramente passa dos mil exemplares, sendo que a do autor é muitas vezes cobrada a parte ou o total dos custos para publicar. Alguns livros são impressos apenas uma única vez. Além disso, uma editora pode fechar, vender os direitos ou simplesmente perder o interesse na obra, mesmo assim, retendo os direitos.

Logo, cabe perguntar: como o cientista da informação brasileiro deveria responder aos problemas e conflitos apresentados? Qual a sua opinião?

Poder-se-ia simplesmente cumprir a lei e esperar um posicionamento institucional sobre o assunto. Ou ainda fechar os olhos para os debates que estão ocorrendo.

Entendemos que tal postura equivaleria ao comportamento do avestruz diante de uma situação de perigo. Ao contrário, o momento exige dos profissionais da informação participação ativa de aprofundamento do debate e tomada de posição política diante dos desafios que estão colocados. E, tais desafios, não se resumem aos aspectos meramente corporativos que tal debate encerra. O centro dos questionamentos é a garantia do direito social à informação.

LEITURA COMPLEMENTAR

A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA E O MOVIMENTO DE ACESSO LIVRE AO CONHECIMENTO

Suzana Pinheiro Machado Mueller INTRODUÇÃO

O movimento para acesso livre ao conhecimento científico pode ser considerado como o fato mais interessante e talvez importante de nossa época no que se refere à comunicação científica. Ao mesmo tempo, este movimento representa enorme desafio para a comunidade científica, à medida que, quanto mais amplo o seu sucesso, mais radical será a mudança provocada no sistema tradicional e profundamente arraigado de comunicação do conhecimento científico. A comunidade científica concedeu às revistas indexadas e arbitradas (com peer review) o status de canais preferenciais para a certificação do conhecimento científico e para a comunicação autorizada da ciência e deu-lhe, ainda, a atribuição de confirmar a autoria da descoberta científica. As revistas indexadas estão, dessa forma, no centro do sistema tradicional de comunicação científica. Mas é consenso, também, entre os membros da comunidade, que este sistema está longe de perfeito. Além dos problemas ligados ao processo da publicação dos artigos, o custo extremamente alto de manutenção de coleções atualizadas pelas bibliotecas provoca dificuldade de acesso para o leitor.

Ao surgirem e ganharem formas inovadoras, a partir da década de 90, as publicações científicas eletrônicas despertaram esperanças, em muitos pesquisadores, de uma mudança radical no sistema tradicional de comunicação científica. Assim como os utopistas da Renascença, alguns sonharam com um novo sistema de comunicação, no qual o acesso a todo conhecimento científico se tornaria universal e sem barreiras. Especialmente nos países mais afastados dos principais centros produtores, surgiu a esperança não só de acesso ao que era produzido fora, mas também que a produção local teria maior visibilidade e penetração internacional.

Porém, passados cerca de 15 anos desde o surgimento das primeiras publicações eletrônicas, vemos que, assim como nas utopias, a realidade se mostra diferente do sonho. As bibliotecas universitárias nem sempre conseguem renovar suas assinaturas de revistas internacionais, eletrônicas ou não, e os pesquisadores dos países não centrais ainda enfrentam algumas dificuldades para publicar nos títulos principais de suas áreas ou ter sua produção reconhecida internacionalmente. Em retrospecto, as expectativas que então surgiram com as possibilidades da tecnologia talvez pareçam hoje um tanto ingênuas, um sonho utópico de socialização do conhecimento, sem fronteiras e preconceitos [...].

OS CONCEITOS DE LEGITIMAÇÃO E LEGITIMIDADE

Os fenômenos legitimação e legitimidade perpassam todas as atividades sociais. Como objeto de estudo tem sido de interesse de várias áreas, especialmente direito, sociologia, psicologia e ciência política. Entre os diversos autores que se preocuparam com o tema, ao longo do tempo, estão desde Platão e Aristóteles a Weber, Parsons, Bobbio, Habermas, Lyotard, Foucault, Luhmann, Zelditch. Embora cada autor trate o tema a partir de perspectivas diferentes, há um entendimento comum a todos, que se percebe quando associam os conceitos legitimação e legitimidade a poder, autoridade, consenso, crenças, normas e leis, conformidade, estabilidade, controle social, desvio, repressão. Foram selecionados para este trabalho e serão comentados, a seguir, cinco textos de autores que, ao definirem os conceitos legitimação e legitimidade, ressaltaram pontos considerados relevantes para a reflexão que se pretende. O critério da escolha foi dirigido pela intenção de construir um pano de fundo contra o qual, mais adiante, será considerado o caso específico do movimento pelo acesso aberto no sistema tradicional de comunicação científica. São primeiramente expostas e comentadas definições que se referem às sociedades em geral e a aspectos legais nessas sociedades. A essas, seguem definições propostas por autores que tinham em mente o contexto específico da ciência.

O primeiro ponto que importa para a presente discussão diz respeito à relação de dependência entre os conceitos de legitimidade e consenso. Esse assunto foi tratado por Zelditch, que enfatiza o consenso como elemento essencial para haver legitimidade. Segundo o autor, o pressuposto de que o consenso é condição necessária à legitimação tem sido fundamental para todas as teorias de legitimidade. Zelditch (2001, p. 9) define legitimação como um “processo que conforma o inaceitável às normas, valores, práticas e procedimentos aceitáveis”. Portanto, por definição, legitimidade depende de consenso.

Partindo do pressuposto de que o consenso confere legitimidade a um poder e trabalhando sobre as definições dadas pelo Dictionnaire Encyclopédique de Théorie et de Sociologie du Droit ARNAUD apud Bissot (2002) relaciona “a medida de legitimidade de um poder ao reconhecimento que lhe conferem aqueles que lhe são sujeitos”. Para este autor, um poder será considerado legítimo quando houver equilíbrio entre a forma como o poder é exercido pela autoridade e a noção que a sociedade tem de como esse poder deva ser exercido. Ainda de acordo com Bissot, a noção de legitimidade é eminentemente subjetiva e própria de uma época e sociedade, de uma cultura e um lugar. O sentimento de legitimidade em relação a um poder, quando existe entre os sujeitos de uma sociedade, induz esses sujeitos à conformidade àquele poder.

Lidando também com a conformidade e consenso, Tyler (2006) afirma que o reconhecimento da legitimidade induz as pessoas a voluntariamente se comportarem de acordo com as normas. Tyler (2006) argumenta que esse compromisso social voluntário é decorrente da legitimação da autoridade e define legitimidade como a “crença que autoridades, instituições e organizações sociais são corretas, adequadas e justas, levando as pessoas a se sentirem obrigadas a obedecer àquelas autoridades, instituições

e organizações sociais”. Segundo Tyler, só assim podemos explicar por que aceitamos injustiças e diferenças sociais tão grandes ou a autoridade de uns sobre outros.

A legitimação de uma determinada situação se refere à característica dessa situação ser considerada legítima porque é vista como sendo correta ou apropriada. Assim, por exemplo, um conjunto de crenças que existe em uma sociedade pode explicar por que tal sociedade julga corretas ou aceitáveis diferenças na distribuição de autoridade, poder, status e riqueza.

A legitimação tem como consequência encorajar as pessoas a aceitarem essas diferenças. Considerando a autoridade individual ou da instituição, legitimidade é uma propriedade que, quando possuída, leva as pessoas a voluntariamente aceitarem decisões, regras e arranjos sociais (TYLER, 2006).

A mesma noção expressa por esses autores, de que a crença na legitimidade de um poder é baseada em consenso e provoca conformidade, obediência voluntária e aceitação social de diferenças na distribuição de poder e autoridade, é percebida e desenvolvida por Lyotard. Em seu texto sobre a pós-modernidade, Lyotard amplia os conceitos legitimação e legitimidade para além das questões estritamente legais, reconhecendo-as presentes também em outros níveis da sociedade, inclusive nas comunidades científicas. No trecho citado abaixo, Lyotard (1984, p. 8) faz um paralelo entre a autoridade legitimada do poder civil e o fenômeno da legitimação do conhecimento científico:

Eu uso o termo [legitimação] em um sentido mais amplo do que tem sido usado pelos teóricos alemães contemporâneos em sua discussão sobre a questão da autoridade. Consideremos, como exemplo, qualquer lei civil: ela estipula que uma dada categoria de cidadão deva desempenhar determinado tipo de ação. Legitimação é o processo pelo qual um legislador é autorizado a promulgar esta lei como uma norma. Agora consideremos o exemplo de uma afirmação científica: ela está sujeita à regra que estabelece que uma afirmação deva preencher um dado conjunto de condições para ser aceita como científica. Neste caso, legitimação é o processo pelo qual um “legislador” trabalhando com discurso científico é autorizado a prescrever as condições (em geral, condições relacionadas à consistência interna e verificação experimental) que determinam se uma afirmação poderá ser incluída naquele discurso pela comunidade científica (LYOTARD, 1984).

Shawver (1998), comentando esse texto de Lyotard, chama a atenção para o fato de o autor colocar a palavra “legislador” entre aspas, entendendo com isso que Lyotard está conferindo o status de legislador a qualquer pessoa a quem é conferida a capacidade de decidir o que uma norma estabelece e em qualquer contexto. O próprio Lyotard, referindo-se especificamente à questão da legitimidade da ciência, ressalta sua ligação indissociável e histórica, “estabelecida desde o tempo de Platão”, à questão da legitimação do legislador. Do seu ponto de vista, o direito de decidir

Shawver (1998), comentando esse texto de Lyotard, chama a atenção para o fato de o autor colocar a palavra “legislador” entre aspas, entendendo com isso que Lyotard está conferindo o status de legislador a qualquer pessoa a quem é conferida a capacidade de decidir o que uma norma estabelece e em qualquer contexto. O próprio Lyotard, referindo-se especificamente à questão da legitimidade da ciência, ressalta sua ligação indissociável e histórica, “estabelecida desde o tempo de Platão”, à questão da legitimação do legislador. Do seu ponto de vista, o direito de decidir

No documento Formação e Desenvolvimento de Coleções (páginas 149-169)

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