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O mestre Fernandes Pinheiro

Pela biografia, constata-se a estreita ligação estabelecida entre o Cônego Fernandes Pinheiro e o ensino. Desde muito cedo, como vimos observando, iniciou-se na carreira do magistério e até o ano de sua morte ainda lecionava nas Instituições de Ensino do Rio de Janeiro. A suposta “paixão” pela docência o fez abandonar o canonicato assim que ingressou na cadeira de Retórica, Poética no Colégio Pedro II, onde permaneceu por dezenove anos. O exercício do magistério consagrou Fernandes Pinheiro no ambiente cultural oitocentista. Tal reconhecimento encontra-se nas declarações dos intelectuais abalizados do período. Em “Microcosmo”, de 1883, Carlos Laet expressa a admiração pelo mestre Fernandes Pinheiro, destacando-o como “um laborioso escritor e professor consciencioso; na cadeira que ocupou talvez tenha sido igualado, mas ainda não foi excedido.”133Digno também de não menos uma exclamação, profundamente encomiástica, “Eis o amigo da mocidade!”, do crítico e amigo Macedo Soares.

Realmente, a docência revela-se um elemento de importantíssima contribuição para o desenvolvimento da produção bibliográfica de Fernandes Pinheiro. E, dissociá-lo do ensino reduz a possibilidade de entendê-la por completo. Conforme assevera Phocion Serpa na “estante clássica da didática de nosso país, os volumes pacientemente elaborados pelo grande mestre, ocupam a prateleira inicial, por servirem de marco e roteiro à pirâmide simbólica que o tempo faria crescer, dando novos rumos ao ensino e à cultura do Brasil.”134 Do número que compõe a vasta obra do Cônego em livro, a maioria é fruto do exercício do magistério, enquadrando-se na órbita dos compêndios, resumos e manuais, etc., de caráter estritamente

133

Cf. LAET, Carlos. Microcosmo. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1883 em PINHEIRO, M. Portugal Fernandes. Op. cit., 1958, p. 189.

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didático. Essa espécie de direcionamento consciente se expressa não só nos referidos títulos, mas também no seu explícito complemento, dictados (as) aos alumnos..., contados à infancia, etc., ou nas breves introduções explicativas como a presente na edição do Curso elementar de literatura nacional, na qual o Cônego Fernandes Pinheiro deixa bem claro que quando “em 1857 fomos nomeado professor de rhetorica, poética e litteratura nacional do Imperial Collegio de Pedro II, reconhecemos praticamente a falta de um compendio adaptado á ultima parte do nosso curso. Para preencher esse vasio tomamos sobre os nossos debeis hombros uma empreza que a outros melhor caberia; e o resultado é o que ora apresentamos ao publico.”135

Em “Advertência” das Postilas de retórica e poética também é possível perceber a orientação didática de sua obra: “Havendo me demonstrado a experiência o inconveniente das postilas manuscritas, resolvi imprimir as que, em desenvolvimento do Programa adotado, ditei aos alunos das classes que leciono no Imperial Colégio Pedro II.”136 O Resumo de história literária termina por comprovar a estreita ligação da obra crítica do Cônego com o ensino. Nela se declara na “Prefação”: “Obrigado pelos deveres do magistério a estudar as fontes da literatura nacional concebemos a idéia da obra, que ora submettemos à correção dos doutos.”137

O compromisso de Fernandes Pinheiro com o ensino recheia o seu quadro bibliográfico com as obras didáticas: Catecismo da Doutrina Cristã (1855), Episódios da história pátria (1859); Curso elementar de literatura nacional (1862), História sagrada ilustrada (1863), Meandro poético (1864), Gramática da infância (1864), Resumo de história contemporânea (1866), Lições elementares de geografia (1869), Gramática teórica e prática da Língua Portuguesa (1870), História do Brasil contada aos Meninos (1870), Postilas de retórica e poética (1871), Catecismo constitucional (1873) e Resumo de história literária (1873).

Apenas por meio dos títulos já é possível observar que os compêndios versam fundamentalmente sobre assuntos religiosos, históricos e literários, áreas nas quais o autor esteve sempre envolvido por ocasião das disciplinas ministradas no Seminário Episcopal de São José, no Instituto dos Meninos Cegos, no Colégio Inglês de Botafogo e, por fim, no Colégio Pedro II. A escolha do Cônego pelo viés didático na elaboração da maioria de sua

135

PINHEIRO, J. C. F. Op. cit., 1883, p. VII.

136

PINHEIRO, J. C. F. Postilas de retórica e poética: ditadas aos alunos do Imperial Colégio de Pedro II pelo respectivo professor Cônego Dr. J. C. Fernandes Pinheiro. 3 ed. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1885, p.5.

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obra intelectual explica-se pela facilidade no acolhimento por parte do público-leitor e pela menor cobrança de conteúdo e originalidade de que os livros didáticos se beneficiavam. Os defeitos do trabalho poderiam ser desculpados pelo status inferior que esse gênero de livro gozava.

Sob um discurso retórico comum entre os mestres, Fernandes Pinheiro recorre a essa tática por diversas vezes. Em “Ao leitor”, da primeira edição do Curso elementar, declara que não “temos a vaidade de crer que completo seja o nosso trabalho; é de suppor que tenha defeitos, originados uns da nossa insufficiencia, e outros da estreiteza do plano que abraçamos, tendo em attenção a multiplicidade de materias que estudam os alumnos do setimo anno do referido collegio, para os quaes principalmente o escrevemos.”138 O mesmo ocorre na “Prefação” do Resumo de história literária: “No desempenho do nosso plano é bem possivel que não tenhamos attingido o alvo; que numerosos sejão os erros e omissões, involuntariamente commetidos”.139

As obras mais relevantes da carreira do Cônego são o Curso de literatura nacional, as Postilas de retórica e poética e o Resumo de história literária, resultantes da prática das disciplinas “Retórica e Poética”, “Literatura Nacional” e “Português e História Literária” do Colégio Pedro II. A composição desses trabalhos comprova a adesão do Cônego às já citadas vertentes da crítica literária da época. Enquanto as Postilas tratavam do estudo retórico- poético, o Curso elementar e o Resumo tornavam-se representantes da vertente historicista romântica, confirmando conseqüentemente a adesão do crítico ao movimento nacionalista brasileiro.

Esses livros didáticos compartilham das mesmas práticas de síntese que os outros compêndios da época. Tal hipótese se comprova pelos nomes postilas, resumo, curso, etc. dos títulos, mas também por meio dos prefácios e do conteúdo dos textos. O caráter resumido das Postilas é assumido deliberadamente pelo Cônego, pelo fato de que a “estreiteza do tempo de que podem dispor os mencionados alunos aconselhou-me a maior concisão na exposição dos preceitos, deixando para a explicação oral o preenchimento das lacunas que nelas se hão de notar.”140

138

PINHEIRO, J. C. F. Op. cit., 1883, p. VII.

139

PINHEIRO, J. C. F. Op.cit., 1873, p.7.

140

A configuração de resumos de história da literatura como, por exemplo, o Curso de literatura nacional e o Resumo de história literária, vem do conceito simplista de história literária que, segundo o Cônego, compreende “a enumeração e rapida analise das producções litterarias” e, por isso, “lançamos rapido olhar sobre as litteraturas estrangeiras apreciamos perfunctoriamente as hebraica, grega latina, italiana, franceza, ingleza, allemã e hespanhola; que mais, mais ou menos, influirão para a formação, ou aperfeiçoamento da nossa.”141

Pelo grande vulto do nome do Cônego Fernandes Pinheiro na sociedade brasileira e, ainda, pelos estreitos laços de amizade com o dono da editora B. L. Garnier, o livreiro Garnier, a publicação dos compêndios ficava facilitada, inclusive quando a editora tinha a certeza do sucesso da vendagem do produto ao público extra-escolar. Com isso garantia a entrada nas Instituições. Freqüentes eram os anúncios de mais um livro ou uma reedição do Cônego na imprensa nacional, contando com um time de reconhecidos intelectuais colaborando na divulgação, o que era bastante comum na singela rede endógena do universo das letras brasileiras oitocentistas.

É nesse sentido que o historiador Joaquim Norberto “vendia” a obra do amigo ao falar da primeira edição dos Episódios da história pátria, nas páginas da Revista Popular, declarando, sem economia nos elogios, que

Incansável em seus trabalhos, o ilustre Cônego compreendeu a missão do historiador; votou-se a todas as classes da sociedade, e à maneira que escreve para os sábios, que investigam, repartindo com eles das suas lucubrações, não se esquece da infância brasileira, e vem como digno discípulo do Divino Mestre que amava a companhia dos pequenos, sentar- se no banco das escolas, e esboçar-lhes sem o aparato e erudição ou o alarde de historiador, esses quadros da história pátria, que tão facilmente se prestam à compreensão infantil, pelo seu colorido tão natural e tão cheio de novidade.

A obra, que o exímio Cônego Dr. escreveu para as escolas, e que o governo adotou, é a melhor que possuímos em seu gênero, (...)142(grifos nossos)

Dessa passagem convém ressaltar dois pontos: o primeiro é a referência explícita do uso escolar do livro do Cônego, mesmo sabendo que o direcionava a outra camada de leitores. O segundo refere-se à coerente propaganda dos Episódios na Revista Popular: como o livro era

141

PINHEIRO, J. C. F. Op. cit., 1873, p. 7.

142

SOUZA E SILVA, Joaquim Norberto de. Episódios da história pátria. Revista Popular. Rio de Janeiro: Garnier, t.V, 5 de jan. de 1860, p. 57.

publicado pela mesma editora da revista, a B. L. Garnier, nada mais conveniente e lucrativo ao editor do que utilizar-se de seu veículo para vender a mercadoria, o que acontecia constantemente com outras obras, com destaque para a de Fernandes Pinheiro.

Nesse sentido, uma mão lavava a outra. Enquanto Garnier lucrava mais pelo aumento do número de compradores, pela credibilidade da publicidade e pelo merchandising gratuito, o Cônego recompensava-se, até mesmo em dobro, pois conseguia consolidar sua imagem no sistema cultural brasileiro e ainda recebia alguns trocadinhos pela venda.

Em 1862, Norberto e Zaluar comprometer-se-iam a divulgar o novo compêndio de Fernandes Pinheiro, o Curso elementar de literatura Nacional, que “veio prestar um serviço, senão completo, ao menos meritório, àqueles que desejam instruir-se na literatura pátria. (...)”.143 Machado de Assis também se adaptou ao processo publicitário e ajudou na divulgação dos livros do Cônego. Em 14 de novembro de 1864, anunciava no Diário do Rio de Janeiro a publicação do Manual do pároco, “um livrinho do Sr. Conego Fernandes Pinheiro, editado pela casa Garnier. (...) O primeiro é um livro de summa utilidade, e que tem a rara vantagem de corresponder ao título, nesta época em que os títulos não correspondem ás cousas.”144 Alguns dias depois, em 22 de novembro do mesmo ano, voltava a falar nas Crônicas do outro “livrinho” do Cônego, o Meandro Poético,

colecção de poesias dos primeiros poetas brasileiros para uso da mocidade dos collegios. É coordenada pelo Sr. Dr. Fernandes Pinheiro. Está enriquecida com esboços biographicos e numerosas notas historicas mithologicas e geographicas. (...) Os poetas escolhidos para a presente colecção são Claudio Manoel, Alvarenga Peixoto, Silva Alvarenga, padre Caldas Durão, J. Carlos, J. Basílio da Gama, José Bonifacio, M. de Paranaguá, Natividade e outros.

É um livro muito aproveitavel para o ensino dos collegios.145

E remata elogiando a editora de Garnier: “A impressão, feita em Paris, é o que são as ultimas impressões da casa Garnier: excellente.”146 (grifo nosso)

Os títulos do Cônego também contribuíam para a vendagem dos livros. Na maioria de suas publicações, depois do título vinha como complemento um resumo da extensa biografia

143

ZALUAR, A. E. Estudos Literários. Revista Popular. Rio de Janeiro: Garnier, t. XIV, 1 de abr. de 1862, p. 180.

144

ASSIS, Machado. Chronicas: (1864-1867). São Paulo/Rio de Janeiro/Porto Alegre: W. M. Jackson, v. 2, 1938, p. 248.

145

ASSIS, Machado. Op. cit., p. 262.

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do autor. Na folha de rosto do Curso elementar de literatura nacional, apresentava-se: “Curso elementar de literatura nacional pelo Cônego Doutor Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, professor de Rhetórica, Poetica e Litteratura Nacional no Imperial Collegio de Pedro II, socio effetivo do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, membro das Academias das Sciencias de Lisboa e Madrid, etc., etc.”147 O acréscimo do “Parecer da Academia Real das Sciencias de Lisboa”, no qual há exaltação encomiástica do compêndio e de seu autor, tornava-se bastante relevante para a vendagem do produto, uma vez que autenticava a excelência do escritor e/ou do livro.

No Resumo de história literária também ocorria esse procedimento, mas com uma versão mais ampliada da biografia. Vejamos: “Resumo de historia literaria pelo conego Doutor Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, commendador da Ordem de Christo, chronista do Império, professor de rhetorica, poetica e litteratura nacional no Imperial Collegio de Pedro II, membro dos Institutos Historicos do Brasil e de França, das Academias das Sciencias de Lisboa e Madrid, da Sociedade Geographica de New-York, e d’outras associações nacionais e estrangeiras.”148

O retorno lucrativo do comércio de livros didáticos incentivava ainda mais o Cônego ao exercício nessa área e, como sugere Marisa Lajolo, “há tênues indicações de que moedinhas também tilintaram ao tempo em que o Cônego, arregaçando as mangas da batina, semeava livros a mancheias. Ao que tudo indica, Fernandes Pinheiro não se limitava a semear seu jardim: também regava com cuidado sua horta, pensando na colheita...”149

O Cônego adotou uma espécie de diário, intitulado Livro d’assentos e notas, no qual administrava detalhadamente os negócios feitos com a sua produção bibliográfica. Nele, constam os nomes das obras; o número, o valor e a tiragem de cada edição; as datas de entrega dos títulos e de recebimento do pagamento; o preço de revenda; o nome do editor; a porcentagem de lucro; e, até a questão dos direitos autorais etc. Minúcias nas anotações, de uma argúcia invejável, das quais se depreende o espírito estritamente capitalista do religioso.

147

PINHEIRO, J. C. F. Op. cit., 1883. (folha de rosto)

148

PINHEIRO, J. C. F. Op. cit, 1873. (folha de rosto)

149

LAJOLO, Maria. O cônego Fernandes Pinheiro, sobrinho do Visconde, vai à escola. Cadernos do Centro de

Por ocasião da venda dos Episódios da história pátria, comprova-se a natureza detalhista do documento de que estamos falando:

Vendi a 6.ª edição d’esta obrinha ao Garnier pela quantia d’um conto e quinhentos mil reis. A tiragem foi de tres mil exemplares. Recebi a quantia supra no dia 14 de Fevereiro de 1870. Cada exemplar é vendido a dois mil reis, cabendo-me de direitos d’autor quinhentos mil reis por cada mil exemplares. NB. Tirão-se mais d’esta 6.ª edição 270 exemplares, além dos três mil acima mencionados.

Recebi no dia 26 de Novembro de 1870 a importância da diferença de tiragem, isto é, o accrescimo dos 270 exemplares, havendo porém um equivoco contra mim: porquanto em vez de cento e trinta e cinco mil reis apenas recebi cento e oito, faltando por consequencia vinte e sete mil. (...)

Vendi a 8.ª edição d’esta obra ao Garnier nas condições porq. lhe vendera a 6.ª (de Paris) isto é, a tiragem deverá ser de mil exemplares – Entreguei o exemplar corrigido no dia 31 de 8bro. de 1872.150

Nesse trecho, é interessante notar o cálculo preciso de Fernandes Pinheiro no que tange aos lucros ou, no caso, aos prejuízos decorrentes da venda de suas obras: “havendo porém um equívoco contra mim: porquanto em vez de cento e trinta e cinco mil reis apenas recebi cento e oito, faltando por conseqüência vinte e sete mil”. Ademais, o acompanhamento bem cuidado da venda das tantas edições pelo Cônego revela-nos a grande receptividade do trabalho do escritor por um público variado no decorrer dos anos.

O direcionamento claro ao público infantil compreende a preocupação inteligente de Fernandes Pinheiro em atingir um campo maior de leitores, tendo em vista conseqüentemente uma maior lucratividade. E, quando há possibilidade de estender mais ainda esse público, a rentabilidade e o sucesso aumentam, como acontece ao publicar livros religiosos à infância, caso da História sagrada ilustrada para uso da infância..., cujo projeto ultrapassa o público infantil atingindo outro bem mais lucrativo: o católico. Tanto é que a produção torna-se mais requintada com presença de gravuras que “talvez representasse um bem-vindo refrigério para o sisudo ensino do Brasil oitocentista.”151

150

PINHEIRO, J. C. F. Livro d’assentos e notas pertencentes a J. C. Fernandes Pinheiro. Desde o anno de 1870

ao de ... (não publicado) apud. BRAGA, Osvaldo Melo. Op. cit., 1958, p. 256.

151

As lições de retórica e poética

Os longos anos de ensino de retórica e poética nos colégios do Império, principalmente nas disciplinas do Colégio Pedro II, permitiram que o Cônego Fernandes Pinheiro coletasse um material didático considerável acerca do assunto e o reunisse numa publicação que levaria o nome de Postilas de Retórica e Poética, editada pela B. L. Garnier em 1872.

Embora não tenhamos dados comprobatórios, é muito provável que as Postilas foram aprovadas pelo setor público e tenham sido adotadas nos cursos de retórica e poética do referido colégio, uma vez que o seu autor tinha assumido o comando da disciplina já há quinze anos e permaneceria nele até seu falecimento em 1876. Além do mais, estava claro no título que elas eram “dictadas aos alunos do Imperial Collégio de Pedro II pelo respectivo professor Cônego Dr. J. C. Fernandes Pinheiro.”152

O eclesiástico demonstrou-se interessado em esclarecer o caráter bem específico das Postilas, que se configuravam como apoio didático nas exposições orais da disciplina – dizia no prefácio que a “estreiteza do tempo de que podem dispôr os mencionados alumnos aconselhou-me a maior concisão na exposição dos preceitos, deixando para a explicação oral o preenchimento das lacunas que n’ellas se hão-de notar.”153 -, todavia sua projeção extra- escolar era bem previsível, tal como vinha acontecendo com os seus demais trabalhos didáticos. Como ilustração, podemos dizer que, no mês da publicação das Postilas, sairia no Correio do Brasil uma nota crítica em que se divulgava o novo título: “Sob o modesto título de Postilas de Retórica e Poética, acaba de surgir à luz da publicidade um novo trabalho do Cônego Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro.”154

O compêndio escolar não seria o pioneiro e, muito menos, novidade para aquele momento em que a produção de trabalhos didáticos específicos sobre retórica e poética havia se consolidado no país e o número de publicações crescia significativamente. Para se ter uma idéia, os textos de Freire de Carvalho, Lopes Gama, Manoel da Costa Honorato e Junqueira Freire já estavam, há algum tempo, nas mãos dos interessados em aprender as técnicas de eloqüência.

152

PINHEIRO, J. C. F. Op. cit., 1885. (folha de rosto)

153

Idem, ibidem, p. 5.

154

Sem maiores pretensões, as Postilas apareceram como mais um texto didático que visava auxiliar no ensino da matéria nas instituições, reproduzindo os famigerados preceitos da tradição retórica. Além de sua importância histórica, o texto interessa-nos essencialmente pelas considerações teóricas que revelam o posicionamento crítico de seu autor em relação à literatura e, portanto, não como um produto textual com cunho de reflexão autonômico de contribuição às idéias da crítica literária.

De início, convém expormos alguns comentários acerca dos manuais de retórica vigentes na época, antes de direcionarmos o nosso olhar às Postilas de retórica e poética, na tentativa de buscar os aspectos teórico-retóricos mais relevantes dos quais o Cônego Fernandes Pinheiro utilizou-se na empreitada como leitor crítico de literatura, os quais, por conseguinte, caracterizam o seu ideário crítico.

a) Os manuais de retórica brasileiros

Como vimos, os manuais de retórica eram textos didáticos utilizados como apoio das aulas teóricas de literatura nas instituições de ensino. Afora as considerações iniciais sobre os conceitos ou definições de retórica e poética, os livros em geral tratavam apenas de repassar, por meio de divisões e subdivisões mecanicistas e sistemáticas, os elementos da retórica e poética com exemplificações através de excertos de textos literários.

Tais preceitos eram considerados necessários à adequação e aperfeiçoamento dos estudantes na prática do discurso oral e escrito para a sua inserção no ambiente cultural, social e político do país. Por outro lado, tornavam-se importantes no aprendizado detalhado dos aspectos poéticos que iriam permitir-lhes aproveitar com maior profundidade o que a literatura poderia oferecer para a sua formação humanística.

Antes das Postilas de Fernandes Pinheiro, além do espaço privilegiado granjeado pelos textos de Freire de Carvalho, tínhamos no circuito escolar as Lições de eloqüência nacional (1846), de Lopes Gama, as Sinopses de poética nacional (1859) e suas várias edições “mais correcta e consideravelmente aumentada”, de Manoel da Costa Honorato, e os Elementos de