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DISCURSO SOBRE A POESIA RELIGIOSA EM GERAL E EM PARTICULAR NO BRASIL

Um Juízo sobre o Cônego Fernandes Pinheiro

DISCURSO SOBRE A POESIA RELIGIOSA EM GERAL E EM PARTICULAR NO BRASIL

No dia em que o homem sublimou o seu pensamento até o seu Criador nesse dia nasceu a poesia Religiosa. É a primogênita dentre suas irmãs: pois primeiro o homem extraiu de seu peito, como de uma harpa eólia, um hino de agradecimento ao Senhor do Universo, que lhe dera por berço as delícias do Éden, do que cantou as façanhas dos heróis, celebrou a formosura das virgens, ou pranteou a morte de seus parentes e amigos. Abel, oferecendo ao seu Deus as primícias dos frutos da terra, fazia-as acompanhar de orações tão puras como as suas oferendas, e que como as chamas do seu sacrifício incruento remontavam-se ao trono de Jeová. Era a mais bela a sublime poesia: partia do coração, não da cabeça, filha do sentimento e não do cálculo. Não eram uns poemas frios de idéias, ardentes de palavras, que povoam nossas bibliotecas, ditados pela adulação, e inspirados pelo interesse. Os cânticos sagrados dos primeiros Patriarcas eram cheios de unção, do nobre entusiasmo. Disto tanto a Bíblia das epopéias de Homero quanto a Poesia Religiosa é superior da Poesia Profana.

[VI] A Poesia, que nascera da contemplação das maravilhas do Criador, degenerou entre os povos idólatras. Eles que tinham alterado a Revelação primitiva, corromperam também a Poesia, que saindo pura das mãos do Eterno não podia senão degenerar nas mãos dos homens.

Os Gregos, eminentemente amigos da glória e da liberdade fizeram servir a Poesia para o seu engrandecimento. O estabelecimento dos jogos olímpicos, em que a Grécia inteira assistia ao certame dos poetas, dos oradores, dos atletas, em que deferia aos vencedores a coroa, que haviam ganhado, não podia deixar de ser um poderoso incentivo para o desenvolvimento do gênio poético, sob a influência do benéfico céu dessa abençoada região; daí a aparição do Pindaro, fundador da poesia lírica, e de Eurípides e Sófocles, criadores da tragédia grega. A rivalidade entre os povos, em que estava dividida a Grécia, trazia a emulação entre os poetas, com notável vantagem das letras.

A Grécia viu a sua poesia fulgurar com a sua liberdade, e com ela extinguir-se, ao passo que Roma herdando uma perdia outra. Desgraçadamente para os Romanos a sua poesia lírica nasceu imediatamente depois das guerras civis de Mário e Sylla; por isso trouxe sempre impressa em sua fronte o selo da sua origem. Horácio, em sua brilhante e rápida poesia, modula o seu canto segundo todos os tons: turifica a Augusto e a Mecenas, e vai depois

celebrar a dedicação de Regulo, e a grande alma de Catão. É impossível aliar tanta baixeza com tão grande elevação de espírito. Seu estilo encantador seduz o ouvido, enquanto a lisonjeia a todas as paixões a sua voluptuosa doutrina.

Tal era no mundo antigo a poesia do Ocidente, ao passo que no Oriente existia um povo ignorado, [VII] escarnecido, ludibriado por seus vizinhos, mas que há muitos séculos possuía uma poesia original, cheia de inspiração e de sentimentos filha das instituições e dos costumes. A poesia Religiosa entre os Hebreus foi sempre augusta intérprete da Religião; e enquanto Homero divinizava as paixões, favorecendo a todos os vícios, a harpa sagrada dos Profetas exprobrava ao povo os seus crimes, os seus desvarios, e ameaçava-o com a cólera do Senhor. Isaias faz ouvir os acentos da sua profunda indignação, e Jeremias pranteia as ruínas de Sião no meio do seu luxo, e das suas galas.

As instituições dos Hebreus eram muito próprias para inspirar os seus poetas. Os povos da Judéia corriam em tropel todos os anos a cidade santa, que só em todo o reino possuía o templo do Deus vivo, do Deus, que criara o universo, e que conduzira seus pais através do deserto e do Mar Vermelho. – Prostravam-se diante da Arca onde estavam guardadas as tábuas da Lei: e esses monumentos da sua crença conservados pela veneração pública eram um testemunho subsistente da aliança que Deus jurara a seus pais. Essas santas solenidades, que a Divindade parecia assistir enchia os corações de admiração e de amor: e tais são os sentimentos que animam os cânticos de Moisés, os hinos de David, e as profecias de Isaias.

Uma qualidade essencial à poesia é o ser ela a arte de tocar os corações: é intérprete da natureza, cujos acentos, exprimidos em linguagem cadente, penetram infalivelmente as nossas almas, máxime quando escolhe para assunto dos seus cânticos objetos alegres, ou tristes: porque pela organização da nossa natureza estamos sempre dispostos a partilhar as dores, ou as alegrias dos nossos semelhantes, uma vez que saibam despertar tais sentimentos em nossos corações. Assim a poesia foi a [VIII] cadeia de que se serviu Deus para ligar os homens entre si, associá-los para que se prestassem mútuos auxílios. A engenhosa Grécia figurara Orpheu domesticando as indômitas feras, os leões bravos; e erguendo os muros de Thebas ao som da sua lira: era uma poética ficção para simbolizar o poderoso influxo, que exerce a poesia sobre a civilização dos povos.

Na infância das sociedades encontramos sempre a Poesia Religiosa sentada junto ao berço das nações: nas margens do Jordão, e nas do Nilo, na Grécia bem como nas Gálias são os sacerdotes e os druidas os que instruem os povos com seus cânticos sagrados. O verso grava-se melhor na memória do que a prosa; e daqui procede que os primeiros legisladores, como Lycurgo e Sólon, escreveram as suas leis em verso, e que os Israelitas sabiam a Bíblia de cor em razão da sua linguagem cadenciosa e harmônica. Observando que os mais antigos monumentos da literatura se acham em verso em sábio professor de Edimburgo, Mr. Blair, não duvidou afirmar que a poesia era mais antiga do que a prosa. Nem parecera estranha esta opinião se notarmos que os povos bárbaros usam mais da linguagem tropológica e figurada do que os povos civilizados, e que mesmo entre os selvagens da América e da Oceania acharam os viajantes hinos sagrados e guerreiros, assim como cânticos funéreos: -

Ouçamos por um pouco ao ilustre poeta, o Sr. Lamartine, e vejamos como ele define a poesia: “A poesia, como tudo o que é divino não pode ser definida por uma palavra, nem por mil. É a incarnação do que o homem tem de mais íntimo no coração, de mais divino no pensamento, do que a natureza divina tem de mais magnífico nas imagens, de mais melodioso

nos sons. É simultaneamente [IX] sentimento e sensação, espírito e matéria, eis porque é a linguagem completa, a linguagem por excelência, que se apossa do homem pela sua humanidade, idéia pelo espírito, sentimento pela alma, imagem pela imaginação, e música pelo ouvido. Eis porque essa linguagem quando é bem falada fulmina ao homem como o raio, aniquila-o pela convicção interna e evidencia irrefletida, ou encanta-o com um filtro, embala-o como um menino adormecido em seu berço às magas canções de sua mãe! Eis porque o homem não pode produzir, nem suportar muita poesia: é porque apoderando-se da alma pelos sentidos, e exaltando as suas faculdades; o pensamento pelo pensamento, os sentidos pelas sensações, exaure-a, oprime-a, como todo o prazer demasiado, de uma voluptuosa fadiga, e fá- la exalar em poucos versos, em poucos instantes tudo o que existe de vida íntima, de força de sentimento em sua dupla organização. A prosa não se dirige senão à idéia, e o verso fala à idéia, e a sensação ao mesmo tempo. Essa linguagem misteriosa e instintiva, por isso mesmo que o é jamais poderá perecer. Não é unicamente a linguagem da infância dos povos, o balbuciar da inteligência humana; é a linguagem de todas as idades do gênero humano, cândida e simples no berço das nações, narradora e maravilhosa como a ama na cabeceira do menino; amorosa e pastoril entre os povos jovens e pastores; guerreira e épica entre as hordas guerreiras e conquistadoras, mística, lírica, profética ou sentenciosa nas teocracias do Egito ou da Judéia, grave, filosófica e corruptora nas civilizações avançadas de Roma, de Florença, ou de Luiz XIV, desgrenhada e ululante nas épocas de convulsões e de ruínas [X] como 1793; nova melancólica e incerta, tímida e audaciosa ao mesmo tempo nos dias de nascimento, e reconstrução social como hoje. Mais tarde na velhice dos povos, triste, sombria, gemebunda e desanimada como eles, e respirando em suas estrofes os pressentimentos lúgubres, os sonhos fantásticos,e as firmes e divinas esperanças de uma ressurreição da humanidade: eis a poesia. É o mesmo homem, é o instinto de todas as suas épocas; é o eco interno de todas as suas impressões; é a voz da humanidade pensante e sensiente, resumida e modelada por certos homens, mais homens do que o vulgo, mens divinior, e que paira acima desse ruído tumultuoso das gerações, e dura mais do que elas; e que testemunha a posteridade os seus gemidos, ou as suas alegrias, seus feitos, ou as suas idéias. Essa voz não se extinguirá no mundo, porque não foi inventada pelo homem: foi Deus quem lha deu, foi o primeiro hino de reconhecimento que remontou ao Céu, será também o último que o Criador ouvirá no dia, em que por sua ordem o derradeiro sol alumiar o mundo.”

Pelo que acabamos de ler ver-se que a Poesia é uma flor do céu transplantada para os jardins do mundo: os homens não a inventaram, assim como também não descobriram a linguagem, como muito bem observa o senhor Guilherme d’Humbolt, à frente da nova escola etnográfica. Deus, diz o ilustre sábio alemão, deu ao homem uma linguagem, perdida depois da confusão de Babel, e da dispersão dos povos; mas de cujos fragmentos se compuseram todas as línguas e dialetos, que existiram, ou ainda existem. Ora se a Poesia saiu da inteligência divina, como Minerva armada da cabeça de Júpiter, é claro que a Poesia Religiosa, que traz sempre consigo o selo indelével [XI] de sua origem, é infinitamente superior a sua irmã a Poesia Profana.

Son front est couronné de palmes et d’etoilles, Son regard immortel, que rien ne peut tenir,

Traversant tous les temps, soulevant tous les voiles, Reveille le passé, plonge dans l’avenir!

Du monde sous ses yeux les fortes se deroulent. Les siècles à sés pieds comme um torrent s’ecoulent; A son gré descendant, ou remontant leur cours, Elle sonne aux tombeux l’heure fatale,

Ou sur la lyre virginale.

Chante au monde vieilli ce jour père des jours. (LAMARTINE 30. e Meditation.)

Estabelecendo o paralelo entre a Bíblia e Homero, o imortal visconde de Chateaubriand, diz no seu livro de ouro, o gênio do Cristianismo:

“A simplicidade da Escritura é a de um antigo sacerdote, que cheio das ciências divinas, e humanas, dita no fundo do santuário oráculos ungidos pela sabedoria:

A simplicidade do Poeta do Chio é a de um velho viajante, que conta no lar do seu hóspede o que aprendera no curso de uma vida longa e agitada.”

A Poesia Religiosa, debulhada em pranto jazia sentada à sombra das palmeiras, que sombreiam a fonte de Siloé, quando o sol do Evangelho despontou sobre o horizonte do mundo dissipando as trevas da idolatria. Platão queria banir os poetas da sua república; a religião Cristã fez deles seus intérpretes, e abriu-lhes os seus templos. Ela veio reconciliar no homem a imaginação com a razão o que não tinham podido fazer os filósofos pagãos.

A Poesia expressão do que há de mais divino no homem não podia passar sem crenças. Nada há mais raro, diz de Genoude, de que ver um [XII] Poeta incrédulo. Voltaire é o único que oferece esse exemplo; e coisa admirável descobrem-se dois homens no mesmo Voltaire; o poeta e o filósofo, Voltaire filósofo, é incrédulo; Voltaire poeta, é cristão. Era impossível render a Religião mais bela homenagem.

O Cristianismo porém não necessitava desse testemunho para fazer crer na sublimidade de seus dogmas, das suas tradições e da sua moral: já a França lhe devia a Athalia, Esther, e Polyeutha; a Alemanha a Messiada: a Inglaterra o Paraíso Perdido; a Itália a Jerusalém libertada, e a Divina Comédia; e todas as línguas da Europa os primores da sua literatura.

“Quando à voz dos Padres da Igreja tudo se transformava sobre a terra, diz o Abade de Genoude, leis, costumes, linguagem, e nova poesia nasceram à sombra do santuário, não era mais essa musa frívola, que outrora cantava debaixo dos loureiros da Grécia as desavenças dos deuses, e os amores dos heróis; que se aprazia no meio dos festins, e que celebrava na mesma lira a razão e a loucura, a virtude e o vício, a sabedoria e o prazer. Filha do Cristianismo a nova Poesia canta na harpa dos anjos a glória de Deus, que enche o Céu e a terra. Em lugar de convidar ao homem a gozar de bens frágeis e caducos lhe recorda a sua celeste origem, e os seus imortais destinos; conta-lhe a queda do nosso primeiro pai, e a história dos primeiros mártires.”

Entre os antigos povos eram os Poetas, que tinham criado a Religião, e entre os modernos é a Religião que engenha os Poetas, eis o tipo característico da nova escola de Poesia, escola, que deve a sua origem aos cantos dos trovadores, à cavalaria, e esse culto pela

mulher, que fazia [XIII] o brasão dos Bayard, dos Cid, e dos Nun’Alvares. Existe para nós mais beleza, mais sublimidade nesses menestréis, que iam de castelo em castelo, cantando as lendas dos santos, ou as proezas dos cavaleiros, e que morriam debaixo dos muros da cidade santa, nessa terra regada pelo sangue do Redentor, do que nas epopéias de Homero, ou Virgílio, do que nas odes de Píndaro, ou de Horácio. Porque, como sabiamente observa, o senhor Carlos Nodier, o céu deserto dos ateus diz mais coisas ao pensamento do que Saturno e Júpiter. Não há uma onda, vindo quebrar-se sobre os rochedos escarpados, que não traga mais inspirações do que a fábula de Netuno com o seu eterno cortejo.

Observa-se até os fins do século passado na literatura dos povos da raça latina uma imitação, quase servil, dos grandes modelos, que nos legou a antiguidade grega e romana. Ninguém podia aspirar aos foros de poeta sem que soubesse de cor todas essas absurdas e quiméricas ficções, que constituía a mitologia grega. Tinham travado na cabeça dos poetas uma luta de morte as tradições da infância com as do colégio, as idéias cristãs com as reminiscências pagãs: e daí nascia esse sincronismo, que observamos em Dante, em Tasso, e no nosso Camões; esse amálgama repugnante, que fazia figurar a impudica deusa de Cythera ao lado das mais imaculada de todas as criaturas, do Tabernáculo Deus vivo, da Rainha dos Anjos, numa palavra de Maria.

Os povos da raça saxônica, ou germânica, conservavam uma literatura a parte: o poema dos Nibelungem, o livro dos heróis (Heldenbuch) e os fragmentos dos minnesonger, seus cantores de amor, resumem toda a poesia cavalheirosa da idade média: o grande dramaturgo inglês Shakespeare ignorava as regras poéticas de Aristóteles e de Horácio, não indo beber as suas inspirações na fonte da Castalia, talvez que nunca compulsasse as tragédias de Eurípides e de Sêneca.

“A idade-média, diz Mr. Victor Cousin na sua História da Filosofia, como todas as grandes épocas da humanidade, tinha tido a sua expressão nas artes e na literatura. Desde o 12 º até 15 º século, vemos sair do estado social da Europa do Cristianismo, que é o seu fundamento, artes e literaturas próprias da Europa; aparecem os trovadores da Provence, os menestréis da Alemanha, e os romanceiros espanhóis: Dante e Shakespeare são poetas originais. A tomada de Constantinopla pelos turcos no 15 º século trouxe uma revolução: os Gregos de Constantinopla importaram na Europa as artes, a literatura e a Filosofia antigas. Então se viu que umas nações se lançaram com ardor na literatura clássica, tais como a França, a Itália, a Espanha e Portugal, e que as nações germânicas continuaram na sua antiga literatura, ligeiramente modificada.”

Tal era o estado da literatura até o fim do século 18 º, quando a Revolução Francesa, semelhante as águas que se despenham com terrível fragor na catarata de Niagara, veio renovar a face da Europa.

Os miseráveis triunfos da impiedade, proclamando como hipótese a Providência, a ordem e a imortalidade, não tinham deixado ao homem senão o orgulho de um falso saber, a convicção da incerteza geral, sem lhe permitir essa estabilidade, que nasce da harmonia da crença humana com a religiosa. Alguns se arrastavam ainda após do carro vazio de Voltaire, outros se preparavam para lisonjear o novo herói, que lhes conferia empregos, [XV] e ricas pensões em troco dos seus louvores oficiais. Mas enquanto Napoleão restaurava o antigo culto como símbolo de ordem e de disciplina, Chateaubriand quis fazer aparecer a sua beleza. O materialismo comunicado pela ciência reduzira a Poesia a uma fria contemplação: e os

enciclopedistas, renegando a natureza e a Deus, tinham escrito com o compasso, e o cálculo e jamais com o coração. Chateaubriand, no Gênio do Cristianismo, descobriu as harmonias misteriosas que prendem o Céu a terra: deu por defesa a Religião abalada pelo sarcasmo de Voltaire, pelo espírito de Diderot, pelo fogo de Rousseau, pelos desvarios de Raynal, os encantos da imaginação, a vida das afeições, e as belezas do culto. Essa efusão de harmonias esquecidas fez ler com avidez o seu livro: a sociedade, cansada de ceticismo, tinha sede de crenças; não podia permanecer no estado de dúvida; se a não tornasse católica perder-se-ia nos tenebrosos labirintos da mais grosseira superstição. O Gênio do Cristianismo não foi um livro, e sim um grande acontecimento.

Ao lado de Chateaubriand erguia-se uma figura tão grande como ele em inteligência, e talvez maior que ele em coragem; pois era uma mulher, a baronesa de Staël, amazona intelectual, na enérgica expressão de César Cantu, que desviando os seus olhos dessa França mofadora e incrédula, para fixá-los na Alemanha grave, estudiosa, crente, e idealista, fez conhecer os seus poetas e filósofos, abatendo assim as barreiras que separavam a literatura alemã da francesa: esses dois gênios foram os fundadores da nova escola, conhecida pela denominação de Romântica, inspirando-se nos mistérios sublimes do Calvário, nas crenças dos povos cristãos, e que em tão grande reputação hão granjeando na Alemanha Goethe e Schiller; [XVI] na Inglaterra Byron, e Scott; na França Lamartine, e Victor Hugo, na Itália Manzoni e Pellico; na Espanha Donoso Cortes e Martinez de la Roza; e em Portugal Garrett e Herculano.

Seguimos a história da Poesia até o ponto da sua conversão ao Catolicismo, lancemos agora uma vista retrospectiva sobre os poemas que se ocuparam mais exclusivamente de assuntos religiosos.

O primeiro poeta inspirado pela Musa Cristã é Dante, ilustre Florentino, que nasceu no meio das comoções, das guerras civis, que ensangüentaram a Itália, durante o 13 º e 14º séculos: na Divina Comédia, observa-se uma singular mistura de antiguidade, ciências teológicas e imaginação. Adorador de Virgílio, Dante não concebe nada de melhor do que tomar esse pagão por guia no mundo sobrenatural dos cristãos; porém abaixo de Virgílio, e acima da Poesia, coloca a Teologia, a ciência sagrada. A Divina Comédia é um poema político-religioso, é a genuína expressão da sua época; o primeiro passo para a emancipação da poesia.

O Rolando Furioso de Ariosto, que seguiu-se na ordem cronológica, não é mais do que um poema romanesco, não tendo nem a gravidade, nem a extensão da epopéia; e alternativamente sério e jocoso, grotesco, e sublime. O vate de Ferreira não tivera outro objeto senão celebrizar as aventuras cavalheirescas desses ilustres Paladinos, que no tempo de Carlos-Magno renovavam as façanhas dos Hércules e Theseus. Colheu as tradições populares, e enobreceu-as com pomposos e sonoros versos.

A Jerusalém libertada de Torquato Tasso é incontestavelmente a primeira epopéia moderna: seguiu os passos de Homero e algumas vezes excedeu [XVII] ao seu ilustre modelo. Na escolha do assunto revelou Tasso o seu grande gênio; pois que nos fastos modernos não existia objeto algum tão heróico como das Cruzadas, essa luta de gigantes, esse duelo de morte entre a Cruz e o Crescente, entre a civilização e a barbárie. A cena da Jerusalém libertada, tão rica de recordações, tão brilhante por sua associação com as nossas idéias religiosas, é ainda aquelas em que a natureza ostenta as suas mais ricas galas, e em que os mais risonhos e