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Humberto Alves Barbosa

3. Caatinga: Impactos de origem natural

De acordo com Duarte (2002), o clima predominante na Caatinga é o Tropical semiárido. A temperatura média anual é de 25°C e pode alcançar até 40°C no verão. As mínimas registradas podem chegar a valores próximos de 20°C ou até menos nos meses de maio e junho. A precipitação média anual oscila entre 250 e 600 mm ao ano, sendo os meses de maio e junho os mais chuvosos. As chuvas estão concentradas na chamada “estação chuvosa”, com duração de 3 a 4 meses, e com distribuição irregular. As perdas devido à evaporação, depois das chuvas, são maiores do que aquelas devido ao escoamento superficial e infiltração subterrânea. Devido à reduzida presença de nuvens, a região apresenta mais de 3.000 horas de sol durante o ano, favorecendo o elevado potencial de perda de água por evapotranspiração, que atinge 2.500 mm ao ano. Isso favorece a que 91,8% da precipitação pluviométrica na região da Caatinga se evaporam, 8% contribuem para o escoamento superficial e 0,2% percola no subsolo (CARVALHO et al., 2003). As chuvas são extremamente concentradas no tempo e possuem significativa variância. Esses elementos climáticos adversos produzem uma aridez quase generalizada. A tabela a seguir apresenta a relação

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dos índices de precipitação e de evaporação das regiões brasileiras. No caso da região do semiárido, tal relação é o principal fator da baixa eficiência dos açudes.

Tabela 1 - Relação dos índices de precipitação e de evaporação das regiões

brasileiras.

Região Precipitação média anual (mm)

Evaporação média anual (mm)

Caatinga 250 - 600 2.500 - 3.500 Nordeste 300-1500 800-3200 Norte 1800-3300 400-1200 Centro-Oeste 1200-2400 800-2000 Sudeste 900-2400 400-1600 Sul 1200-2100 400-1200

Fonte: Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) 1931-1990.

A principal manifestação da variabilidade climática desse Bioma é a seca. Historicamente, a região da Caatinga sempre foi afetada por grandes secas (GUERRA, 1981). Entre as principais secas na história da região, mencionam-se especialmente aquelas ocorridas em: 1915; 1919/20; 1931/32; 1942; 1951/53; 1958; 1966; 1970; 1972; 1976; 1979/80; 1982/83; 1993; 1998/99. O principal fenômeno meteorológico associado à ocorrência das secas no Bioma da Caatinga é o ENOS. Durante a fase positiva do ENOS, a região da Caatinga experimenta uma diminuição sazonal das chuvas e, por conseguinte, um aumento de intensidade das secas. É fácil verificar que, de modo geral, ocorrem anos de secas após anos de ocorrência do fenômeno do El Niño. Isto aconteceu nos anos 1914, 1918, 1930, 1941, 1951, 1953, 1957, 1965, 1969, 1971, 1982, 1992 e 1997. O ano seguinte a um ano de El Niño, entretanto, nem sempre é um ano seco, como se pode ver em 1912, 1924 e 1926. Há também anos secos que não foram antecedidos por anos de El Niño, como por exemplo, 1936 e 1979. Entretanto, relatos de secas na região podem ser encontrados desde o século 17, quando os portugueses chegaram à região. Na grande seca de 1877-79, por exemplo, teriam morrido mais de 500 mil pessoas na Província do Ceará e vizinhanças, vitimadas pela fome, sede, epidemias, falta de condições sanitárias, e ausência de infraestrutura; embora haja, por parte dos historiadores, certa divergência em relação a esse número. A seca, portanto, se diferencia da aridez, já que esta se restringe a regiões de baixa precipitação e é uma característica permanente do clima. O caráter da seca é nitidamente regional, refletindo características meteorológicas, hidrológicas e sócio-econômicas singulares. Segundo Aceituno (1989), durante episódios de El Niño-Oscilação Sul (ENOS) há o deslocamento da

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Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) para uma posição ao norte, não favorecendo a formação de chuvas na região. A ZCIT é o principal sistema atmosférico atuante na Caatinga, e responsável direto pelas chuvas nesse Bioma no período de fevereiro a maio. A ZCIT recebe influência dos padrões de Temperatura da Superfície do Mar (TSM). Anomalias positivas de TSM no Atlântico Norte e negativas no Atlântico Sul, próximo da costa africana, configuram um padrão de dipolo de TSM desfavorável às chuvas na Caatinga, influenciando a ZCIT para a posição mais no norte do Equador.

Nos anos de seca, a produção agrícola é reduzida. Variações da oferta hídrica acarretam a perda da safra. E o peso da agricultura de subsistência explica, por sua vez, as consequências sociais das estiagens periódicas. Adicionalmente, parte da mão-de-obra da agricultura de subsistência perde seus empregos, engrossando a massa de trabalhadores vivendo em condições de subsistência. O desenvolvimento da economia semiárida nordestina, por seu lado, encontra um obstáculo na agricultura de subsistência, cujos rendimentos, sendo mais baixos que os da agricultura da zona da mata nordestina, fazem com que os preços relativos dos alimentos tendam a se elevar mais no semiárido. Dada a baixa intensidade em trabalho da agricultura de subsistência, não há a formação dos condicionantes para uma fonte local de demanda, o que resulta na fragilidade da economia do semiárido ao impacto das secas. Não obstante tais dificuldades, os açudes do semiárido não conseguem disponibilizar, em média, mais do que 25% da água que armazenam (BRASIL, 2006). Tais fontes de abastecimento hídrico não são suficientes ou adequadas para as características físicas e ambientais do semiárido nordestino. Para além das consequências sociais, os açudes constituem fontes essenciais no abastecimento urbano e projetos de agricultura irrigada em determinadas localidades. A identificação das causas meteorológicas e o desenvolvimento de métodos de previsão de secas na região têm sido efetuados através da análise dos fenômenos de circulação global, especialmente o ENOS. A chuva na Caatinga é diretamente controlada pela variabilidade da atividade convectiva e associada diretamente às anomalias de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) sobre os Oceanos Atlântico e Pacífico Tropicais (MOURA e SHUKLA, 1981; PHILANDER, 1990). As correlações entre os índices do ENOS e a precipitação interanual nessa região permitem uma estimativa da previsão sazonal de chuva. Ela possibilita, uma vez incorporada aos modelos chuva-vazão, ações de mitigação dos efeitos das secas no gerenciamento e a otimização da operação de reservatórios na região da Caatinga.

A seca sócioeconômica associa a oferta e demanda de um bem econômico com elementos da seca meteorológica, hidrológica e agrícola. Na região da

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Caatinga, de uma maneira geral, os efeitos da seca sócioeconômica mostram-se bastantes evidentes sobre a agropecuária, particularmente nas culturas de subsistência. A experiência com a seca de 1998 e a magnitude dos impactos associados a ela mostram que as perdas na agricultura e pecuária totalizaram 77% para o milho e o feijão, 42% para o arroz, 92% no algodão e 83% para a castanha do caju. Com a seca de 1998, por sua vez, o Nordeste contabilizou 32% de perdas nas culturas de subsistência e industriais, mas a pecuária praticamente não sofreu (DUARTE, 2002). Em se tratando do semiárido do Ceará, mais de 90% dos alimentos são produzidos em condições de sequeiro, onde a variabilidade climática é já limitadora da produção agrícola. A Figura 5 ilustra a influência da variabilidade climática na distribuição temporal dos totais anuais de produção e rendimento de feijão para o Estado do Ceará (1971-2001) obtido no Instituto de Planejamento do Estado do Ceará (IPLANCE). Barbosa (2009) concluiu que a variabilidade interanual da produção e rendimento de feijão é fortemente dependente das anomalias TSM (período de 1971-2001) nos oceanos Pacífico e Atlântico Tropicais. A influência da variabilidade climática foi analisada pelo índice de vulnerabilidade (VI): de acordo com a metodologia usada, foi o resultado do impacto da variabilidade térmica do fenômeno La Niña como ocorrido em 1984-1985 (anos de excesso de chuvas). A maior parte do crescimento da produção foi, essencialmente, o resultado de aumentos da área cultivada em vez de aumentos do rendimento. Esses problemas climáticos têm impacto direto sobre o rendimento da produtividade agrícola a um nível local e regional, afetando, assim, o sustento dos agricultores de subsistência. A maior conscientização e compreensão da seca social levaram os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula à adoção de um enfoque mais pró-ativo com relação ao gerenciamento da seca social, na tentativa de reduzir os impactos no curto prazo e a vulnerabilidade no longo prazo (SILVA, 2002). Nesse contexto, as políticas governamentais de ações de enfretamento aos efeitos da seca social incluíram dois programas: 1) o Programa Sertão Cidadão: Convívio com o semiárido e inclusão social, lançado em 2001/2002; e, 2) o Programa Conviver - Desenvolvimento Sustentável do semiárido, lançado em 2003. Esses programas procuraram integrar a política de enfretamento aos efeitos da seca social com aspectos relacionados com o desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento de políticas de enfretamentos dos efeitos das secas iniciou-se a partir da seca de 1877-79. A sinergia e complementaridade das políticas sobre a gravidade da seca e ações de mitigação durante períodos de seca tornaram-se mais sistemáticas no início do século passado. Planos de preparação para o combate aos efeitos da seca propiciaram uma maior coordenação dentro dos diversos níveis de governo e entre eles. Avaliações pós-

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seca mostraram os esforços nos procedimentos para o monitoramento, resposta e mitigação de graves deficiências hídricas. Entretanto, existem alguns exemplos. Durante as secas de meados dos anos 50, no Nordeste, mais especificamente em 1958, houve uma redução de 40% na safra agrícola dessas áreas com prejuízo de 132 milhões de dólares, à cotação de 1957, com a agricultura contabilizando um prejuízo da ordem de 106 milhões de dólares e a pecuária de 26 milhões (DUARTE, 2002). Entre 1970 e 1984, a vulnerabilidade à seca aumentou em alguns contextos devido à expectativa dos destinatários das ações quanto à obtenção de assistência por parte dos governos ou doadores. Como resultado das secas de 1978-80, as culturas de subsistência de milho e feijão tiveram uma redução de 82% e 72%, respectivamente. A principal cultura comercial na época, o algodão, teve um declínio de produção de 69%. Na primeira década do século 21, apesar da ocorrência de anos com déficit de precipitação pluviométrica, como os anos de 2001 a 2005, não foi observada a ocorrência de uma grande seca na região. Secas severas de longos períodos podem levar a uma excessiva pressão sobre os recursos naturais pelo uso da terra, cujas causas imediatas são a perda gradativa da cobertura vegetal, degradação do solo, mudança do efeito de albedo. Ciclos de fortes secas costumam atingir a Caatinga em intervalos que variam de poucos anos a até mesmo décadas.

Year [averaged Feb-Mar-Apr]

1971 1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 V ul ner abi lity I ndex [ N iño 3. 4 + D ipol e] 0 25 50 75 100 125 150 175 200 V u ln e ra b il ity I n d e x [ C ro p ] 0 20 40 60 80 100 Bean yield

Bean production Niño 3.4 + Dipole

Figura 5 - A influência da variabilidade climática interanual na produção e

rendimento de feijão para o Estado do Ceará (1971-2001). FONTE: Barbosa (2009).

O monitoramento de períodos de secas pode ser efetuado por meio de emprego de índices. Com base neles, pode-se desenvolver um sistema de acompanhamento das características das secas objetivando quantificar os aspectos climatológicos associados com a sua ocorrência, assim como o entendimento da frequência e severidade da seca de acordo com a probabilidade de ocorrência em suas várias magnitudes. Dentre os diferentes

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índices meteorológicos e hidrológicos, destaca-se o Índice de Severidade de Seca de Palmer - ISSP (PALMER, 1965) devido ao seu papel importante no entendimento da distribuição espacial e a severidade das secas. Mas se deve atentar à ressalva de que ele assume a capacidade de armazenamento de água no solo, não dependendo da variação estacional ou anual da cobertura vegetal e do desenvolvimento radicular. Como conclusão, o ISSP é mais apropriado para o monitoramento da seca hidrológica e meteorológica do que para o monitoramento da seca agrícola. Os Índices de Vegetação de Diferença Normalizada (NDVI) e da Condição Vegetal (VCI) baseados nas plataformas orbitais (satélites) também possibilitam monitorar, quantificar e investigar impactos das secas na vegetação em resposta a fenômenos climáticos naturais (e.g., El Niño). Adicionalmente, a literatura apresenta uma extensa gama de estudos com aplicações diretas ou adaptações desses índices que mostram como eles são capazes de identificar variações na vegetação decorrentes das diferentes estações do ano. Como conclusão, observações de NDVI e VCI têm sido largamente utilizadas em diferentes estudos: 1) estudos de secas; 2) atividades agrícolas; 3) detecção de alterações climáticas; 4) atividades agrícolas; 5) modelagens biogeoquímicas, climáticas e hidrológicas; 6) taxa de produtividade primária e balanço de carbono; 7) problemas de saúde pública.

Uma vantagem capital do NDVI é que ele possibilita detectar o início de um período de seca, intensidade, duração e os impactos nas regiões atingidas. A principal limitação deve-se à influência da cobertura de nuvens. Variabilidade espacial e temporal da dinâmica da vegetação de uma determinada região pode ser monitorada por meio de observações obtidas de satélites meteorológicos. Na região da Caatinga, os trabalhos de Barbosa (1998) e Barbosa et al. (2006) apontaram o NDVI como indicador para o monitoramento das secas meteorológicas, com a ressalva de que um só NDVI não pode representar todos os aspectos inerentes às secas meteorológicas. Além disso, a variabilidade climática interanual (e.g., ano de El Niño) exerce uma grande influência sobre o Bioma da Caatinga, bem como sobre outros ecossistemas do NEB. A precipitação determina a distribuição espaço-temporal da vegetação no NEB e constitui o fator principal na variação do NDVI. Para enfatizar a importância destes fatores e o seu impacto direto sobe o NDVI, a Figura 6 ilustra os mapas de NDVI médio para as décadas de 1980 e 1990. Estes mapas sugerem que a diminuição absoluta de cobertura vegetal (NDVI) no período de 1991-1999 deve-se, sobretudo, às secas meteorológicas, sob o impacto da variabilidade térmica do fenômeno El Niño. O intervalo de variação do NDVI médio foi de 0,3 a 0,7 determinando desde áreas desnudo-degradadas a áreas com cobertura vegetal densa. As áreas

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representadas pelos valores entre 0,3 e 0,4 (em azul escuro) correspondem às mais desnudas e com maiores níveis de degradação.

Figura 6 - Mapas de NDVI médio sobre o NEB para as décadas de 1980 e 1990.

Em azul escuro (0,3 a 0,7) áreas desnudo-degradadas. FONTE: Barbosa (2006).

4. Caatinga: Impactos de origem antrópica e sistema de monitoramento